Abraços partidos
Despedida, mesmo que provisória, de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto foi emocionante e carregada de símbolos
Foto: Sérgio Silva
A despedida, mesmo que provisória, de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto foi emocionante e carregada de símbolos. Foi aberto pelo Senado, por 55 votos favoráveis contra 22, o processo de impeachment. A casa terá agora 180 dias para julgar o mérito da ação. O último discurso, feito sem a ajuda de papéis ou assessores e declamado com o coração marca a “suspensão” de nosso período democrático. Foram lágrimas de ministros, deputadas, indígenas e jovens. Longos abraços partidos.
As pessoas que ali estavam não tinham nenhuma dúvida sobre o motivo de sua tristeza. Não choravam simplesmente por Dilma, Lula ou pelo PT. Choravam pelo Brasil. Não é fácil para quem lutou tanto por democracia assistir ao afastamento de uma presidenta que teve 54 milhões de votos e contra quem não pesa uma única acusação de corrupção, em um processo repleto de vícios e marcado pela ilegitimidade.
Dilma denunciou os riscos de um impeachment fraudulento. “Desde que fui eleita, parte da oposição, inconformada, pediu recontagem, tentou anular e passou a conspirar abertamente pelo impeachment. O governo foi alvo de sabotagem, mergulhando o país em um clima instabilidade política, com o objetivo de tomarem à força o que não conquistaram nas urnas”, disse. A presidenta também falou sobre o que está em jogo: “O respeito às urnas, à vontade soberana do povo e à Constituição. As conquistas dos últimos 13 anos, os ganhos das pessoas mais pobres e da classe média, os jovens chegando a universidades e escolas técnicas, a valorização do salário mínimo, o sonho da casa própria, o pré-sal”.
E destacou o caráter injusto do processo. “O destino sempre me reservou muitos desafios. Muitos e grandes desafios. Alguns pareciam a mim intransponíveis. Mas eu consegui vencê-los. Eu já sofri a dor indizível da tortura. A dor aflitiva da doença. E, agora, eu sofro mais uma vez a dor igualmente inominável da injustiça. O que mais dói, neste momento, é a injustiça”.
A farsa jurídica e política orquestrada pelo empresariado, pela elite brasileira, com o apoio do monopólio da comunicação, teve como justificativa o combate à corrupção. O argumento não se sustenta, pois o usurpador da presidência que assume hoje é Michel Temer, do PMDB. Ele está envolvido em inúmeras denúncias de corrupção e acaba de ser considerado culpado, e multado, por irregularidades nos gastos de campanha. Enfrenta a possibilidade de ficar inelegível por oito anos. Antes mesmo de assumir indicou como ministros outros sete acusados de corrupção na Lava Jato, dando-lhes foro privilegiado. Além disso, é profundamente impopular: tem o apoio de apenas 2% dos brasileiros e quase 60% querem seu impeachment.
Muito mais do que um ataque ao PT, o alvo hoje é o projeto democrático popular. Em relação ao golpe, hoje vitorioso, os movimentos que saíram às ruas nos últimos meses e que ocupam agora as principais cidades, inclusive o centro econômico-financeiro e a capital política do país, oferecem uma ação que se traduz em perspectiva. Como disse Dilma em seu discurso: “Não esmoreço. Olho para trás e vejo tudo que fizemos. Olho para frente e vejo tudo que precisamos fazer.”