Hamilton Pereira: Considerações sobre o governo Cunha (5)
Artigo analisa as relações entre mídia e judiciário na produção de operações espetaculares que alimentam o golpismo e perseguem o PT
Por Pedro Tierra*
A direita ajusta o foco com vistas ao ato final do Golpe. Com uma aparatosa operação para produzir imagem e pautar a sociedade uma derivada da Lava-jato, a Operação “Custo Brasil” exibe a tropa de elite da Polícia Federal ocupando a sede nacional do Partido dos Trabalhadores, em S. Paulo. Um ensaio ostensivo para sinalizar o mal disfarçado objetivo que, desde os primeiros passos, orienta a Operação Mãe: interditar o Partido dos Trabalhadores, como força política. Já que não foi possível derrota-lo em quatro eleições sucessivas, cassar o seu registro eleitoral antes do pleito de 2018. Alijá-lo do processo político nacional. Nessas circunstâncias, cabe perguntar, haverá pleito em 2018?
A parcela do Judiciário associada ao cartel da mídia familiar trata de preparar a sociedade para submeter-se a esse persistente anseio da imaginação política do conservadorismo no Brasil: a democracia sem partidos. A democracia sem opinião organizada. A democracia sem voto. Onde a elite bem-nascida, que não tolera eleição, reassume a tutela do país para determinar-lhe os rumos e evitar as aventuras distributivistas do populismo que não cabem no orçamento.
A sociedade brasileira foi posta diante de um fato grave. Não é necessário grande esforço para entender que o assalto à sede de um partido político que organiza a opinião de mais de um milhão de filiados, no centro da maior metrópole do país, não prenuncia boa coisa. Aqui ou em qualquer lugar do mundo. E não pode passar indiferente. Alguns observadores se perguntam por que as sedes dos partidos conservadores, PSDB, PMDB, DEM, para citar três dos trinta e cinco registrados, cujos dirigentes se viram expostos a denúncias de corrupção ao longo de anos, não recebeu a honrosa visita das tropas para-fascistas da Polícia Federal?
Há diferentes respostas para essa pergunta. A primeira, e mais evidente, é que a ação repressiva não busca nenhuma espécie de saneamento moral. Não busca combater a corrupção do sistema partidário. Outra possível: os demais partidos cujos dirigentes foram denunciados não constituem qualquer ameaça à ordem do apartheid social que resiste há séculos na sociedade brasileira. E há uma terceira: na ausência de partidos de direita que se assumam como tais, o cartel da mídia tomou para si, no período mais recente com a ajuda de setores do Judiciário, a tarefa de combater o Partido dos Trabalhadores até a sua completa liquidação no cenário político do país.
Não parece ociosa uma breve reflexão sobre as razões do colapso do sistema político brasileiro, aliás, objeto das considerações – tardias – do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no seu artigo semanal. O financiamento privado das campanhas eleitorais, a pulverização dos partidos até desfigura-los e convertê-los em siglas vazias de qualquer sentido programático e, dentro de cada partido, a construção de laços individuais com vistas ao financiamento de campanha, abriram caminho para um mercado eleitoral onde impera o comércio dos preciosos minutos de TV, sob os olhos complacentes da justiça eleitoral. Esse mercado produziu vínculos de fidelidade que resultaram, como no impasse atual, no controle que o Primeiro Ministro Oculto do governo interino, Eduardo Cunha, exerce sobre cerca de 150 parlamentares. Constituiu-se, assim, pelo poder de um homem só, generoso distribuidor de recursos para campanhas eleitorais derivados de propina, tal como denunciado pela Procuradoria Geral da República, uma bancada mais numerosa que qualquer partido formal na Câmara dos Deputados.
Lançar a luz dos holofotes sobre o Partido dos Trabalhadores e atribuir-lhe a responsabilidade pela falência de tal sistema, atende a dois objetivos dos setores conservadores, em particular o cartel da mídia familiar: o objetivo imediato de gerar o ambiente adequado para a votação do impedimento da Presidente Dilma, no Senado Federal, em agosto; e o objetivo de longo prazo, de natureza permanente, de criminalizar a atividade política como tal e submeter o país à pior das tiranias: a tirania do Juiz. Precisamente a autoridade pública que não se submete à soberania popular. Não se submete ao controle da sociedade.
A experiência histórica adverte: aqui como em outras latitudes, os golpes do século passado começaram inviabilizando a ação dos partidos, para em seguida fecharem os parlamentos, amordaçando o direito de opinião por meio da censura, e instalando o Estado Policial, com seu cortejo de arbitrariedades, sempre para garantir a democracia…
Estamos nos encaminhando para um quadro de confronto em que os movimentos sociais mais avançados dos trabalhadores se preparam para resistir ao programa neoliberal anunciado pelo governo interino. Um governo que não tem contas a prestar aos eleitores, porque simplesmente não foi eleito por ninguém, reside aí a raiz de sua ousadia, e ao mesmo tempo um governo fraco porque carente de legitimidade social para implementar o programa derrotado nas últimas quatro eleições.
A base parlamentar que lhe dá suporte é controlada por um homem só – o Primeiro Ministro Oculto – Eduardo Cunha, por sua vez fragilizado pelas sucessivas derrotas sofridas na Suprema Corte, o que faz do governo interino um refém permanente da chantagem de Sua Excelência. O Brasil chega ao fim do primeiro semestre de 2016, numa situação vexatória de impasse institucional, de isolamento internacional e sem solução à vista para equacionar um jogo empatado entre um governo ilegítimo, fruto de um golpe midiático-parlamentar-judicial, que não convence a sociedade e uma Presidente afastada do mandato que, apesar de provar que não cometeu Crime de Responsabilidade, não consegue comover os senhores Senadores no sentido de devolvê-la ao posto para o qual 54 milhões de brasileiros a elegeu.
A possibilidade de desempate está nas ruas. Os defensores do afastamento da Presidente Dilma se recolheram, muitos deles envergonhados com o resultados das mobilizações de que participaram, outros porque consideram a tarefa cumprida: afastar o PT do governo e dessa forma sanear o país; de outro lado, os movimentos sociais retomaram o espaço das ruas, mas de modo pulverizado e sem uma bandeira unificadora de curto prazo, ou seja capaz de interferir no ato que se prepara para agosto: a votação do ato final do golpe, nas mãos dos senadores.
*Pedro Tierra (Hamilton Pereira) é Presidente do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.