‘Não estamos inventando a roda’, diz Jilmar Tatto
O secretário de Transportes da cidade de São Paulo, Jilmar Tatto, participou do último entrevistaFPA, em 8/10. Confira a íntegra
Por David da Silva Jr.
Em 8 de outubro, o entrevistaFPA recebeu o secretário de Transportes da cidade de São Paulo, Jilmar Tatto. Dentre os secretários da equipe do prefeito Fernando Haddad, Tatto ganhou destaque por estar à frente de uma reorientação da política de transportes sem precedentes na história do país.
Sob coordenação do diretor da Fundação Perseu Abramo, Joaquim Soriano, a entrevista durou pouco mais de uma hora. Alguns trechos podem ser conferidos no texto abaixo e a íntegra no vídeo ao fim do texto.
PNMU
Tatto iniciou a entrevista deixando claro que a Prefeitura de São Paulo não está inventando nada no que tange à política de transportes, apenas coloca em prática o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). “O PNMU, lei federal, diz claramente que devemos priorizar primeiro os pedestres, depois os transportes não motorizados, em terceiro lugar o transporte público, em quarto o transporte de cargas e em quinto a motocicleta e o carro”. O secretários seguiu tratando das ações da Prefeitura para adequação da cidade ao que propõe o plano, como a recuperação de calçadas; criação de ciclovias, ciclofaixas, faixas exclusivas e corredores de ônibus; adequação de vias para facilitar a circulação de pedestres; conexão entre modais de transportes e entre as regiões; dentre outras.
Ocupação das vias
O secretário fez questão de diferenciar mobilidade de políticas como alargamento de pistas, construção de túneis e viadutos. “O viário da cidade de São Paulo é suficiente, o problema é que não é democrático. O usuário do carro reclama da faixa exclusiva para ônibus, da ciclovia e às vezes até das calçadas para os pedestres, mas esquece que já ocupa 80% do espaço”. Para ele, a malha viária não deve ser pensada para o carro e sim para a circulação das pessoas. Como exemplo da inversão normalmente cometida por gestores públicos, Tatto citou a construção de passarelas. “Se o PNMU diz que a prioridade é o pedestre, a passarela é uma excrescência. Porque desvia o pedestre de seu percurso, em nível, para dar a prioridade aos carros”.
Para ele, o debate de fundo é a democratização do espaço. “Nós precisamos desprivatizar o espaço público. Tem indivíduo que deixa o carro estacionado na via, e deixa lá o dia todo. Um espaço que só ele pode usar. Nos últimos anos, vivemos um processo de privatização do espaço público”. Para desprivatizar e democratizar o espaço público, o secretário entende que deve haver uma ocupação pública dos espaços, o que só é possível com a criação de políticas que façam com que as pessoas deixem os espaços privados para se relacionarem em espaços. Neste sentido, a Secretaria de Transporte tem investido em políticas como a abertura de vias para o convívio entre pessoas, a instalação de rede wi-fi e ar condicionado nos ônibus, o alargamento de calçadas e passeios etc.
Corredores e faixas exclusivas
A Prefeitura de São Paulo tem dado preferência à criação de faixas exclusivas e não de corredores de ônibus. “Eu sou entusiasta das faixas exclusivas à direita da via. Primeiro por custar pouco, segundo por possibilitar a segregação de modais e terceiro por não obrigar o pedestre a atravessar a via até o canteiro central. O pedestre sobe e desce do ônibus na mesma calçada em que trafega. É importante ter corredor para viagens de longa distância. Para viagens de curta distância, este não é necessário”.
Ônibus X Metrô
Quando questionado sobre o impacto do metrô na mobilidade, Tatto é categórico. “A única solução para o transporte de passageiros na cidade de São Paulo é a ampliação do metrô, ou seja, transporte de massa. O ônibus deve ser um complemento”. O secretário afirma que a incompetência do Governo do Estado para ampliar o metrô atinge de forma grave a mobilidade na cidade. “Ciente disso, o prefeito Haddad tem investido dinheiro no metrô, mesmo não sendo de competência da Prefeitura”. Entretanto, o governo tucano investe mal e não amplia a rede, tendo tornado um projeto de monotrilho (normalmente muito mais barato que a construção de linhas de metrô) que talvez nem chegue a funcionar tão caro quanto um de metrô. “A cidade de São Paulo precisa de uma rede metroviária que não sobrecarregue o transporte sobre pneus”.
Passe livre
Na entrevista, Tatto também foi questionado sobre a possibilidade de universalização da gratuidade no transporte. O secretário lembrou que a cidade de São Paulo tem hoje em torno de meio milhão de habitantes que recebem o passe livre estudantil e 200 mil idosos com acesso a gratuidade. Para ele, o que limita a possibilidade de que este direito seja universalizado é o problema do financiamento, pois hoje o Estado não tem condições de sustentar a universalização. Diversas políticas de financiamento vem sendo discutidas e o secretário enxerga a possibilidade em um horizonte próximo.
Segurança
Questionado sobre a segurança dos ciclistas que trafegam nas ciclofaixas ao lado de veículos pesados, Tatto deixou claro que é necessário educar os usuários de todos os modais para que respeitem o espaço destinado ao outro. Para melhorar a segurança e o trafego para todos, a Prefeitura de São Paulo tem investido em políticas de baixo custo e alto impacto, como a redução da velocidade máxima permitida nas vias urbanas para uma faixa segura de velocidade, o que diminui a quantidade de acidentes, a letalidade no transito e aumento a velocidade média e capacidade de fluxo nas vias. Só essa medida já foi o suficiente para reduzir a letalidade do trânsito na cidade de 12 para nove pessoas por 100 mil habitantes, ou seja, São Paulo já conseguiu atingir metade da meta acordada com a ONU para ser batida até 2020.
Uber
Mesmo sendo um serviço individual, o secretário enxerga o Uber como um serviço de utilidade pública. “Nós não podemos ser contra a tecnologia. Temos que dialogar. É um serviço novo, com grande aceitação da população, mas nós achamos que o Estado não pode abrir mão da ocupação do espaço público e da regulação”. Segundo Tatto, para impedir o monopólio e criar uma nova categoria de serviços, na qual o Uber se enquadre, a Prefeitura já tem canais de discussão abertos com os setores envolvidos. Entretanto, pondera que há uma legislação federal que impede que veículos sem taxímetro ofertem transporte individual de passageiros. Esta também precisaria ser revista. De qualquer forma, o secretário avisa que em breve a Prefeitura deve construir uma resposta a esta problemática que sirva de modelo para o Brasil, talvez para o mundo.
Fotos por Marcio de Marco
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