“Não vai ter golpe!”: grito que ecoou nas ruas do Brasil chegou até a França: universidade debate a crise no país e pergunta se é contra a corrupção ou golpe de Estado

Por Pedro Simon Camarão

“Não vai ter golpe!” O grito que ecoou nas ruas do Brasil, chegou até a França. A postura dos brasileiros que defendem a democracia nos protestos e na internet fez com que a mídia francesa começasse a ter o seu conteúdo questionado. Antes do levante contra o golpe só o que chegava aqui era o que a mídia francesa publicava, que o Brasil enfrentava uma grave crise econômica e que Lula, Dilma e o PT estavam, de alguma forma, envolvidos em uma rede de corrupção gigantesca que tinha a Petrobras como centro de tudo. Como se isso fosse verdade.

O questionamento criou uma oportunidade. Maud Chirio, historiadora francesa que pesquisa o Brasil, propôs uma mesa de discussão para esclarecer a situação com a análise de outros pesquisadores. O evento, intitulado “A crise política no Brasil: levante contra a corrupção ou golpe de Estado?”, lotou a sala 8 no 2º andar do prédio da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Mais de cem pessoas entre brasileiros e franceses queriam ouvir análises aprofundadas sobre o tema.

Crise política: a luta atravessa o oceano e desembarca na França

Três historiadores, um sociólogo e o deputado federal Jean Wyllys falaram por quatro horas seguidas e deram à plateia aquilo o que era esperado, uma leitura clara do sistema político, da organização social, do sistema judiciário e do papel podre que a mídia brasileira vem exercendo, além das críticas aos grandes meios de comunicação franceses.

“Um golpe frio está em curso no Brasil, um golpe contra um governo democraticamente eleito e contra uma presidenta sobre quem não pesa nenhuma acusação! Nenhuma acusação contra ela!” A conclusão de Jean Wyllys foi taxativa. O outro brasileiro entre os debatedores, Antônio Gasparetto, que é historiador e fundador do Movimento Unidos pela Democracia, disse que a luta contra a corrupção é uma causa nobre mas que as massas que fazem parte desse movimento são marionetes que estão sendo usadas para tirar o PT do poder. O tom crítico perdurou do início ao fim da “mesa redonda”.

Ainda na apresentação sobre ao que se propunha aquela discussão, um reflexo do clima tenso entre os brasileiros que não querem ver o governo ser derrubado. Maud Chirio estava explicando que a presidenta Dilma Rousseff é alvo de um processo de impeachment por um delito… quando foi, imediatamente, interrompida e corrigida por uma mulher que lembrou “não existe crime nenhum que a Dilma tenha cometido. Eu sei disso, eu tenho aqui toda a argumentação, posso mostrar”, Maud Chirio pediu desculpas e deu continuidade.

A participação popular nas manifestações políticas foi um dos pontos mais abordados. Armelle Enders, historiadora que tem um longo trabalho de pesquisa sobre o Brasil, lembrou dos protestos à favor do impeachment de Fernando Collor de Mello para levantar uma questão comparando os dois momentos, as manifestações derrubaram Collor ou elas só serviram de ferramenta para os objetivos de uma determinada classe política? Nas manifestações que estão ocorrendo atualmente, ela enxerga uma polarização ideológica, e diz acreditar que existem pessoas com nível intelectual similar dos dois lados. No entanto, ela enxerga a burguesia em um polo e no outro, pessoas mais jovens. Ainda assim, ela questiona, “onde está a massa dos brasileiros?” Enders defende que a polarização que teve início com o descontentamento de uma parcela por causa do resultado das eleições transformou esse movimento em uma luta contra a “esquerda”, representada, de maneira geral, pelo PT.

Crise política: a luta atravessa o oceano e desembarca na França

É fato que as manifestações que querem a saída da presidenta Dilma têm uma participação maciça da direita que, com um discurso de intolerância, provocam uma radicalização política. Gasparetto diz que boa parte desse discurso lembra as expressões que eram usadas contra os judeus durante o Nazismo. Ainda sobre esse discurso de ódio e essa intolerância que os movimentos contra a corrupção têm incentivado, Jean Wyllys lembrou da violência que já é flagrante nas ruas. Pessoas vestidas com roupas vermelhas estão sendo agredidas, e isso inclui mulheres com crianças no colo. “O discurso fascista está ganhando terreno e está se tornando incontrolável”, disse o deputado.

