Evidencia-se a insegurança da camarilha que ocupou o Planalto: seu solene descompromisso com soluções sérias para país

Por Hamilton Pereira (Pedro Tierra)

Na moldura de um ajuste fiscal alardeado como incontornável e inadiável nos primeiros dias do governo interino, soa contraditória a adoção de itens da chamada Pauta-Bomba preparada pelo Primeiro Ministro oculto, antes de ser afastado da Presidência da Câmara dos Deputados, pela Suprema Corte.

O gesto de Michel Interino Temer de conceder aumento aos servidores públicos, no 1º de junho último, suscita uma reflexão sobre os rumos imediatos e de médio prazo. Considerando que qualquer exercício de previsão sobre os rumos do governo parlamentarista instalado em 12 de maio, numa perspectiva de longo prazo, não alcançará a validade de um iogurte.

Vai-se evidenciando a percepção de insegurança da camarilha que ocupou o Planalto depois da abertura do processo de impedimento da Presidenta eleita no Senado Federal, sobre sua própria sustentação, e seu solene descompromisso com soluções sérias para as crises econômica e política do país.

Temos um processo em andamento no Senado que ameaça fazer água sob o peso de suas próprias fragilidades políticas – a admissibilidade foi aprovada por 55 votos a favor, um voto a mais que a maioria necessária para aprovar o mérito – e jurídicas – não conseguiu convencer a sociedade da consistência da acusação de crime de responsabilidade da Presidenta Dilma Rousseff. E também sob a pressão dos movimentos sociais que não reconhecem a legitimidade do governo que resultou do golpe para impor as políticas antipopulares que anunciou, obtendo recuos significativos. E, por fim, mas não menos importante, sob a pressão de suas próprias contradições vazadas por meio dos grampos, tão pródigos em revelar o caráter criminoso do condomínio que alcançou o poder por meio da sedição.

Esse conjunto de fatores determina a tentativa canhestra do relator – o senador tucano Antônio Anastasia, ele próprio acusado de realizar pedaladas fiscais, quando governador de Minas Gerais – de acelerar o andamento do processo, atropelando os tempos necessários ao pleno direito de defesa da Presidenta eleita. Em suma, vivemos uma situação vexaminosa em que o Senado da República, uma vez autorizada a abertura do processo de impedimento de Dilma Rousseff vive uma sequência de pequenos golpes, que deixariam envergonhados controladores de pontos de venda do jogo do bicho. 

Esse quadro complexo exige um exame sobre as condições de governabilidade do Brasil para o próximo período, considerando que o prolongamento da crise política naturalmente afastará os investimentos necessários para a recuperação da economia, em razão da insegurança jurídica que um governo sem voto, portanto despido de credibilidade, não consegue equacionar. Os movimentos dos investidores, principalmente os estrangeiros na Bovespa são eloquentes. 

O quadro de “recuperações judiciais” de empresas privadas de grande porte colhidas pela Operação Lava Jato deixou de ser um risco. Trata-se de uma realidade que prefigura enormes dificuldades para os trabalhadores e para os investidores, ou seja, os dois fatores básicos para o funcionamento da economia do país.

Se voltarmos os olhos para a Câmara vamos perceber uma atividade febril para aliviar os percalços do Sr. Primeiro Ministro, Eduardo Cunha, na tentativa de recuperar o mandato, depois de ter sido afastado e se tornado réu pelo Supremo Tribunal Federal. Ele pretende voltar à luz e recuperar seu protagonismo – por enquanto oculto – na condução do governo parlamentarista que arquitetou. O país, segue, portanto, na condição de refém de um sindicato de ladrões como atestam as repetidas solicitações do Sr. Procurador da República Rodrigo Janot à Suprema Corte, que a essa altura do outono, estão a caminho de se tornar diárias.

As manifestações dos movimentos populares que alcançam contingentes cada vez maiores, convenientemente ignoradas pelo cartel da mídia familiar, denunciam o golpe e impõem aqui e ali alguns recuos, mas não são suficientes para deter a marcha da restauração neoliberal. A batalha institucional no Senado que visivelmente tira o sono do governo usurpador, registre-se a tentativa de abreviar o processo experimentada na última semana, e esse elemento novo que é Dilma nas ruas contando com uma receptividade inegável dos cidadãos, o que obrigou Michel Interino Temer a revelar uma face até agora desconhecida do seu caráter: um usurpador mesquinho ao tentar inibir as viagens da Presidenta eleita pelo país e cortar-lhe os recursos destinados à comida.

Esse quadro, já por si estarrecedor, pode ganhar contornos mais críticos com o prosseguimento das denúncias de corrupção de eminentes personagens da camarilha que se apossou do Executivo, mas também dá sinais de que não poupará alguns dos ilustres senadores, a quem caberá julgar em caráter definitivo o afastamento de Dilma Rousseff e consumar o golpe.

Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é Presidente do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.

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