Boletim de Análise da Conjuntura – Política Social 3
Ano 1 – nº 03 – Maio 2016
Balanço e perspectiva social
No campo da pobreza, o Brasil contém hoje uma ampla (mas ainda insuficiente) rede de proteção social, que veio ao longo dos anos retirando milhões de brasileiras e brasileiros da pobreza, como se nota pelo gráfico e tabela abaixo. Para tal efeito, destaca-se a importância do Programa Bolsa Família (PBF), elogiado por diversas organizações internacionais e discutido na seção “Territorial” deste boletim.
No campo da desigualdade social, é notório que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, também nos quesitos gênero e raça. No entanto, nos últimos anos, o país vinha apresentando um processo de queda da desigualdade na renda do trabalho (como mostra tabela abaixo), devido à valorização do salário mínimo, melhorias na estrutura ocupacional e efeito de diversas políticas públicas. A desigualdade da renda do trabalho, no entanto, continua alta. É importante também frisar que novos estudos a partir dos dados declarados à Receita Federal relativizam a queda da desigualdade de renda como um todo nos períodos Lula e Dilma.
Os principais indicadores do mercado de trabalho brasileiro apontam um quadro preocupante se comparado à trajetória vivida nos anos anteriores. Segundo boletim do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre os jovens, a taxa de desemprego passou de 15,30%, no quarto trimestre de 2014, para 20,90%, no quarto trimestre de 2015. Na desagregação por educação, a evolução que sobressai é a da faixa intermediária (entre fundamental completo e médio incompleto), que cresceu entre o quarto trimestre de 2014 e o mesmo trimestre de 2015 de 8,70% para 12,20%.
Quanto à taxa de participação, seu aumento em 2015 parece ter sido puxado por moradores da região Sudeste, por jovens e por indivíduos que não são chefes do domicílio que habitam. O maior aumento nos dois últimos grupos sugere que, em um ambiente de forte restrição de renda no domicílio, indivíduos que estavam fora do mercado de trabalho resolvem entrar.
Em relação à formalização, o contraste entre os resultados dos grupos dos trabalhadores protegidos (com carteira e militares ou funcionários públicos) e do grupo dos empregados sem carteira junto com os trabalhadores por conta própria e não remunerados moldam a evolução do grau de informalidade. O nível médio de informalidade da população ocupada em 2015 ficou em 44,80%, o que representa um crescimento de 1,60% em relação a 2014. Também os mais educados e os mais jovens experimentaram maiores aumentos relativos na taxa de informalidade.
A média do rendimento do trabalho principal apresentou uma redução do 1º ao 4º trimestre de 2015, passando de R$ 1.915,00 para R$ 1.863,00 (em R$ de novembro/2015). A queda no rendimento médio pode ser explicada por aumento do peso relativo de trabalhadores que tendem a ter menores salários e pela diferença de salário entre os contratados e os desligados, com a diferença tendo chegado a 16,60% no último trimestre de 2015. Nota-se uma diminuição nos rendimentos dos menos escolarizados e estabilidade no rendimento dos ocupados mais escolarizados. As mulheres apresentaram crescimento de 1,20% no rendimento médio real, enquanto para os homens houve um declínio de 0,60% no mesmo período. Em relação à faixa etária, os jovens apresentaram a maior queda no rendimento real em 2015.
Em 2016, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua mostra que a taxa de desocupação no trimestre móvel encerrado em março foi estimada em 10,9%, 1,9 ponto percentual acima da taxa do trimestre encerrado em dezembro de 2015 (9,0%) e 3,0 pontos percentuais a mais que no mesmo trimestre de 2015 (7,9%), como mostra a tabela:
No trimestre móvel encerrado em março de 2016, havia cerca de 11,1 milhões de pessoas desocupadas no Brasil. No trimestre de outubro a dezembro de 2015, eram a 9,1 milhões, representando um acréscimo de 22,2%. No confronto com igual trimestre do ano passado esta estimativa subiu 39,8%, significando um aumento de 3,2 milhões de pessoas desocupadas.
Já a população ocupada (90,6 milhões de pessoas) apresentou redução de 1,7%, quando comparada com o trimestre de outubro a dezembro de 2015 e, em comparação com igual trimestre do ano passado, queda de 1,5%.