A cegueira que toma conta de quem quer interromper o mandato de Dilma Rousseff só pode ter origem na falta de conhecimento sobre o sistema político e da própria História. Os quatro pesquisadores presentes fazem a mesma análise sobre a relação da corrupção com a política: a corrupção é endêmica e desde sempre o sistema político alimenta e é alimentado pela corrupção. Um partido não pode ser responsabilizado por um sistema que foi desenhado para gerar privilégios para a classe política. O que coloca o nosso presidencialismo em xeque. Jean Wyllys fez um testemunho sobre o que ocorreu no mandato anterior. Ele se colocou como uma oposição de esquerda por achar que o governo Dilma não dava atenção a políticas para as minorias. No entanto, ele diz que por ser obrigada a agradar a coalizão que fazia parte do governo, Dilma Rousseff era obrigada a fazer concessões. Por isso, muitas dessas pautas não avançavam. Para exemplificar o funcionamento do presidencialismo, ele diz “o Presidente depende totalmente do Congresso. É como se ele tivesse um cofre e ele só pode abrir esse cofre se o Congresso concordar.”

A questão política é um pouco assustadora. O sociólogo Dominique Vidal, que também é um brasilianista, não compreende como é possível um homem como Eduardo Cunha, que é multiplamente acusado de corrupção, ainda estar presidindo a Câmara e estar encabeçando um processo de impeachment contra uma presidenta contra quem não há quaisquer crimes. Como é possível que tantos políticos acusados de corrupção participem de movimentos contra a corrupção?, ele pergunta.

É necessária uma vasta reforma política, que já foi proposta por Dilma Rousseff após as manifestações de junho de 2013. A presidenta propôs o chamamento de uma Constituinte para rever o sistema político. O Congresso não permitiu e fez uma mini-reforma política que não mudou nada. Desde então, a oposição, a mídia e setores da elite vêm criando uma campanha contra o governo. Armelle Enders afirma que “essa situação de instabilidade começa na reeleição, quando a oposição não se conforma com o resultado da votação e pede recontagem dos votos, questiona as contas de campanha. Essa é uma batalha essencialmente política.”

Crise política: a luta atravessa o oceano e desembarca na França

Essa briga na qual se esconde um complô para derrubar o governo passa pelo sistema judiciário que, na Operação Lava Jato, vem desrespeitando os direitos civis. Esse comportamento ilegal do Judiciário preocupa os pesquisadores e também o deputado, que afirma que o juiz Sergio Moro se acha um messias que tem como missão na terra acabar com a corrupção. Ultimamente, ele tem assumido um papel de justiceiro irresponsável.

O juiz Moro tem contado com a colaboração da imprensa que antes de qualquer julgamento já tenta faz uma campanha destruindo a imagem de figuras importantes com o objetivo de deslegitimar completamente aquela pessoa. Sem contar a divisão que a imprensa incentiva. Jean Wyllys exemplificou dizendo que a imprensa chama aqueles que vão para rua contra a corrupção e ficam batendo panela, de brasileiros. E intitula os que vão para as ruas defender o governo de aliados de Lula e Dilma, “ela está incitando esse momento que existe no Brasil.”

Essa atuação superficial e irresponsável da mídia brasileira tem reflexos aqui na França, aonde os veículos de comunicação, na maioria dos casos, acabam reproduzindo essas informações mastigadas, sem investigar. Essa atuação recebeu duras críticas durante o evento e acabou abrindo espaço para uma nova oportunidade. No próximo dia 31, militantes do PT vão se dividir e protestar em frente às redações dos principais veículos de comunicação franceses para cobrar uma abordagem mais aprofundada sobre a situação no Brasil.

Pedro Simon Camarão é jornalista, correspondente da Fundação Perseu Abramo na França