Eleitorado boliviano decidiu se o Presidente e o Vice-presidente da República podem ou não ser reeleitos duas vezes consecutivas

Ano 3 – nº 40 – 25 de fevereiro de 2016
 

Referendo constitucional na Bolívia

Neste último domingo, 21 de fevereiro, eleitorado boliviano foi às urnas para votar no referendo constitucional que decidiu se o Presidente e o Vice-presidente da República poderiam ser reeleitos duas vezes consecutivas. A campanha pelo Sim foi liderada pelo presidente Evo Morales, pelo vice-presidente Álvaro Garcia Linera, pelo Movimento al Socialismo e por movimentos sociais.

Nas semanas anteriores à votação, as pesquisas indicavam um empate entre as duas posições, mas também uma alta taxa de indecisos (por volta de 20%), que dificultavam qualquer projeção.

Com 99,82% das atas computadas, o resultado divulgado pelo Órgão Eleitoral Plurinacional aponta 51,29% para o Não à reeleição consecutiva e 48,71% para o Sim. O Não foi majoritário nos departamentos de Chuquisaca, Potosí, Tarija, Santa Cruz, Beni e Pando. O Sim venceu nos departamentos de Cochabamba, Oruro e La Paz.

Vale notar que desde segunda-feira esta margem veio se estreitando a cada nova atualização, já que as primeiras atas eleitorais processadas vieram dos centros urbanos e, por outro lado, os votos do interior, majoritariamente indígena e camponês, apoiadores do Sim, demoram mais para serem apurados. Justamente por este motivo, frente às primeiras parciais, tanto o presidente Evo Morales, quanto o vice Álvaro Garcia Linera insistiram na necessidade de se esperar o resultado final. Nesta quarta-feira, 24 de fevereiro, em discurso transmitido pela televisão, Morales reconheceu a derrota no referendo, afirmando que “perderam uma batalha, mas não a guerra”.

Ao longo dos últimos dez anos, o governo Evo logrou significativas taxas de crescimento econômico e altos investimentos em saúde, educação e combate à pobreza, facilitados pela nacionalização dos recursos naturais, que até recentemente passavam por um ciclo de valorização no mercado internacional. Estabilidade econômica, crescimento, redução da pobreza e erradicação do analfabetismo vêm garantindo ao Presidente Evo Morales taxas de popularidade e aprovação bastante altas. Contudo, o desafio deste referendo era converter esta popularidade em apoio ao Sim nas urnas.

Análise de Pablo Stefanoni no Le Monde Diplomatique aponta que este resultado significa uma perda de apoio entre eleitores das grandes cidades e das regiões opositoras da chamada meia lua, como o departamento de Santa Cruz. Embora não sejam fiéis ao MAS, o partido vinha conquistando votos nestes setores no último período.

O presidente Evo Morales desempenha atualmente seu segundo mandato sob as regras da Constituição referendada em 2009. Em 2014, Evo foi reeleito com 61%, e com uma diferença de 37% em relação ao segundo lugar, Samuel Doria Medina (que ficou com 25% dos votos naquele pleito). O atual mandato termina no final de 2019. O resultado do referendo, portanto, não tem implicações legais sobre este mandato, mas, se confirmada a vitória do Não, impediria que Morales seja candidato nas próximas eleições e colocará desde agora o tema da sucessão.

Até o momento, a oposição não tem um projeto alternativo ou uma liderança que unifique os setores contrários ao governo. Apesar disso, o caráter plebiscitário de apoio ou não ao governo adquirido pela votação, facilitou a aglutinação destas forças na campanha do Não. Além do argumento da alternância de poder, a estratégia da oposição foi desgastar o governo explorando denúncias de corrupção, com apoio central da mídia local e internacional. Em um primeiro momento da campanha, estas denúncias tiveram como foco o caso do Fundo Indígena, já investigado pela Justiça, que decretou a prisão de uma ex-ministra do governo e de um senador do MAS, entre outros envolvidos. Nas últimas semanas antes do referendo, as atenções se voltaram diretamente para o Presidente, numa acusação de tráfico de influência, supostamente por parte de Morales em um caso que envolve o emprego de sua ex-namorada em uma empresa chinesa com contratos com o governo.

Em entrevista publicada no último domingo, o próprio presidente mencionou o impacto das divisões internas do MAS e de casos de corrupção em governos municipais na perda de apoio eleitoral. Vale lembrar que, após a polarização nos anos iniciais, a partir de 2010, os êxitos do governo, bem como uma estratégia pragmática com relação à oposição levaram a um crescimento na base política do partido, inclusive com a filiação ao MAS de políticos oriundos da oposição. Outro ponto levantado pelo Presidente é a mudança no perfil da sociedade boliviana, com a ascensão social de amplas camadas da população e o surgimento de novas demandas políticas.

Alguns analistas comentam que um problema mais amplo vem do fato de pela primeira vez Morales não ter uma agenda clara para aprofundar as mudanças no país (a campanha pelo Sim centrou-se na manutenção da estabilidade e na defesa das conquistas). Apesar dos resultados positivos de uma série de indicadores sociais na última década, a base de sustentação econômica vem de um modelo extrativista, de exportação de matérias-primas e, neste cenário, mudanças mais profundas rumo à industrialização formam parte de um discurso ainda vago.

Os resultados da votação devem ter implicações importantes para o cenário político boliviano. Em primeiro lugar, embora não tenha efeito legal sobre o atual mandato de Evo, certamente terá um efeito político. O desgaste durante a campanha do referendo e o ressurgimento da polarização político-social devem se refletir nas taxas de aprovação ao governo nos próximos meses, em um cenário mais difícil em termos econômicos, dada a lenta recuperação da economia global, a queda no preço das commodities e o maior impacto sobre os países em desenvolvimento no último período. A impossibilidade de concorrer novamente em 2019 também colocará em pauta o tema da sucessão, o que pode alimentar divisões no interior do partido, bem como na base de apoio dos movimentos sociais. Por outro lado, o desafio de um nome capaz de unificar as bases políticas também está colocado para a oposição, que até o momento não tem uma liderança nacional com este perfil.

* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade do sua autora, não representando a visão da FPA ou de seus dirigentes.

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