O número de empregados com carteira assinada (34,6 milhões) caiu -2,2% frente ao trimestre de outubro a dezembro de 2015, e, na comparação com igual trimestre do ano passado, a redução foi de 4,0%.
A pesquisa ainda mostra que a massa de rendimento real habitualmente recebida em todos os trabalhos (R$ 173,5 bilhões) ficou estável em relação ao trimestre de outubro a dezembro de 2015 e teve queda de 4,1% frente ao mesmo trimestre do ano anterior.
Os riscos da “travessia social” do PMDB e declarações dos ministros interinos: o que esperar?
A aplicação das indicações contidas no documento “Travessia Social” traz um panorama difícil para a política social no Brasil. O documento apresenta uma visão da questão social cuja solução está atrelada a mecanismos de mercado. O documento trabalha com uma ideia inspirada na teoria do capital humano, em que os pobres seriam pobres por não se inserirem no mercado.
Desconsidera-se assim o que a literatura chama de “working poor”: pessoas inseridas no mercado de trabalho, que trabalham, mas mesmo assim estão na categoria de pobres.
A proposta do PMDB é apresentada como uma forma de “reduzir para ampliar”, no entanto, a redução do escopo do PBF pode trazer retrocessos na luta contra a pobreza em suas diversas formas. Assim, o documento apresenta uma proposta ainda mais radical de focalização, com a proposta de modificações até mesmo no Bolsa Família. O argumento do documento é de que a população contida entre os 5 e os 40% mais pobres do país está perfeitamente inserida no mercado e portanto teria as condições de competir no mercado de trabalho e garantir sua renda. O documento assim ignora a realidade do mercado de trabalho brasileiro, que reflete a nossa estrutura social de profunda desigualdade (de gênero, raça, regional e social), além da altíssima informalidade e rotatividade.
O documento ainda trata a educação como um instrumento para o aumento da produtividade pura e simplesmente, desconsiderando seu papel na formação crítica dos cidadãos. Dá também grande ênfase ao Pronatec e ao Minha Casa Minha Vida. Quanto a esse último, no entanto, há indicações do fim da versão “entidades” do programa (Portaria 186 de 13 de maio de 2016).
No campo da saúde, declarações recentes do ministro interino colocam em cheque as garantias constitucionais e se fala em rever o Sistema Único de Saúde (SUS), proposta que condiz com a idéia de desvinculação constitucional das receitas, ampliação da Desvinculação de Receita da União (DRU) e ainda a chamada “DRU dos Estados”, todas propostas para ampliar o espaço fiscal do Estado retirando recursos da saúde e educação. Há ainda, na saúde, indicativo de ampliação da mercantilização da mesma e riscos para programas como SAMU e Farmácia Popular.
O cenário que se abre para o mercado de trabalho com o governo Temer é sombrio, dada a perspectiva de amplas reformas trabalhistas que reduzam direitos, em especial em um momento de fragilidade da classe trabalhadora devido à deterioração dos índices do mercado de trabalho. Espera-se também a realização de uma reforma previdenciária, de forma a jogar aos trabalhadores o custo da crise. Tal sinalização tem sido claramente dada pelo Ministério da Fazenda provisório, ao qual se subordina a pasta da Previdência agora. Espera-se no entanto grande resistência das centrais sindicais, em especial CUT e CTB, a ambas reformas.
Sabemos quais interesses o governo interino de Temer representa, mas ainda há incertezas sobre o que proporá concretamente e sobre o que terá condições de realizar na área social, mas a perspectiva é claramente negativa. O cenário para a área social é, em resumo, de muitas incertezas mas de graves e permanentes ataques. Há um esforço atabalhoado em desmontar nesses 180 dias todo o arcabouço das políticas sociais que foram construídas até hoje e não só as iniciadas nos anos 2000, mas alcançando até mesmo iniciativas do governo FHC, a Constituição e a CLT. Sem falar no desprezo pela pauta da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Direitos Humanos.
Assim, ainda que a economia se recupere no curto prazo, se aplicadas as medidas apresentadas no “Travessia Social”, a recuperação será inevitavelmente em um patamar de mais desigualdade, menos direitos e menos instrumentos para o combate à pobreza.