Artigo avalia que a cobertura sobre o Brasil do Le Mond não tem sido tão equilibrada porque não levou em conta o papel da mídia brasileira em todo o processo

Por Pedro Simon Camarão

Domingo, 24 de abril, o jornal francês Le Monde publicou o texto do seu mediador Franck Nouchi que tem o título “Brasil: “Le Monde” foi parcial?”. O artigo avalia que a cobertura sobre o Brasil que vem sendo feita pelo periódico não tem sido tão equilibrada porque não levou em conta o papel da mídia brasileira em todo o processo. O jornalista se refere, especificamente, ao editorial “Brasil: isso não é um golpe de Estado”, publicado em 31 de março que, com palavras duras, afirma que o PT e seus apoiadores beiravam a infantilidade com a alegação de que existia um golpe em curso. Depois de receber muitas reclamações de brasileiros que vivem na França e de franceses que vivem no Brasil, o jornal revê a sua posição. Para isso, utiliza dois pequenos trechos do trabalho desenvolvido pela organização Repórteres Sem Fronteira, que analisou a mídia brasileira durante os acontecimentos de 2013. O dossiê, que Franck Nouchi afirma ser muito completo, se refere ao Brasil como “o país dos trinta Berlusconi.” O relatório constatou que “os dez principais grupos econômicos, de apenas dez famílias, dividem entre si o mercado da comunicação de massa”. A definição chega a ser parecida com a do cartel de empreiteiras que domina as obras em todo o Brasil há décadas.

O papel da mídia brasileira na crise política recebeu destaque do jornal inglês The Independent. A reportagem, na qual jornalistas alegam que o processo político do Brasil é “prejudicado pela imprensa partidária”, dá voz a membros do Fórum Nacional para a Democratização da Comunicação, baseado em Brasília. A publicação, que foca principalmente na cobertura feita pela Rede Globo, ouve também Boaventura de Sousa Santos, professor de Sociologia da Universidade de Coimbra, que diz que a operação Lava Jato foi sequestrada pela direita brasileira e, com o apoio da mídia cúmplice, transformou uma legítima investigação judicial em uma tentativa de golpe. A reportagem ainda conclui que a cobertura demasiadamente simplificada dos problemas brasileiros provocou a fúria da população.

O também inglês The Guardian, em um editorial disse sobre o que ocorria no Brasil: que se tratava de algo escandaloso e vergonhoso. O mesmo jornal publicou um artigo do ativista David Miranda onde aponta o que seria a real razão para que os inimigos de Dilma Rousseff quisessem o impeachment dela. Miranda afirma que a direita brasileira, que nunca gostou das políticas implantadas pelo PT, e que a mídia nacional, a qual pode ser descrita como sendo a própria direita e a verdadeira representante da elite brasileira, vêm operando para desestabilizar o país. À esse texto a Rede Globo respondeu dizendo que apenas cumpre o seu papel da melhor forma possível e, desafiando a inteligência dos jornalistas ingleses, cita o número de canais de televisão, jornais impressos e emissoras de rádio existentes no país para ressaltar como a concorrência é grande no Brasil. Talvez, como forma de se posicionar sobre a credibilidade que a Globo tem para o The Guardian, o jornal publicou a resposta da emissora no mural de comentários dos leitores.

Esse momento é muito significativo para o Brasil. Durante todo o processo da crise política, a imprensa brasileira ironizou o discurso do PT de que havia um golpe de Estado em andamento, simplificou esse enredo o máximo que podia para que nada fosse esclarecido, para que o sistema político não fosse questionado e a única resposta possível para uma mudança fosse a troca de governo. Veio a votação na Câmara e o vexame internacional foi grande demais. A postura dos deputados embrulhou o estômago até de quem apoiava com muita convicção o impeachment. Chegamos nos últimos momentos antes que Dilma Rousseff seja afastada do poder e o que a imprensa brasileira faz? Esquece a vergonha da Câmara dos Deputados, finge que Michel Temer não está oferecendo cargos em troca de apoio, finge que a presença de Eduardo Cunha na Câmara não é uma vergonha.

Novamente, age para que o sistema não seja questionado, já fala das propostas de Michel Temer e do quanto ele é inteligente e capaz de lidar com “o jogo” em Brasília. Esse hiato é fundamental para que o brasileiro possa digerir o que viu do Parlamento e renove a sua indignação. Se cada um parar e refletir, talvez enxergue que existe uma guerra da informação. De um lado, a grande mídia que tenta aniquilar suavemente o discurso de que existe um golpe, do outro, os blogs alternativos, os movimentos sociais e a esquerda brasileira que denunciam o golpe e a manipulação que é feita pelo “Partido da Imprensa Golpista”. Um verdadeiro Davi contra Golias.

Nesse confronto que já dura muito tempo, surge um novo fator, a imprensa internacional. A dificuldade dessa batalha é que atacar a grande mídia brasileira pode não adiantar nada. Ela já é grande e não precisa se defender das críticas de quem sempre a criticou. O que está em jogo é a opinião pública. Mas essa só vai sofrer qualquer alteração se os cidadãos brasileiros buscarem uma reflexão cada vez maior sobre as informações que estão disponíveis. Por isso, rogo aos companheiros, nenhum centímetro para trás. Só a boa informação pode vencer essa batalha. E é bom lembrar, a sociedade brasileira não é a mesma de quinze anos atrás. Temos mais universitários, mais tecnólogos, ou seja, uma população muito mais capacitada. Investigar os personagens do golpe é a saída.

Pedro Simon Camarão é jornalista, correspondente da Fundação Perseu Abramo em Paris