Debate na USP faz panorama da conjuntura regional e aponta para o fortalecimento da luta pela democracia no país

Vários setores da sociedade brasileira se mobilizam e debatem a conjuntura nacional. Na Universidade de São Paulo (USP) não seria diferente. No dia 17 de março, aconteceu a mesa redonda “Desafios da Democracia”, organizada pelo Grupo de Pesquisa da Unesp, USP e Universidade Federal de Alagoas.

As professoras Marilena Chaui e Maria das Graças de Souza, o professor Frederico de Almeida e a vice-presidenta da Fundação Perseu Abramo (FPA), Iole Ilíada, debateram a conjuntura atual e suas perspectivas e fizeram um panorama para pensar em construir o nosso sistema democrático.

Iole Ilíada, além de ressaltar a importância do tema, o inseriu em um contexto mais amplo e mostrou a relação entre a crise internacional e a questão democrática que vivemos hoje no país. “Compreender o momento no Brasil, na região e no mundo é fundamental. São dois momentos históricos que precisamos entender: o caráter mais econômico, ligada à crise estrutural do capitalismo, que gerou o neoliberalismo, que se consolida nos anos 1980/90”.

Iole fez um apanhado das mudanças na região e no mundo, a relação com os Fóruns Sociais Mundiais e com a grande alteração nas correlações de força mundial e o neoliberalismo “que nos levam ao momento que estamos hoje na ordem internacional”.

A hegemonia dos Estados Unidos e seu poder político, apesar de ter começado a ruir, não pode ser confundida com perda de poder internacional, que se manteve sob o pilar militar e a sua hegemonia cultural. “Neste momento, como os Estados Unidos não têm como inimigo o comunismo, eles então elegem como ponta de lança o tema da democracia, que passa a ser instrumentalizada para que invandam outros países seletivamente”, exemplificou.

“Na América Latina começamos a assistir, quase como efeito dominó, à chegada das forças de esquerda, que tinham lutado contra o neoliberalismo, contra as ditaduras no continente e também tinham se colocado contra as tentativas de integração da região subordinadas aos Estados Unidos, a Alca como exemplo maior”, relatou.

Essas forças chegam aos governos pela via eleitoral, democrática e apesar de todas as tensões, muitos viram que era um sinal que as democracias estavam completamente consolidadas, maduras. Chegaram ao poder operários, lideranças indígenas, guerrilheiros.

Mas Iole faz um alerta: “há muitos momentos na história do continente de desistabilização de governos mininimamente de esquerda. Já vimos acontecer muitas vezes. A novidade hoje é a sofisticação com que está sendo feita, sob o manto do Estado democrático de direito”.

Iole lembra que “se derrubarem o Brasil haverá implicações nos outros países do continente, nos Brics. O desfecho desta crise é fundamental para a democracia e quem precisa da democracia são os trabalhadores, negros, mulheres, LGBTs, os menos favorecidos”.

O professor Frederico de Almeida fez sua apresentação voltada para as leituras dos andamentos judiciários e lembrou que, nos anos 1990, de hegemonia neoliberal, era muito difícil ser de esquerda. “Meu receio é que fique mais difícil nos tempos que se aproximam. Essa conduta que hoje vemos, de certos setores do Judiciário, não é anti-democrática no sentido que faz parte do sistema, paradoxalmente”.

Almeida falou sobre o reposionamento dos juristas no campo do poder, as transições para que juristas criassem aspectos jurídicos para a reposição do poder. “A Constituição de 1988 foi um marco de reposição dos juristas no poder. Mas a engrenagem do encarceramento, histórica, não muda apesar dos avanços de 1988. O combate à corrupção pelo Ministério Público, como política da instituição, vem desde os anos 1990 e atrelado a isso um discurso muito grande moralização e depuração da política”.

Para o professor, o “direcionamento político existe mas não é a única explicação. Nossa grande tarefa é resistir a um avanço autoritário que conta com o apoio destas instituições judiciais e pensar em reformas e em como trabalhar estas questões de autonomia institucional versus controle social, democrático e externo. Pensar o plano teórico, como ter uma maior pluralidade e diversidade de pensamento nos tribunais”.

A profesora Marilena Chaui inicialmente apresentou as ações da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP em favor da democracia. A iniciativa criou um coletivo em defesa dos direitos conquistados, “e que estão na Constituição de 1988 e estão ameaçados pela bancada BBB (boi, bala e bíblia). Conseguimos uma parceria com o Le Monde Diplomatique e já realizamos o primeiro encontro, que debateu a Constituição e as ameaças que pesam sobre ela. E o manifesto da FFLCH contra o golpe está disponível para novas assinaturas.

Marilena fez sua observação inicial sobre o tema comentando o grampo realizado pelo juiz Sergio Moro: “a mídia divulgou o grampo e se discutia se era ou não uma fala criminosa. A questão não é a divulgação da fala, a questão é o grampo, não pode grampear, é uma violação da Constituição. O ato de fazer o grampo é o problema. Se você grampeia o telefone da presidenta da República, você pode tudo. O juiz violou a lei, violou o direito e ninguém fala isso”.

Segundo a professora, professores, universitários e estudantes têm a tarefa de verdadeiramente informar. “Esse é o trabalho democrátrico e cívico que devemos fazer. Temos o dever democrático de fazer isso e assim vamos garantir o direito à informação e a comunicação”.

Para Marilena, “nós nos equivocamos sempre que reduzimos a democracia à sua definição liberal, que é o regime da lei e da ordem. Somente em uma sociedade democrática a expressão política será democrática. Não podemos ter uma sociedade excludente e uma política democrática. Todos que estamos à esquerda sabemos que a democracia só pode se realizar em termos políticos se ela for a expressão da democracia social. Portanto a igualdade não é só perante à lei, a liberdade não é só perante à lei, a participação não é só o instante que você vota. Não existe sociedade democrática sem criação de direitos. O que caracteriza a democracia é a possibilidade de direitos novos”, explicou.

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