Europa vive onda conservadora e direita e extrema-direita ganham musculatura política

FPA Informa - Internacional 30

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Ano 2 – nº 30 – 10 de novembro de 2015
 

Crescimento de forças políticas de direita e extrema-direita na Europa

Nesta terça-feira, 10 de novembro, a imprensa noticiou que o primeiro-ministro inglês, James Cameron, enviou proposta de reforma ao presidente da Comissão Europeia, Donald Tusk, para ampliar a independência dos Estados membros frente à União Europeia. A proposta inclui aumentar a competitividade internacional do bloco, suspender por quatro anos benefícios sociais a cidadãos de países membros da UE que trabalham no Reino Unido e ampliar os poderes dos parlamentos nacionais para bloquear legislação europeia. A iniciativa faz parte do programa de governo dos conservadores que inclui, caso não haja reformas, a realização de um plebiscito para a saída do Reino Unido da UE.

Há pelo menos duas décadas diversos países europeus vêm registrando o crescimento de posições políticas eurocéticas, intensificadas com o impacto da crise econômica. Em linhas gerais, a crítica de setores de esquerda se refere ao viés neoliberal da integração europeia, centrada no mercado e apoiada por frações do capitalismo transnacionalizado, como ficou evidente com o desenrolar da crise grega ao longo deste ano. Por outro lado, a postura eurocética de Cameron (que reflete aliás uma resistência histórica do Reino Unido à supranacionalidade da integração) se situa no campo da direita, em defesa de maior liberdade de mercado e crítica à UE justamente pela manutenção de políticas sociais em combinação com o neoliberalismo.

Este euroceticismo ascendente apresenta diversos motivos e se manifesta em agrupações políticas também bastante diferenciadas, como será comentado adiante. Em muitos casos se soma a posições nacionalistas e anti-imigração, reforçadas pela onda de refugiados que tem chegado ao continente este ano.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) divulgou recentemente dados sobre o fluxo de refugiados na Europa, que alcançou o número recorde de 218 mil em outubro. O Acnur espera que até o final de 2015 os refugiados que já chegaram e ainda chegarão ao continente alcancem a cifra de 1 milhão, com média de 5 mil pessoas por dia entre novembro e fevereiro de 2016. A expectativa é de 3 milhões até 2017. Dados do Alto Comissariado apontam que 770 mil refugiados chegaram pelas rotas do Mediterrâneo. 52% são sírios, 19% afegãos, 6% iraquianos e 5% eritreus. Do total, 626 mil chegaram pela Grécia, para alcançar a Alemanha pela rota dos Bálcãs. 65% são homens, 14% mulheres e 20% crianças.

Apesar da solidariedade expressa por parte da população em diversos países, relatos de ataques violentos aos refugiados também têm sido frequentes. Embora posições críticas sejam encontradas em todo o espectro político, pesquisas de opinião reforçam a correlação entre posições ideológicas de direita e a crítica à entrada de imigrantes/refugiados. Praticamente todos os partidos de direita e extrema-direita que vêm se fortalecendo nos últimos anos adotam um discurso contra a presença de imigrantes. A justificativa vai desde argumentos econômicos relacionados ao emprego e renda até justificativas abertamente racistas e, no limite, neonazistas. Há também em comum o discurso crítico à União Europeia. Mas há diferenças significativas com relação à agenda econômica (de visões liberais no Reino Unido a posturas mais intervencionistas e críticas ao mercado como a Frente Nacional na França) e a pautas relacionadas aos costumes (desde uma postura católica ultraconservadora na Polônia, por exemplo, à moderação do discurso de Marine Le Pen sobre aborto e temas LGBT).

O crescimento destas forças políticas também é bastante variado. Grosso modo, seria possível destacar dois grupos: em países como Alemanha e Grécia, o crescimento da extrema direita é expressivo, mas no momento estes partidos não chegam a representar reais alternativas de poder; são casos nos quais a novidade é que estas forças políticas ultrapassaram (ou chegaram perto de ultrapassar) as cláusulas de barreira e conseguiram representações nos Parlamentos nacionais e/ou locais. Por outro lado, há um segundo grupo no qual partidos de direita ou extrema-direita têm crescido significativamente em votos e/ou pesquisas, tornando-se uma terceira força política, no mesmo patamar da centro-direita e da social-democracia. Na Suécia, por exemplo, pesquisas recentes chegaram a situar os Democratas Suecos como o partido mais popular. Na França, as pesquisas apontam que Marine Le Pen chegaria ao segundo turno em 2017. Mesmo que a tendência atual se confirme, não seria inédita, já que em 2002, Jean-Marie Le Pen ultrapassou o socialista Lionel Jospin e foi ao segundo turno contra Chirac. Ainda assim, o panorama europeu parece indicar atualmente uma tendência mais disseminada e consistente.

