Um presidente só pode ter seu mandato cassado se incorrer em crime de responsabilidade, o que não ocorreu no caso da presidenta Dilma

Notas FPA - Política e Opinião Pública 2

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Ano 1 – nº 02 – 06 de abril de 2016

Entenda melhor o que está sendo julgado no processo de impeachment

A última semana de março terminou com o início dos trabalhos da Comissão Especial do Impeachment. Na primeira fase de tramitação, o STF afirmou que o rito do pedido de impeachment, no qual não cabem produção de provas nem depoimentos de testemunhas, seria seguido. O presidente da comissão especial, deputado Rogério Rosso (PSD-DF), e o relator, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), definiram quatro convidados para prestar esclarecimentos aos parlamentares sobre o conteúdo original do pedido.

Foram convidados pela comissão para apresentar a acusação os juristas Miguel Reale Junior e Janaína Paschoal, que, juntamente com o jurista Hélio Bicudo, assinaram a denúncia do processo. O pedido, protocolado em outubro do ano passado e aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em dezembro, baseia-se nas chamadas “pedaladas fiscais” e no suposto desrespeito a leis orçamentárias.

Segundo os juristas, a suplementação financeira sem autorização do Congresso, chamada “pedaladas fiscais”, ou seja, a União contrair empréstimos com bancos públicos, instituições que ela mesma controla, para quitar compromissos de programas sociais do governo, seria crime de responsabilidade, proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa medida se iniciou em 2013 e continuou em 2015, movimentando cerca de R$ 40 bilhões e escondendo o déficit fiscal, ao transformar despesa em superávit primário. Como os supostos crimes ocorreram em período eleitoral, Janaína e Reale alegam que houve falsidade ideológica: falseou-se uma realidade fiscal que o país não tinha.

No entanto, houve mudança de jurisprudência do entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) no final de 2015 e, por isso, o governo não deve ser punido por operações anteriores a isso. O fato de o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso Nacional ainda não terem apreciado as contas de Dilma Rousseff de 2015, alvo da denúncia de impeachment, não impede, segundo os autores, a caracterização de crime de responsabilidade da presidenta da República. Mas, o que está em análise pela comissão especial do impeachment é se houve crime de responsabilidade na gestão das contas públicas em 2015.

No dia seguinte foram ouvidos o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, e o professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Ricardo Lodi Ribeiro, que defenderam a ausência de base legal para o afastamento da presidenta da República, sobretudo porque as chamadas “pedaladas fiscais”, usadas como motivo para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, foram feitas de acordo com a legislação vigente e as normas do Tribunal de Contas da União (TCU).

Barbosa distinguiu o que é gestão orçamentária e gestão financeira. Afirmou que os decretos de crédito suplementar são instrumentos para remanejamento de recursos em fontes pré-definidas pela legislação orçamentária, e que tais decretos foram amparados por parecer técnico do Ministério da Fazenda e não modificaram a programação financeira, cujos recursos remanejados são oriundos de anulação de outras despesas e não ferem, portanto, a Lei Orçamentária de 2015 nem o limite global de gastos do governo.

De acordo com o professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Ricardo Lodi Ribeiro, a Lei do Impeachment não prevê crime de responsabilidade com base em suposto desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas sim à Lei do Orçamento. Ele alega que, no caso, não houve desrespeito a nenhuma das duas. Os decretos foram autorizados pela legislação e não alteram as metas fiscais.

No início dessa semana (4/04), José Eduardo Cardozo, Advogado Geral da União, apresentou formalmente a defesa da presidenta Dilma Rousseff. De acordo com Cardozo, não houve crime, e o pedido de impeachment está baseado em apenas dois pontos: as pedaladas fiscais e os decretos que abrem créditos orçamentários. Cardozo negou a existência de operações de crédito entre a União e bancos públicos nos repasses de recursos a programas sociais. Segundo ele, a presidenta Dilma não atuou diretamente nesse processo e os decretos de crédito suplementar não implicaram gastos extras do orçamento, mas um remanejamento de recursos, ou seja, compensaram o aumento de gasto em algumas áreas com redução de valores de outras despesas, atribuídas, sobretudo, ao contingenciamento feito pelo governo no ano de 2015.

Cardozo alegou ainda que o pedido de impeachment só foi aceito pela presidência da Câmara por vingança, devido ao PT ter sido favorável ao processo contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética. A defesa alegou também que a tentativa de anexar a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral ao processo de impeachment já decretado configuraria a nulidade ao processo e é mais uma prova da manipulação política  dos proponentes. Cardozo afirma que o Congresso não pode destituir o governo por motivos políticos. Isso é afrontar a Constituição, o que significa golpe.

Segundo a defesa, um presidente só pode ter seu mandato cassado se incorrer em crime de responsabilidade, em caráter excepcional, em atitude de má fé, de dolo contra a nação, o que não ocorreu no caso da presidenta Dilma Rousseff. Só há possibilidade de impeachment em situação de gravidade extrema, o que não é o caso. Não há, portanto, crime que justifique o pedido de impeachment, estando este em desconformidade com a Constituição. E violá-la constitui golpe contra a democracia.

O relator da comissão, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), pretende fazer a leitura de seu parecer final nesta 4ª feira (6), para vistas em duas sessões, até 6ª feira (8) e votação da comissão a partir da próxima 2ª feira (11). Terminada a votação na comissão, segue para votação no plenário, em voto aberto, de todos os deputados, ainda na próxima semana. Os deputados que pedem o impeachment precisam de, no mínimo, dois terços dos 513 votos dos deputados, o que corresponde a 342, para dar continuidade ao trâmite e a votação passe para o Senado. Segundo estimativas veiculadas na imprensa, até o final de semana passado 261 parlamentares tendiam a votar pela aprovação do impeachment.

Até o momento o número de indecisos ainda é alto, e existe fragilidade da comprovação de crime de responsabilidade nos argumentos apresentados pelos proponentes do processo de impeachment. Mantida a argumentação válida, pesa a favor da presidente Dilma o fato de outros 16 governadores terem exercido as mesmas práticas, além dos dois presidentes que a precederam. Pesa também parecer favorável do ministro do STF Marco Aurélio Mello para abertura do mesmo processo também contra Temer.

A associação do pedido de impeachment sem crime a golpe se soma ao apoio que o governo tem recebido das ruas de todo o Brasil nas últimas semanas, em atos contra o impeachment, o que torna a decisão sobre esse processo ainda imprevisível.

* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade de sua autora,
não representando necessariamente a visão da FPA ou de seus dirigentes.

 
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