Brasil x Venezuela no Mercosul
Desde sua fundação, a presidência pro-tempore do Mercosul é exercida rotativamente pelos membros do bloco, em ordem alfabética. A transmissão ocorre semestralmente durante as reuniões de presidentes.
Por conta das crises internas no Brasil e na Venezuela, a reunião de Presidentes foi cancelada este semestre e o governo uruguaio marcou um encontro de chanceleres em Montevidéu, inicialmente previsto para 12 de julho, para transmitir a presidência para a Venezuela.
Na última terça-feira, o chanceler interino José Serra viajou ao Uruguai, acompanhado do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, onde manteve uma reunião com o Presidente Tabaré Vázquez e o chanceler Rodolfo Nin Novoa e pediu que o governo uruguaio adie a transmissão até agosto. A movimentação brasileira se soma às pressões argentinas (apesar das ambiguidades entre as posições de Macri e sua chanceler na OEA) e, sobretudo, do Paraguai, que tem apresentado a posição mais dura em relação à possibilidade de aplicação da cláusula democrática à Venezuela tanto no Mercosul, como na OEA.
O governo uruguaio vem sinalizando sua disposição em manter as regras do Mercosul e realizar a transmissão da presidência, mas a partir das pressões do Brasil e do Paraguai será realizada uma reunião de chanceleres em Montevidéu sem a presença da Venezuela, para conversar sobre um eventual adiamento.
Um dos argumentos veiculados pela imprensa seria o receio de que a Venezuela poderia trazer empecilhos para a negociação em curso do acordo com a União Europeia. O argumento é pouco convincente uma vez que a Venezuela não participa da negociação e já há acordo para que o Uruguai siga responsável pela condução das conversas com a UE.
Por enquanto concretamente a posição brasileira se restringe a pedir o adiamento da transmissão da presidência pro-tempore, mas sinaliza uma mudança política por parte de um governo interino e sem legitimidade que em nada contribui para a busca de uma solução negociada para a crise venezuelana. Ao contrário, tenciona o cenário regional e vai contra a posição brasileira (enfatizada a partir de 2003, mas anterior ao governo Lula) de contribuir para a estabilidade na América do Sul.
O cenário pós-eleitoral na Espanha
Dez dias após as eleições na Espanha, o Podemos passa por um período de autocrítica e o PSOE por um período de silêncio.
Desde a redemocratização, o Partido Popular e o Partido Socialista Obreiro Espanhol concentravam quase 80% dos votos e se alternavam no governo. Em dezembro passado, pela primeira vez dois novos partidos – o Podemos e o Ciudadanos – atingiram um patamar expressivo de votos e mudaram o quadro partidário no país. Frente ao impasse para a formação de um governo de coalizão, novas eleições foram realizadas em 26 de junho.
Os resultados finais desta consulta mostram que o PP aumentou sua votação, com 33% dos votos e 137 parlamentares (14 a mais em relação a dezembro). O PSOE conquistou 85 deputados (5 a menos). Mas o destaque ficou com o Podemos que, contrariando todas as pesquisas de intenção de voto, manteve-se em terceiro lugar e não ultrapassou o PSOE como principal alternativa no campo da esquerda. O Unidos Podemos – coligação com a Izquierda Unida – perdeu quase 1 milhão de votos e manteve as 71 cadeiras no parlamento. O Ciudadanos por sua vez, formação política nova dentro do campo da direita, perdeu 8 deputados em comparação com dezembro.
Com este resultado o PP se fortaleceu para as negociações de um futuro governo, embora novamente não tenha alcançado número suficiente de parlamentares para um governo de maioria (mesmo com o apoio do Ciudadanos não alcançam os 176 deputados necessários). O PSOE fracassou em sua disputa tradicional com o PP, mas manteve-se como segunda força política, segurando o crescimento do Podemos.
No caso do Podemos, em grande medida o resultado tem sido interpretado com um fracasso, causado sobretudo por uma alta abstenção de seus eleitores. Análises pós-eleitorais têm buscado explicar a frustração das expectativas ao discutir a tática de coligar-se com a IU, a transversalidade, as contradições no discurso do Unidos Podemos e o esvaziamento das mobilizações de rua. O debate também está presente dentro da direção: em atividade recente na Universidade Complutense de Madri, por exemplo, Pablo Iglesias avaliou que a abertura de um ciclo de ruptura iniciado com o movimento dos indignados em 2011 chegou ao fim e que a partir de agora a política parlamentar mais convencional deve recuperar espaço, ao passo que Íñigo Erregon concordou com o diagnóstico, mas sinalizou a falsa dicotomia entre a política institucional e as mobilizações de rua.
O PSOE por sua vez mantem silêncio desde as eleições. Embora não haja um anúncio oficial, especula-se que a maioria do partido deve defender a abstenção numa eventual votação para a investidura do PP, o que permitiria a formação de um governo de minoria. A expectativa é que uma linha seja adotada após a reunião do comitê federal do partido no próximo sábado.
O referendo no Reino Unido e as consequências para a política britânica
Há duas semanas 52% dos eleitores votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia. Como foi amplamente divulgado pela imprensa, o voto pela saída foi majoritário entre os segmentos de menor renda e escolaridade, fora dos centros urbanos, ao passo que a permanência obteve apoio principalmente entre os mais escolarizados e com maiores rendimentos. Os critérios socioeconômicos, no entanto, não esgotam o mapa da votação. O apoio à permanência transcendeu as divisões de classe em casos nos quais há questionamentos da identidade britânica – como na Escócia e na Irlanda do Norte – e entre os mais jovens. Neste últimos grupo, que compareceu menos às urnas, o apoio à permanência chegava a 75%.
