Há mais de uma década, amplos setores da população de diversos países europeus emitem sinais de descontentamento diante da orientação neoliberal da União Europeia

Ano 1 – nº 04 – Junho 2016

Cenário internacional

Há mais de uma década, amplos setores da população de diversos países europeus emitem sinais de descontentamento diante da orientação neoliberal da União Europeia e suas instituições. Já no início dos anos 2000, esta insatisfação se manifestou na rejeição ao Tratado Constitucional da UE em referendos na França e na Holanda. Desde a explosão da crise econômica, em 2008, a combinação entre o aumento das taxas de desemprego (sobretudo nos países do sul da Europa), a precarização do trabalho e os cortes de gastos públicos com políticas mais duras de austeridade têm provocado o aumento da desigualdade em praticamente toda a região. A convergência das forças de centro-esquerda e da centro-direita em torno das políticas neoliberais das instituições europeias tem contribuído para o desgaste da social democracia em diferentes contextos. Em diversos países, há um crescimento expressivo da extrema direita, alimentado por discursos xenófobos contra refugiados e imigrantes. Por outro lado, sobretudo nos países do sul da Europa, este cenário também tem levado ao surgimento de novos movimentos de esquerda – como o Podemos, na Espanha – ou à formação de alianças inéditas entre setores de esquerda, como em Portugal. A análise do cenário político em alguns países europeus no último mês contribui com esta reflexão.

Na Áustria, pela primeira vez houve um segundo turno para eleições presidenciais sem a participação da social democracia e da democracia cristã, que se revezavam no governo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Por menos de 1% dos votos, Alexander Van der Bellen venceu o candidato da extrema direita, Norbert Höfer (Partido da Liberdade). Com posições de esquerda, Van der Bellen concorreu como independente, mas com apoio do Partido Verde, do qual já foi dirigente.

Na Espanha, após o impasse para a formação de um novo governo depois das eleições de dezembro, o país terá novas eleições em 26 de junho. Como já ocorrera em dezembro, as pesquisas apontam o fim do bipartidarismo que dominava o sistema político espanhol desde a redemocratização, com a consolidação de dois novos partidos – o Podemos, pela esquerda, e o Ciudadanos, pela centro-direita. A novidade do último mês vem da aliança entre o Podemos e a Izquierda Unida, na coligação Unidos Podemos. Embora os dois partidos estejam fazendo campanhas separadamente e a coligação seja apenas uma formalidade perante a justiça eleitoral, o Unidos Podemos (UP) já supera o PSOE, com 25,6% das intenções de voto, frente a 20,2% dos socialistas. Na resposta espontânea, o Unidos Podemos supera todos os partidos, com 22,5% das menções (contra 18,9% do PP, 16% do PSOE e 14% do Ciudadanos). O gráfico abaixo compara as intenções de voto registradas pela última pesquisa Mestroscopia para o jornal El País com o percentual obtido pelos partidos nas eleições de 20 de dezembro (na ocasião, Podemos e Izquierda Unida-IU concorreram de forma independente).

A campanha tem sido marcada pela estratégia de polarização entre o PP e o Unidos Podemos, o que tem enfraquecido o PSOE e o relegado a uma incômoda terceira posição, diminuindo consideravelmente as chances de o partido encabeçar a formação de um novo governo.

De acordo com as intenções de voto das últimas pesquisas, as dificuldades para a formação de um novo governo devem permanecer. Segundo uma simulação do El País, se mantidas estas intenções de voto nas eleições, as coalizões mais prováveis (o que dadas as negociações dos últimos meses seriam por um lado PP e Ciudadanos e, por outro, Unidos Podemos e PSOE) não alcançariam maioria. O cenário seria bastante delicado para o PSOE, que enfrentaria a escolha de formar um governo liderado pelo PP ou por Pablo Iglesias.

