A Fundação Rosa Luxemburgo realizou no dia 9 de março o debate Quem tem medo do capitalismo verde? para discutir a COP 21 e as possibilidades de avanços e retrocessos que este pode provocar. A Fundação Perseu Abramo esteve presente no evento e traz abaixo trechos do debate e o vídeo com a íntegra. Confira.

Daniela Chiaretti, repórter do Valor Econômico especializada na cobertura de pautas ambientais, afirmou que o novo acordo teria trazido alguma segurança ao pactuar um limite de aquecimento global admissível. Para ela, o limite de 1,5 ºC aponta dois rumos: pode significar uma mudança completa da perspectiva de desenvolvimento ou o esforço para encontrar formas de mitigar os danos causados pelas emissões com a descarbonização – embora alguns países mais dependentes de combustíveis fósseis venham evitando o termo “descarbonização”. Neste contexto, a política de perdas e ganhos aparece como interessante opção.

O diretor do departamento internacional da Fundação Rosa Luxemburgo e especialista em temas socioambientais, Wilfried Telkämper, afirmou que a COP 21 pode ou não ser vista como avanço, a depender do ponto de vista. “Só o fato dos 197 países se reunirem para debaterem o tema, já me parece alguma coisa. É fundamental no sentido de colocar na ordem do dia dos diversos países a pauta ambiental. Pode-se dizer que foi um sucesso diplomático. Mas tem um detalhe: a diplomacia não salva o clima”. Para ele, a solução só aparece se as pessoas estiverem engajadas e dispostas a mudar o estilo de vida, pois o acordo da COP 21 não traz medidas concretas, sendo apenas uma carta de intenções.

Thomas Fatheuer, cientista político crítico da economia verde acredita que o capitalismo está mudando. “Com Paris, entramos na época da geopolítica do carbono, o que quer dizer que a agenda de desenvolvimento no mundo passa a ser estruturada a partir da política em relação ao carbono”. Para ele, a chave para entender o acordo é o objetivo firmado de chegar a um balanço entre as emissões e o sequestro de carbono até o fim do século. Neste contexto, o Brasil apareceria, ainda segundo ele, como grande fornecedor de sequestro de carbono. Fatheuer salientou que tanto as emissões quanto o sequestro passam a serem vistos como partes de um mercado onde o CO2 tem um preço;  um mercado desigual e contraditório. “Os povos indígenas [por exemplo] deixam de ser reconhecidos por seus diretos para serem atores de mercado”.

Para Chiaretti, o acordo não discute o capitalismo, mas se insere nele. “Eu não sou otimista em relação ao acordo de Paris, mas acho que o mundo é melhor com um acordo de clima do que sem um acordo de clima”. Ela lembra que diversos cientista tratam como necessárias soluções tecnológicas para que se cumpra a meta de 1,5 ºC e que, para os economistas, o problema deve ter um preço”.

A avaliação do nível de emissão e sequestro foi apontado como grande problema por Fatheuer, pois, “toda a redução acontece por conta da compra de certificados de emissões”. Para o cientista político, o desenvolvimento tecnológico é limitado e existe uma necessidade de repensar todo um estilo de vida. “Foge-se da discussão que gira em torno da mudança do modo de produção e do estilo de vida”. Nesta perspectiva, seria necessário também que as pessoas estivessem atentas às iniciativas que contrariam os interesses das grandes corporações e que produzem energia limpa para o uso cotidiano. “Resolver as coisas a partir da discussão econômica reduz a chance das pessoas perceberem as questões políticas e as possibilidades de escolha; as possibilidades das pessoas dizerem não, não deixando aos mercados a resolução destas questões”.

Telkämper concorda com Fatheuer. Para ele, a discussão não é acerca das tecnologias, mas de que tipo de compensação há entre os mercados. “O que interessa não é a questão tecnológica, mas a ação política, para que se evite que a catástrofe seja ainda maior”. Seria necessária uma redução drástica no consumo de energia. “Aí entra a velha questão do capitalismo: hoje produzimos da forma mais rápida e barata possível”. Contrapor isso só seria possível se as ações políticas fossem centradas nas pessoas e não no lucro. “Um exemplo disso é a pressão de populações sobre governo; foi o que fez com que a Alemanha deixasse o uso de energia nuclear e já há um movimento muito forte contra o uso de energia produzida a partir do carvão”.Fundação Rosa Luxemburgo realiza debate sobre capitalismo verde em SP

Apesar de ser crítica ao acordo, Chiaretti reconhece que “foi o melhor que se conseguiu construir entre os 197 países, o que não é pouca coisa”. Para ela, o capitalismo verde, como parte do capitalismo, carrega todas as suas contradições. “A questão do clima é mais um problema que agrava os que já enfrentamos”. A jornalista acredita que só há uma forma de superar estes problemas: expandir o debate, levando-o às escolas para que os problemas que já existem não se agravem cada vez mais. “Conhecimento é poder e ignorar estas soluções me parece a pior opção”.

Comunidades locais

O ativista e coordenador internacional do World Rainforest Movement, Winnie Overbeek, explicou que as comunidades tradicionais tem sido expulsas das florestas pelo capital e pelas grandes ONGs conservacionista, que funcionam segundo os interesses do capital. “Contraditoriamente, estas ONGs e o capital andam de mãos dadas. Esta lógica aparece no acordo de Paris”. Para ele, o acordo não lida com o que causa as emissões – a indústria do petróleo – mas com políticas de compensação, distantes de resolverem o problema. “Fazem parecer que o problema é técnico, não político. Que o capital e o capitalismo não fazem parte deste problema”.

Segundo ele, a questão das emissões de CO2 é pouco discutida tanto entre comunidades tradicionais quanto nos grandes centros urbanos, mas existem focos e possibilidade de resistência, embora haja criminalização das comunidades que resistem. Uma possibilidade apontada por Overbeek seria utilizar os grandes projetos de compensação como pontes para colocar em contato comunidades que resistem. “Estes projetos de compensação que vem das grandes empresas do norte para o sul possibilitam alguns laços de solidariedade que devemos explorar. Falamos sobre o medo do capitalismo verde, mas precisamos lembrar do que o capitalismo tem medo. Ele tem medo de pessoas bem informadas e conscientes”.

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Fotos por Sérgio Silva / Fundação Perseu Abramo