Argentina realizou segundo turno do qual saiu vitorioso com estreita margem de votos o candidato oposicionista Mauricio Macri

Ano 2 – nº 32 – 25 de novembro de 2015
 

A vitória de Macri na Argentina

No último domingo, 22 de novembro, a Argentina realizou um inédito segundo turno presidencial, do qual saiu vitorioso com estreita margem de votos o candidato oposicionista Mauricio Macri. Embora a maioria das pesquisas indicasse uma margem de cerca de 9%, Macri obteve 51,4% dos votos válidos, frente a 48,6% de Daniel Scioli.

A vitória de Macri, pelo partido de direita não peronista Proposta Republicana (em coalizão com a União Cívica Radical e outros partidos na aliança Cambiemos), põe fim a 12 anos de governos kirchneristas. Ao longo de três mandatos, os presidentes Nestor e Cristina Kirchner promoveram a recuperação econômica da Argentina após a crise de 2001, taxas muito significativas de redução da pobreza (que chegaram a atingir mais da metade da população no período da crise) e uma forte agenda de promoção de direitos humanos e punição aos crimes cometidos durante a ditadura militar.

Com uma campanha baseada em um discurso de modernização e abertura econômica e a promessa de não reduzir programas sociais, o próximo governo argentino promete mudanças significativas na agenda econômica e internacional, embora haja questionamentos sobre a margem de manobra para a implementação destas mudanças.

De acordo com declarações do então candidato Macri e seus assessores, as medidas devem incluir: ajuste fiscal, fim do controle da taxa de câmbio e desvalorização do peso, fim das restrições de compra e venda no mercado cambial e fim da taxação às exportações. Espera-se também um possível acordo com os chamados fundos abutres (que atualmente bloqueiam o pagamento dos credores a partir da decisão de um juiz estadunidense favorável a investidores que não aceitaram a reestruturação da dívida). Embora inicialmente a promessa fosse de uma rápida implementação destas medidas, declarações do presidente eleito na coletiva de imprensa realizada ontem dão indícios de mudanças mais graduais, tanto pelas implicações de uma rápida desvalorização do peso nas taxas de inflação, pelo cenário internacional de crise e pela necessidade de pactuar as futuras políticas do governo em um Congresso no qual não tem maioria.

A primeira polêmica na imprensa argentina veio da área de direitos humanos, a partir de um editorial virulento do jornal La Nación contra a política kirchnerista de julgamento e punição dos criminosos da ditadura militar, no qual o diário afirma que a eleição de Macri traz um momento propício para “acabar com as mentiras sobre os anos 70”. O editorial viralizou nas redes e demandou uma resposta de Macri, que afirmou que “a Justiça seguirá trabalhando e os julgamentos vão continuar”. A resposta tem dado margem à interpretação de que, embora o tema das violações de direitos humanos na ditadura deva seguir na agenda do Judiciário, provavelmente deixará de ser um política de Estado.

Ainda em sua primeira coletiva de imprensa, Macri comentou temas relativos à integração regional, reforçando a sinalização de uma postura mais pró-mercado e abertura comercial, expressa no desejo de concluir o acordo Mercosul-UE ainda em 2016 e de aproximação com a Parceria Transpacífica. Além dos temas comerciais, até o momento a diferença política mais evidente veio na forte retórica contra o governo de Nicolas Maduro, com o anúncio de que a Argentina pedirá a suspensão da Venezuela do Mercosul, com base na cláusula democrática do bloco, confirmando a aproximação ideológica de Macri com forças políticas de direita em outros países da região, que comemoraram fortemente sua vitória. Como qualquer decisão no âmbito do Mercosul deve ser tomada por consenso e não há nenhum tipo de apoio apoio a medidas contra a Venezuela por parte do Brasil e do Uruguai, as afirmações de Macri devem ser interpretadas neste momento como demarcação de posições políticas para sua base doméstica e seus simpatizantes latino-americanos.

Apesar da retórica anti-Venezuela, há expectativa de relações pragmáticas com o Brasil, que deve ser o primeiro destino internacional do presidente eleito. A relação bilateral é prioritária para os dois países. Ainda que as declarações de Macri na campanha defendessem a flexibilização do Mercosul para que seus membros pudessem assinar acordos bilaterais de comércio com terceiros países – o que encontra eco entre liberais no Brasil, majoritariamente na oposição, mas também entre alguns setores do governo – por enquanto, é prematuro falar em fim da tarifa externa comum e retrocesso do Mercosul para uma área de livre comércio. Mas o risco existe.

No Brasil, dada as divergências internas na base de apoio ao governo com relação ao ajuste fiscal e às medidas para retomar o crescimento econômico, a eleição de Macri fortalece os setores que defendem um perfil mais comercial para o Mercosul e a ampliação de acordos de livre comércio com terceiros países. No caso do acordo com a União Europeia, por exemplo, o desejo de concluir as negociações até 2016 também vem sendo manifestado por setores do governo brasileiro, como o ministro Armando Monteiro (MDIC). O acordo é fonte de preocupação para movimentos sindicais e sociais na região, dado o temor de que possa contribuir com um processo de desindustrialização e perda de empregos, bem como com a redução das margens de elaboração de políticas públicas a partir da adoção de regras de orientação mais liberal na área de serviços, investimentos e propriedade intelectual.

* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade do sua autora, não representando a visão da FPA ou de seus dirigentes.

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