A Polônia realizou eleições parlamentares há poucas semanas, no final de outubro. Pela primeira vez desde 1989 não haverá nenhum representante de esquerda ou centro-esquerda no legislativo polonês. A democracia cristã organizada no Plataforma Cívica perdeu 15% dos votos e não conseguiu um terceiro mandato. O partido conservador, nacionalista e eurocético Direito e Justiça (PiS) alcançou 37,5% dos votos e formará o novo governo, com a primeira-ministra Beata Szydlo. Outros três partidos de direita terão representação parlamentar. A frente de esquerda alcançou 7,6% dos votos, mas a cláusula de barreira é de 8% para coligações (5% para partidos sozinhos).

Alemanha é um caso especial, já que expressões de direita nacionalista foram praticamente banidas desde o fim da Segunda Guerra. Por vários anos, a única opção eleitoral de extrema-direita era o Partido Democrático Nacional, que nunca ultrapassou a cláusula de barreira. Em 2013 um grupo de economistas lançou o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), contra as respostas à crise da Zona do Euro. No último ano, o AfD tem incluído a questão migratória e críticas à atual política de Angela Merkel para os refugiados, aliando assim antigos conservadores à extrema-direita. Embora não tenha ultrapassado a barreira de 5% nas eleições nacionais, entre 2014 e 2015, o AfD tem conseguido representações em eleições regionais em Brandemburgo, Bremen, Saxônia e Turíngia. Para além das alternativas parlamentares, o país também tem visto o crescimento de movimentos neo-nazistas como o Pegida (Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente), com forte base em Dresden – e com ramificações no Reino Unido, França e Espanha – e o HoGeSa (Hooligans contra Salafistas), com base em Colônia. A imprensa tem noticiado diversos ataques violentos a refugiados nos últimos meses, além de casos como a infiltração de neonazistas que desempenhavam funções de segurança num abrigo e o ataque à nova prefeita de Colônia, Henriette Reker, que foi esfaqueada por suas políticas em relação a este tema.

Apesar das vitórias eleitorais do Syriza, vale notar que a Grécia também tem um movimento de extrema-direita ascendente, o Aurora Dourada. No ano passado o partido conquistou 9,4% dos votos para o Parlamento Europeu. Nas eleições legislativas de janeiro e setembro conquistou respectivamente 6% e 7% dos votos. O líder do partido e outros 12 membros passaram por períodos de prisão preventiva por participação num grupo ligado ao assassinato de um rapper antifascista em 2013.

A extrema-direita francesa, organizada na Frente Nacional, tem mudado sua estratégia e seu discurso em alguns tópicos desde que Marine Le Pen substituiu o pai na direção do partido em 2011. Marine conquistou 17,9% nas eleições presidenciais de 2012 e o partido chamou a atenção no ano passado quando alcançou o primeiro lugar na votação para o Parlamento Europeu, com cerca de 25% dos votos. As análises sobre a França têm destacado uma mudança na estratégia eleitoral da FN, que busca passar de um voto de protesto em âmbito nacional para uma alternativa enraizada em todo país, de forma a sustentar a candidatura de Le Pen em 2017. Desse modo, o partido apresentou candidatos em 95% dos municípios na eleições locais deste ano. Seguindo a mesma estratégia, Le Pen é candidata (e favorita) ao governo do departamento Nord-Pas-de-Calais-Picardie, registrando atualmente cerca de 46% das intenções de voto. As eleições serão em dezembro próximo. Sua sobrinha e deputada nacional também tem chances de se eleger em Provence-Alpes-Côte d’Azur. Sarkozy e aliados devem vencer em sete regiões e o PS, em três.

No Reino Unido, além do próprio governo Cameron, o cenário da direita inglesa inclui a votação de 12,6% obtida pelo Partido da Independência do Reino Unido (Ukip – eurocético, anti-imigração e liberal do ponto de vista da economia) nas eleições legislativas deste ano. Entre 1997 e 2010, o Ukip passou de 0,3% a 3,2% dos votos. O maior crescimento veio em 2014 nas eleições para o Parlamento Europeu, quando obteve 26% dos votos. Também neste caso registra-se uma mudança na estratégia do partido que, desde 2011, passou a participar de forma mais sistemática de eleições municipais.

