Decisões judiciais se dão sobre empresas que sustentam cerca de um quarto do PIB brasileiro e estão sendo paralisadas

Por: Rose Silva
Foto: Sergio Silva

Em entrevista concedida ontem ao diretor da Fundação Perseu Abramo, Joaquim Soriano, o presidente da FPA, Marcio Pochmann, contextualizou a situação brasileira na crise vivida pelo capitalismo atualmente, na segunda era da globalização. E avaliou que a implantação de programas que contradizem o receituário neoliberal em alguns países, entre eles o Brasil, provocou uma reorganização da direita. Para Pochmann, ter o governo majoritariamente eleito não significa ter o conjunto do poder, inclusive naquilo que envolve o aparelho do Estado. A autonomização do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e o vínculo destas instituições com o monopólio dos meios de comunicação criam um cerco aos governos progressistas, com força e potência capazes, inclusive, de ameaçar a democracia. Leia os principais trechos da entrevista, que pode ser assistida na íntegra no Canal Youtube da tevêFPA.

Globalização – Há uma falha em grande parte das análises de conjuntura, que consideram o Brasil uma ilha. Estamos vivendo uma segunda onda de globalização do capitalismo. A primeira onda teria ocorrido no século XIX, sob liderança do Reino Unido, e se desconstituiu com as duas grandes guerras mundiais. A partir dos anos 1970/80 e dos primeiros dezesseis anos do século 21, passamos a viver uma onda de globalização que tem como atores relevantes as grandes corporações transnacionais, com dominância do capital financeiro. Em 2008 começa uma grande crise de reprodução do capitalismo, sem que sua causa tenha sido apresentada e resolvida, cujo centro são os Estados Unidos. A segunda onda, em 2001/2002, afetou principalmente Grécia, Portugal e Espanha. Em 2014 e 2015, essa onda pegou justamente os países que haviam tido melhores resultados no enfrentamento da crise até então, os chamados Brics.  A situação do Brasil deriva da forma de organização do capitalismo e da sua própria crise estrutural.

Felizmente o Brasil tomou uma série de iniciativas, desde 2008, que evitou resultados verificados em países como Estados Unidos e outros da Europa. O aumento da pobreza, da desigualdade e do desemprego, por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa. Foi anunciado que nos Estados Unidos 1% da população detém mais riqueza que os outros 99% da população. Essa gravidade não tivemos no Brasil, devido ao esforço do governo e dos trabalhadores. Porém, há um esgotamento dessas ações que, em um quadro internacional tão prolongado, exige revisões na política econômica.

Reorganização da direita – Importante destacar que há um processo de reorganização e presença crescente da direita, sob novas formas de atuação, a partir dos Estados Unidos, que avança em seu posicionamento, sobretudo nos países da América Latina. Até o governo do presidente Obama, as atenções do Departamento de Estado norte-americano se concentravam mais no Oriente Médio. Mas houve uma revisão a partir de Obama, que passou a olhar com mais preocupação governos que se apresentavam fora do receituário neoliberal: Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina, Uruguai, Brasil e também a Ásia, fundamentalmente a China.

São governos que assumiram protagonismo e colocaram em prática políticas não liberais, de fortalecimento do mercado interno, valorização de seu mercado de consumo e ascensão social. Estes governos estão certamente mais pressionados, não apenas pela crise, mas por uma ação organizada da direita. Uma direita que a partir dos Estados Unidos vem influenciando grupos e associações, inclusive parte importante daqueles que organizam ações contra o governo da presidenta Dilma é financiada por recursos estrangeiros, recebe formação fora do Brasil. Essa reorganização da direita tem impactos na economia e na política. O financiamento da campanha eleitoral dos Estados Unidos vem se dando fora das regras partidárias, com recursos privados que ajudam a direita a atuar mais fortemente nos Estados Unidos e também em outros países.

Ameaça à democracia – De fato, a democracia no mundo todo está em xeque. Até o século 19 havia uma democracia frágil e débil, na qual a economia era quem condicionava o governo. No Brasil, até 1932, só votavam homens ricos. Algumas tentativas que de certa maneira foram ganhando importância no pós-guerra possibilitaram que a política fosse condicionando a economia, com a vigência da democracia e a universalidade do voto. Isso fez com que governos passassem a cumprir programas que haviam sido debatidos e majoritários no processo eleitoral.
 
Com a globalização que assistimos atualmente, há uma crescente dificuldade dos partidos que ganham governos serem fidedignos com seu programa apresentado nas eleições. O exemplo mais significativo foi o que ocorreu na Grécia. Há um diálogo ilustrativo entre os ministros da Fazenda da Grécia e da Alemanha, no qual o representante grego informa que houve um resultado eleitoral e que a Grécia não aceitaria receituário da União Europeia. Eis que então o ministro alemão afirma que na União Europeia é impossível que a o resultado eleitoral vá comprometer a boa regra da condução econômica.

Aqui no Brasil, de certa maneira, o que ocorreu com a ascensão dos governos do PT e da frente de partidos foi uma reafirmação de que a economia deveria estar condicionada aos interesses da política. O país teve, nos últimos cinquenta anos, crescimento econômico, democracia, distribuição de renda, enfrentamento da desigualdade. Mas o que está em curso desde a última eleição, em 2014, na qual as forças dos atraso foram mais uma vez derrotadas, é que elas não mais aceitaram o resultado eleitoral. E há uma pressão muito grande para que o resultado da política, do voto, não se expresse na condução governamental. O governo que ganhou não se sente em condições de governar, tendo em vista a reação que vem sendo encadeada por forças nacionais e estrangeiras. Essa tensão faz crescer o descrédito em relação à política.

Lava Jato gera desemprego – Não somente as regras que norteiam o princípio jurídico têm sido atropeladas em muitas situações, mas também os efeitos da Lava Jato, as decisões da Justiça e da polícia federal, interferem na condução da economia. É possível estimar que no ano de 2015, quando o IBGE afirma que houve uma redução de 3,8% no PIB, 2,5% da queda tenham sido expressão da Lava Jato. Ou seja, a Lava Jato gera desemprego, leva a economia brasileira a uma recessão. Essa responsabilidade da operação está sendo considerada? As decisões judiciais se dão sobre um conjunto de empresas que se relacionam com a Petrobras, que se relacionam com a construção civil, dois setores que sustentam cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que empregam muita mão de obra. Acontece que as empresas estão sendo paralisadas. A nosso modo de ver, a Lava Jato não está sabendo diferenciar dirigentes corruptores e corruptos de instituições e de empresas. Isso é péssimo para o Brasil. Os corruptos, se cometeram crimes, devem ser penalizados, mas jamais as suas empresas, pois elas são um ativo brasileiro. Em algum momento o Brasil voltará a crescer. Se quebrarmos as empresas brasileiras, quais serão as empreiteiras que reconstruirão o Brasil?