Embora haja setores de esquerda favoráveis à saída (contra a ortodoxia neoliberal das instituições europeias), em certa medida, eleitoralmente, a principal vitória é da direita, já que uma parcela do Partido Conservador e o Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) foram os principais porta-vozes da campanha pela saída. Contudo, politicamente, a análise precisa ser qualificada. O projeto europeu de integração passou por modificações importantes entre o final dos anos 80 e início dos 90, assumindo claramente um viés neoliberal. Ainda naquele momento, a disputa pelo futuro da integração foi vencida pelos setores econômicos do capital mais transnacionalizado, com interesse num projeto de integração inserido e aberto à globalização. Paralelamente, teve início uma crescente convergência entre a democracia cristã e a social-democracia em torno deste modelo. Estas tendências se tornaram mais dramáticas após a crise de 2008, que intensificaram o desemprego, a precarização do trabalho, o empobrecimento relativo e o aumento nos níveis de desigualdade. No Reino Unido a convergência se refletiu na chamada terceira via, liderada por Tony Blair nos anos noventa e seguida majoritariamente pelo partido até o ano passado, quando passou a ser disputada internamente com a eleição Jeremy Corbyn. Este quadro ajuda a explicar porque a parcela mais atingida pelas políticas neoliberais do Reino Unido e da UE tenha se inclinado a votar pela saída do bloco. Contudo, embora este voto possa ser qualificado como um “voto de esquerda”, são os setores mais conservadores e portadores de discursos anti-imigração que têm conseguido canalizar de forma mais imediata este descontentamento.
Após o resultado do referendo, o Primeiro Ministro David Cameron comunicou sua renúncia, já que ele próprio fora um dos principais defensores da permanência. No momento está em curso o processo de escolha do novo líder conservador que, tão logo seja anunciado em setembro, deve assumir o cargo de primeiro ministro e dar início ao processo de saída do mercado comum. Uma das principais lideranças pró-saída, o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, surpreendeu ao anunciar que não concorria ao cargo. Há vários nomes em disputa e no momento a mais bem colocada é a atual ministra do interior, Theresa May.
A onda de renúncias também chegou à extrema direita com o anúncio de que Nigel Farage deixará a liderança do UKIP. A decisão também surpreendeu, na medida em que Farage saiu fortalecido do referendo, mas as notícias veiculadas colocam em dúvida a decisão, uma vez que ele também comunicou sua renúncia no ano passado, mas posteriormente a revogou.
O referendo também deu origem a uma crise interna no Partido Trabalhista, abrindo espaço para uma tentativa de deslegitimação da liderança de Corbyn, por parte de parlamentares blairistas que desde o ano passado não aceitam a mudança na linha política do partido. O argumento dos parlamentares rebeldes é que Corbyn não teria se esforçado o suficiente na campanha pela permanência, mas o pano de fundo é uma eventual antecipação das eleições de 2019. Na semana passada, a base parlamentar votou uma moção de desconfiança contra Corbyn, que foi aprovada por cerca de 70% dos parlamentares. Apesar disto, o líder trabalhista se mantém no cargo, já que foi eleito pelo processo regular do partido, que inclui não apenas os parlamentares, mas também a base sindical e os filiados em geral. A crise interna abriu uma corrida por filiações: cerca de 100 mil pedidos em dois dias. Estima-se que tanto o setor de Corbyn, quanto os “rebeldes” estejam mobilizando suas bases, mas a maioria destes novos pedidos seriam suspostamente apoiadores de Corbyn que teriam se afastado do partido nos anos Blair/Brown.
Nesta semana, a divulgação dos resultados de um inquérito parlamentar sobre a participação do Reino Unido na guerra no Iraque alimentou a crise. Após sete anos de investigações, o relatório é bastante crítico à decisão do então Ministro Tony Blair e afirma que não havia evidências de armas de destruição em massa por parte do Iraque, que as informações de inteligência foram manipuladas, as consequências subestimadas e a preparação inadequada. Após a publicação das investigações, Blair foi à público na última terça para assumir erros, mas defender sua decisão. Corbyn por sua vez, que já na época votou contra a guerra, criticou duramente a decisão de invadir o Iraque, qualificando-a como um ato de agressão militar.
Nos dias posteriores ao referendo britânico, a imprensa noticiou a possibilidade de novas consultas em outros países da UE. Em grande parte estas declarações partiram de grupos políticos eurocéticos de direita (como a Frente Nacional na França e o Partido Popular na Dinamarca). Embora a realização de novos plebiscitos seja improvável a curto prazo, a possibilidade da extrema-direita canalizar politicamente este descontentamento com a integração existe. Como dito anteriormente, a centro-direita e a social democracia por sua vez são os principais propulsores do atual modelo – vide a coalizão entre a CDU e o SPD na Alemanha ou o projeto de reforma trabalhista de Hollande na França. Para os setores mais à esquerda, que mesmo com críticas ao formato atual abraçaram o projeto de integração, o desafio é grande, pois as possiblidades de mudança das instituições europeias num sentido democratizante são pequenas no momento.
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