Cobertura internacional sobre a crise política no Brasil ajuda a romper a narrativa única da grande mídia brasileira

Ano 3 – nº 42 – 31 de março de 2016
 

Cobertura internacional sobre a crise política no Brasil

No início desta semana, a revista digital Brasil Wire (publicação colaborativa e digital sediada na Inglaterra) publicou um artigo intitulado “O colapso da narrativa – a semana em que o mundo percebeu o golpe”. A matéria traz uma boa síntese de como a cobertura internacional sobre a crise política no Brasil foi crucial nos últimos dez dias, tendo ajudado a romper a narrativa única da grande mídia brasileira.

O artigo faz um apanhado das matérias recentes sobre a tentativa de golpe em curso no Brasil, dentre as quais cita artigo do jornalista Glenn Greenwald (vencedor do prêmio Pulitzer pela série de matérias sobre Edward Snowden e suas revelações sobre espionagem dos Estados Unidos) na revista estadunidense The Intercept e matéria no alemão Der Spiegel, primeiro grande jornal internacional a usar a palavra golpe para se referir à situação brasileira atual. O artigo resume ainda uma série de matérias publicadas no canal Al Jazeera, nas revistas Jacobin, The Nation, no site Wire India, no francês Le Figaro, entre outros (com links para todas as publicações).

A ampliação na cobertura internacional foi reforçada ainda pelas entrevistas concedidas pela Presidenta Dilma Rousseff a correspondentes internacionais no dia 24 de março.

Argentina: 40 anos do golpe militar, 100 dias do governo Macri e a visita de Obama

A Argentina esteve em foco na última semana com notícias sobre os 100 primeiros dias do governo Macri e sobre a visita de Obama. Além disso, uma semana antes da data que marca os 52 anos do golpe civil-militar no Brasil, a Argentina também homenageou seus mortos e desaparecidos, no aniversário de 40 anos do golpe que no país vizinho ocorreu em 1976.

Após a visita a Cuba, Obama esteve em Buenos Aires nos dias 23 e 24 de março, acompanhado de uma delegação de cerca de quatrocentos empresários. Os presidentes Barack Obama e Mauricio Macri anunciaram a assinatura de acordos de cooperação nas áreas de educação, comércio, narcotráfico e meio ambiente. Segundo o colunista Horacio Verbitsky, do jornal argentino Página 12, o governo divulgou apenas os títulos dos acordos, mas não seu conteúdo. Foram anunciados para as seguintes áreas: cooperação para prevenir e combater crimes graves; cooperação em matéria de segurança e facilitação de mobilização militar; alocação de oficiais de segurança a bordo; e acordo marco em matéria de comércio e investimentos. Ainda segundo Verbitsky, informações indicam que estes acordos incluem as seguintes medidas: cooperação para o fortalecimento de capacidade militar argentina, para que possa contribuir com unidades maiores em missões de paz, por exemplo, incluindo treinamento e modernização da frota de aviões de transporte; ajuda dos Estados Unidos às forças de segurança argentinas para combate ao financiamento ao terrorismo, narcotráfico e crime organizado, na Tríplice Fronteira; treinamento de funcionários argentinos na DEA e no FBI, para ajudar na criação de um centro de fusão de inteligência, para detectar atividades suspeitas de terrorismo e crime organizado; um encontro de trabalho do Pentágono com as Forças Armadas argentinas para cooperação em defesa hemisférica (o último fora em 2009); um acordo marco, com a criação de um grupo de trabalho, sobre comércio e investimentos, para facilitar o diálogo sobre propriedade intelectual e acesso a mercados; e o incremento da cooperação em desenvolvimento e segurança nuclear, com a possibilidade de assinatura por parte da Argentina do protocolo adicional da Agência Internacional de Energia Atômica..

Como foi dito, embora o conteúdo específico dos acordos não tenha sido divulgado, as informações disponíveis apontam para um realinhamento da Argentina no plano hemisférico. Os acordos de cooperação na área de segurança e combate ao narcotráfico, por exemplo, caminham na direção oposta das tentativas esboçadas pela Unasul de criar mecanismos autônomos da região para lidar com o problema. Da mesma forma, embora pouco se saiba sobre o acordo de cooperação em segurança nuclear, tal medida causa estranhamento se considerada a sólida relação bilateral entre Brasil e Argentina na área, que desde 1991 vêm construindo confiança entre os dois países via a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (Abacc). Além disso, a eventual assinatura do protocolo adicional da AIEA por parte da Argentina pode enfraquecer a posição brasileira, que resiste em aderir a este instrumento, na medida em que limita o desenvolvimento de tecnologia nuclear mesmo para fins pacíficos (como para a medicina e a indústria farmacêutica, por exemplo). Na área comercial, o acordo marco é bastante inicial e ainda não se configura como negociações de um Tratado de Livre Comércio, mas abre esta possibilidade para o futuro.