Em 2010, o partidos dos Democratas Suecos (extrema-direita) ultrapassou pela primeira vez a cláusula de barreira e chegou ao Parlamento do país escandinavo. Nas eleições do ano passado o grupo alcançou quase 13% dos votos. As próximas eleições ocorrem somente em 2018, mas pesquisas de intenção de voto apontam atualmente um crescimento muito expressivo: os Democratas Suecos têm hoje entre 18% e 20% das intenções de voto; a Social Democracia entre 23% e 27%; o Partido Moderado entre 20% e 23%. Sondagens realizadas em setembro chegaram a situar os Democratas Suecos na primeira colocação, com 25% a 27% de apoio. Recentemente, três dos quatro partidos de centro-direita na oposição sinalizaram discursos mais duros sobre as políticas de imigração e refúgio.

Nas eleições de junho na Dinamarca, a extrema-direita alcançou o segundo lugar, com 21,1% dos votos para o Partido Popular Dinamarquês (DPP). Este resultado é bem superior aos 12,3% obtidos nas eleições anteriores, em 2011. A social-democracia foi o partido mais votado (26,3%), mas foi formado um governo minoritário pelo Partido Liberal, que obteve 19,5% dos votos (queda de sete pontos percentuais comparado às eleições anteriores). Apesar de não integrar o gabinete, o governo conta com o apoio do DPP e do Partido Conservador.

O Partido dos Finlandeses (nacionalista, anti-imigração) conquistou 17% dos votos nas eleições deste ano e integra a coalizão de governo liderada pelo Partido do Centro. O crescimento da agremiação já tinha ocorrido nas eleições de 2011, quando obtiveram 19% dos votos (mesmo percentual da social-democracia e 15 pontos acima das eleições anteriores). Da perspectiva econômica, as forças de extrema-direita nos países nórdicos aliam o conservadorismo e o nacionalismo a um discurso econômico que mantém elementos do Estado de bem-estar social.

A Áustria tem há bastante tempo uma extrema-direita forte com o Partido da Liberdade, que em 1999 obteve o primeiro lugar nas eleições legislativas e formou governo com o Partido Popular Austríaco (ÖVP). Desde 2007, o país é governado por uma coalizão do ÖVP com a social-democracia (SPÖ). Nas eleições locais deste ano o Partido da Liberdade dobrou sua votação, alcançando 30% dos votos. O partido popular obteve a melhor votação, com 36,4% (mas caiu dez pontos percentuais) e a social-democracia perdeu seis pontos, ficando com 18,4%. Recentemente, pesquisas de intenção de voto nacionais apontam o Partido da Liberdade em primeiro lugar, com 30%.

Desde 2010 a Hungria é governada pelo partido conservador Fidesz, do presidente Viktor Orban, em coalização com o partido popular democrata cristão. O Fidesz é o partido mais popular do país, tem maioria em todas as assembleias estaduais e governa a maioria das prefeituras. As últimas eleições também viram o crescimento da extrema-direita, com traços neonazistas, Jobbik, de 2,2% em 2006 para 20,3% em 2014. Análises indicam aproximação entre os dois partidos em torno de uma agenda ultranacionalista.

Na Itália, embora o Partido Democrático lidere uma coalizão centrista em âmbito nacional e governe 15 das 20 regiões do país, o crescimento da direita se expressa atualmente em duas frentes: por um lado a aliança da Liga do Norte com um movimento neofacista chamado CasaPound. A Liga do Norte, que começou como um partido separatista, mudou seu foco nos últimos anos, se expandindo para outras regiões do país. Com o desgaste de Berlusconi (partido Força Itália), parece estar em curso uma mudança na liderança deste segmento, para a figura de Matteo Salvini. A outra frente veio do expressivo resultado alcançado em 2013 pelo movimento Cinco Estrelas, do ex-comediante Beppe Grillo (25% dos votos). Embora o Cinco Estrelas adote um discurso quase antipolítico, contra a esquerda e a direita, seu alinhamento no Parlamento Europeu sinaliza a direção: integraram o grupo Europa pela Liberdade e Democracia Direta, ao lado de partidos como o Ukip e os Democratas Suecos. Apesar do bom desempenho em 2013, divergências internas e a manutenção de uma posição “antipolítica” têm dificultado resultados concretos para o Cinco Estrelas. Ainda que o movimento mantenha um discurso de horizontalidade nas decisões, na prática a liderança de Grillo já tem causado divisões: das eleições de 2013 a abril deste ano, 35 parlamentares (entre 163 deputados e senadores) deixaram o partido. As próximas eleições nacionais só ocorrem em 2018, mas no ano que vem as eleições municipais devem ser um termômetro para o enraizamento do Cinco Estrelas. Nas eleições deste ano, em sete regiões, o partido de Grillo esteve na segunda ou terceira posição, com votações entre 15% e 25%.

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