Na França, o governo do socialista François Hollande tem enfrentado recordes de impopularidade e desaprovação, com um projeto de flexibilização da legislação trabalhista. O país está em ebulição, com greves e mobilizações cotidianas. Os protestos começaram no final de março, a partir da ocupação da Praça da República, por um movimento de jovens conhecido por #NuitDebout (com traços semelhantes ao movimento dos indignados espanhóis que deu origem ao Podemos). As ocupações e vigílias rapidamente se espalharam para outras cidades. Na últimas semanas, as ações dos sindicatos, organizados sobretudo na Confederação Geral dos Trabalhadores, se expandiram e ganharam corpo com jornadas de greve geral e a presença de centenas de milhares de pessoas nas ruas.

O projeto do governo Hollande conta com o apoio do empresariado e de instituições como a União Europeia e o FMI. Pesquisas indicam que cerca de 70% da população são contra a reforma trabalhista e 60% apoiam os protestos e greves. A taxa de aprovação do governo Hollande está hoje em 15%. A A Confederação Geral do Trabalho (CGT), que reúne majoritariamente os sindicatos do setor público, está na linha de frente dos protestos. A segunda maior central, a Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), é favorável à reforma com algumas alterações. O Partido Socialista está dividido entre uma posição mais dura, liderada pelo primeiro ministro Manuel Valls (que ameaçava se demitir se o governo cedesse, mas começa a aceitar alguma mudança), uma segunda posição que defende uma negociação (um exemplo neste caso é o líder no Parlamento, Bruno Le Roux) e ainda um setor mais à esquerda, mais próximo aos sindicatos. Frente às fortes mobilizações e à desaprovação popular, a decisão do PS de submeter esta reforma, a cerca de um ano das eleições presidenciais, diminui as chances de Hollande ser reeleito.

No Reino Unido, a campanha para o referendo sobre a permanência do país na União Europeia está na reta final. Na última semana, as intenções de voto a favor da saída da UE apresentou ligeiro crescimento (entre 45% e 48% pela saída, 41% a 43% pela permanência e cerca de 11% de indecisos). Diante das divergências internas, o partido conservador, que atualmente governa o país, liberou o voto dos ministros. O primeiro-ministro David Cameron é uma das principais vozes a favor da permanência, com apoio do setor financeiro. A campanha pela saída tem como principal porta-voz Nigel Farage, líder do UKIP, partido de ultra-direita, economicamente liberal, com posições fortemente contrárias à imigração. O Partido Trabalhista tem mantido um perfil baixo na campanha, que começou em fevereiro. Somente em meados de abril, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, pronunciou-se a favor da permanência, argumentando que, apesar das críticas à UE, o problema não é o imigrante, mas a necessidade de se construírem condições mais equilibradas de salário e proteção trabalhista em toda a Europa. Embora o discurso contra a imigração e a livre circulação seja o principal aglutinador de apoio popular à saída do mercado comum, as lideranças que a defendem têm como principal objetivo recuperar a independência para a elaboração de políticas mais agressivas de competitividade internacional. Segundo as pesquisas, os jovens são mais favoráveis à permanência, mas também mais abstencionistas (30% do eleitorado jovem não se registraram para votar). Se a saída for aprovada no referendo, será mais um golpe na integração europeia e o início de um período de incerteza e de longa negociação, já que uma eventual saída não seria imediata.

América Latina

A consumação do golpe no Brasil, com o afastamento da Presidenta Dilma Rousseff e a posse do governo provisório, tem reforçado o diagnóstico que aponta o crescimento de forças políticas conservadoras na América Latina. Os resultados dos primeiros meses de governo Macri, o segundo turno das eleições no Peru e o acirramento da crise política na Venezuela são elementos adicionais deste cenário.