No dia 24, data dos quarenta anos do golpe, Obama e Macri visitaram o Parque da Memória. O presidente dos Estados Unidos anunciou a desclassificação de documentos militares e de inteligência relativos à ditadura argentina. O gesto foi considerado tímido por parte das organizações de direitos humanos, que há décadas lutam pelo direito à informação. Além disso, movimentos sociais e de direitos humanos chamaram a atenção para a ausência de autocrítica no discurso de Obama, que apenas tangenciou a questão e se evadiu de considerações mais substantivas sobre a cumplicidade e apoio dos Estados Unidos às ditaduras na América Latina durante a Guerra Fria.

No mesmo dia, 300 mil manifestantes de sindicatos, movimentos sociais e organizações de direitos humanos se reuniram na Praça de Maio, em memória aos quarenta anos do golpe civil-militar. Além de homenagear as vítimas da ditadura, os manifestantes protestaram contra as demissões em massa e as medidas de austeridade do governo Macri, sob o lema “40 anos de luta, memória e militância – sem direitos não há democracia”. Em comunicado conjunto durante o ato na Praça de Maio, as organizações de Mães e Avós dos mortos e desaparecidos denunciaram a criminalização de movimentos sociais em curso no país, como ilustram as prisões arbitrárias de Milagros Sala, liderança social e parlamentar do Mercosul, e do dirigente sindical Rodolfo Aguiar. Destacaram também os avanços obtidos nos últimos anos na luta por reparação, justiça e direito à memória (com 660 torturadores condenados, recuperação da identidade de 119 netos, mais de 130 centros clandestinos de tortura identificados e criação de 35 espaços de memória). Vale mencionar que no início desta semana a justiça argentina deu mais um passo nesta luta, com a condenação do primeiro empresário envolvido com crimes durante a ditadura civil-militar. Marcos Levín, ex-proprietário da empresa de transporte La Veloz del Norte, foi condenado a doze anos de prisão por ter participado do sequestro e tortura do sindicalista Victor Cobos, em 1977. Apesar dos avanços da última década, artigo recente publicado na revista Diálogos do Sul aponta para um giro na política argentina de direitos humanos com o novo governo Macri, que busca retirar os presos e desaparecidos da órbita estatal, convertendo-os em vítimas de um terrorismo difuso e sem Estado, onde havia excesso de ambos os lados. Há poucas semanas, por exemplo, o ministro da Cultura, Darío Lopérfido, cuja renúncia é solicitada pelas organizações de direitos humanos, pôs em dúvida o número de 30 mil desaparecidos políticos no país.

Na declaração feita durante o ato na Praça de Maio, as organizações de direitos humanos denunciaram ainda o poder das corporações sobre as democracias e as tentativas golpistas na América Latina, com uma mensagem especial de solidariedade ao Brasil.

Ainda dentro de uma perspectiva crítica aos retrocessos da democracia nestes primeiros cem dias de governo, as organizações apontam as tentativas de desmonte da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que regulamenta o setor e, entre outras medidas, busca descentralizar a propriedade dos meios de comunicação de forma a impedir a formação de oligopólios midiáticos. Reforçando a tendência, no início desta semana, o governo anunciou o fim do financiamento da Rede Telesur, da qual a Argentina participava desde a fundação. Com a medida, o canal deixará de fazer parte da plataforma de televisão estatal. A medida foi criticada por movimentos sociais e intelectuais como Adolfo Perez Esquivel e Atilio Boron, que apontam que a decisão significa um ataque à liberdade de expressão e ao pluralismo de informação.

Nestes primeiros meses, Macri promoveu ainda um acordo bilionário com os fundos abutres e a demissão de cerca de 20 mil servidores públicos, como aponta artigo de Kjeld Jakobsen na revista Teoria e Debate, e iniciou uma reorientação no plano das políticas sociais. Segundo editorial do Le Monde Diplomatique Argentina, o slogan pobreza zero adotado pelo novo governo está guiado pelo paradigma de pisos de proteção social, para cobertura básica de saúde, educação, alimentação e moradia. Segundo a crítica do editorial, embora tal paradigma possa servir para os países de menor desenvolvimento, seria insuficiente para um país de desenvolvimento e IDH médio como a Argentina. Neste sentido, faria parte de um programa neoliberal que inclui de forma bastante limitada a manutenção de parcela das políticas sociais adotadas na década anterior.

* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade da sua autora (ou autor, quando for o caso), não representando necessariamente a visão da FPA ou de seus dirigentes.

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