A Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 2016, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos ministérios, com certeza entrará para a história como um retrato fiel do governo interino do golpista Michel Temer.

Além de extinguir a Controladoria Geral da União, o Ministério da Cultura, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, entre outros, a Medida Provisória apresenta um conjunto de erros primários. Com uma redação confusa, define atribuições para ministérios em áreas distintas da sua atuação, omite temas importantes das ações governamentais na nova estrutura proposta e, além disso, é a base a partir da qual foi nomeado um ministério formado exclusivamente por homens brancos, ricos e muitos deles investigados por corrupção em diferentes inquéritos.

No entanto, quero me deter, aqui, à gravidade do que dispõe o artigo 12 da referida MP, onde são estabelecidas as competências do recém-criado Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, para o qual foi designado um general para comandá-lo.

A definição das atribuições feita de maneira genérica permitirá uma implementação ampla e irrestrita das competências do órgão, como por exemplo: i. Coordenar as atividades de inteligência federal; ii. Coordenar as atividades de segurança das informações e comunicações. Áreas sobre as quais, ao longo dos últimos anos, houve intensos debates no país, em busca de uma formulação adequada e democrática para estas atribuições.

O caráter autoritário e repressivo do governo golpista pode ser observado em uma leitura cuidadosa do artigo 12, da MP 726 quando essa estabelece como competência do Gabinete de Segurança Institucional o zelo pela segurança do Presidente, do Vice-Presidente, de seus familiares e de outras autoridades, garantindo o poder de polícia para tanto e, de maneira silenciosa, cria uma armadilha ao dispor que: “Os Locais onde o Presidente da República… trabalha, reside, estejam ou haja a iminência de vir a estar e adjacências, são áreas consideradas de segurança das referidas autoridades e cabe ao GSI da Presidência da República… adotar as necessárias medidas para sua proteção e coordenar as atuações de outros órgãos de segurança nessas ações.

Percebe-se que a redação, propositalmente imprecisa das atribuições, como “atividades de inteligência federal”, “segurança da informação e comunicações” não estabelece os limites legais da ação da equipe do general. Indaga-se: quem fiscalizará os eventuais excessos, como monitoramento telefônico e telemático ilegal, quebra de sigilos, utilização de infiltrados, práticas comuns no período ditatorial e justificadas em nome da segurança e da ordem? Quais são os limites das tais “necessárias medidas” que poderão ser adotadas para a proteção de áreas consideradas de segurança das autoridades e que, segundo a MP, envolvem áreas adjacentes ou locais em que estejam “ou haja a iminência de vir a estar”. Não há definição de tempo e de perímetro para limitar as ações deste poderoso órgão com características eminentemente militares.

É grave, também, o fato de a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) passar, agora, a integrar um gabinete chefiado por um general, com atribuições que colidem com a própria razão de existência deste órgão, de natureza civil. A subordinação da agência de inteligência ao comando de um militar contraria frontalmente tudo aquilo que tem sido construído nas sociedades democráticas – especialmente após as experiências de ditaduras militares – sobre a importância de que essas atribuições sejam de natureza civil.

Por fim, as manifestações preliminares do Ministro da Justiça e do Ministro do Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário, respectivamente Alexandre de Morais e Osmar Terra, que caracterizam os movimentos sociais e suas lideranças de maneira agressiva e ofensiva, utilizando uma terminologia bélica para definir a conduta do governo interino, reiteradamente falando em “guerra, extermínio, combate”, bem como a violência com que, nas poucas horas de governo, tem sido reprimida em todo país, e as manifestações democráticas de denúncia do golpe não deixam dúvidas: a intenção dos golpistas é implantar um regime de exceção, violento, autoritário e repressor semelhante aos vividos pelo Brasil em um período anterior ao da Constituição de 1988.

A denúncia deve ser feita diariamente no Brasil e no exterior, nos fóruns e entidades de defesa dos direitos humanos, da democracia e do Estado de Direito.

* Paulo Pimenta é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Rio Grande do Sul (RS).

– O texto é autoral e não representa necessariamente o posicionamento da Fundação Perseu Abramo.