Como já discutido no boletim mensal anterior, as diretrizes anunciadas para a área de política externa, sob comando interino do senador José Serra, apontam retrocessos para a inserção internacional do Brasil, com redução da agenda diplomática ao comércio exterior, desmonte das iniciativas de integração regional e alinhamentos políticos com tradicionais centros de poder, que vão na contramão do reordenamento em curso no sistema internacional. Na última semana, os protestos contra o golpe chegaram inclusive a organizações internacionais, com manifestações de delegações sindicais de vários países durante a Assembleia Geral da OIT e de organizações da sociedade civil durante sessão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Com quase seis meses no governo, a gestão Macri acumula resultados negativos em vários indicadores, tais como nível de atividade econômica, consumo, exportações, produção industrial e construção civil. Com a desvalorização do peso e o aumento da inflação, o salário real caiu 11% e o gasto público real diminui 23%. O lucro dos bancos cresceu 62% no primeiro trimestre de 2016. Nesta última quinta-feira, 9 de junho, a Argentina foi oficialmente aceita como país observador na Aliança do Pacífico, dando mais um passo concreto na reorientação de sua política externa. Tanto no Brasil, quanto na Argentina, os governos emitem sinais positivos para as grandes multinacionais do setor petrolífero, com o recente anúncio de que investimentos da Exxon Mobil no país vizinho podem chegar a 10 bilhões de dólares, no segundo maior campo de gás de xisto do mundo situado na província de Neuquen (e quarto maior em petróleo não convencional, extraído pelo controverso método da fratura hidráulica). No Brasil, por sua vez, o governo interino quer acelerar a votação do novo modelo de partilha do pré-sal, que acaba com a exigência de participação da Petrobras em consórcios para a exploração dos recursos.

No Peru, por cerca de 0,2% (aproximadamente 39 mil votos) Pedro Paulo Kuczynski derrotou Keiko Fujimori no segundo turno das eleições presidenciais. Na semana anterior ao pleito, pesquisas apontavam vantagem de 6% para Fujimori. Economista de renome internacional nos círculos neoliberais, Kuczynski recebeu o apoio de diversos setores políticos na reta final da campanha, inclusive da candidata de esquerda Veronika Mendoza, e de organizações da sociedade civil contra a volta do fujimorismo ao governo peruano. Do ponto de vista internacional, o novo governo deve dar continuidade à política de alinhamento com os EUA e de participação em tratados de livre comércio, já bastante presentes no país.

Na Venezuela, as tensões políticas se acirraram nas últimas semanas, quando o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, apoiado pela oposição venezuelana, publicou um informe solicitando uma reunião do Conselho Permanente da organização para analisar “alteração da ordem constitucional e como ela afeta a ordem democrática”, à luz da Carta Democrática Interamericana. A escalada de tensões provocada por Almagro teve lugar em meio a tentativas de mediação já em curso na República Dominicana, onde o ex-primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, e os ex-presidentes Martin Torrijos (Panamá) e Leonel Fernández (República Dominicana) têm conversado separadamente com governo e oposição, numa iniciativa proposta pelo secretário-geral da Unasul. A reação rápida veio da parte da chancelaria argentina que, na presidência rotativa do conselho permanente, patrocinou uma declaração mais conciliatória, aprovada por todos os membros da OEA, oferecendo ajuda para um diálogo inclusivo e apoio à iniciativa de mediação de Zapatero, Torrijos e Fernández. A iniciativa argentina chamou a atenção, considerando os discursos iniciais bastante críticos de Macri ao governo de Nicolas Maduro. A novidade tem sido interpretada dentro da estratégia da chanceler Susana Malcorra de construir apoio para sua candidatura ao cargo de secretária-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), onde já serviu como chefe de gabinete do atual secretário Ban Ki-Moon antes de assumir o ministério, em dezembro passado. Por um lado, o episódio levanta a possibilidade de um maior protagonismo da Argentina nas questões políticas regionais, num momento em que o Brasil busca justamente o afastamento. Pelo lado venezuelano, contudo, uma posição otimista sobre a resolução da crise seria prematura. A instabilidade política e a fragilidade da tentativa de mediação continuam, uma vez que setores da oposição jogam contra o diálogo, vide a decisão da Mesa de Unidade Democrática de se ausentar da última rodada de conversas na República Dominicana, no dia 7 de junho.

 

 
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