FPA debate, em Salvador, experiências da esquerda e o golpismo no Brasil e América Latina
A série Encontros de Memória e História, uma Etapa Livre do 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, é organizada pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda
Realizada na Universidade Federal da Bahia, a série Encontros de Memória e História, uma Etapa Livre do 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores, organizada pelo Centro Sérgio Buarque de Holanda (CSBH), uma iniciativa da Fundação Perseu Abramo, reuniu nesta quarta-feira, 27 de maio, das 14 às 21 horas, duas mesas de debates sobre os “Partidos de esquerda e Estado: experiências da esquerda no poder público” e “Golpismo no Brasil e na América Latina, ontem e hoje”.
Com transmissão da tevêFPA, o evento reuniu estudantes, pesquisadores e intelectuais de várias partes do Brasil e da Bahia. E deu continuidade à serie iniciada no último dia 13 de maio, na Universidade de São Paulo (USP), com a conferência “Marxismo e romantismo revolucionário, de Karl Marx a José Carlos Mariátegui”, com o professor Michael Löwy.
As atividades foram coordenadas por Luciana Mandelli, diretora da Fundação Perseu Abramo, que ressaltou que essa iniciativa do CSBH, da FPA, “é um debate da esquerda brasileira. Não e só do PT. O objetivo e abrir esse debate”. Luciana agradeceu aos palestrantes presentes, bem como os parceiros envolvidos na Bahia e em São Paulo.
A primeira mesa “Partidos de esquerda e Estado: experiências da esquerda no poder público” teve a moderação de Sérgio Armando Diniz Guerra, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), e apresentações de Marília Mattos Antunes, mestranda em História Social pela USP; Carla de Paiva Bezerra, doutoranda em Ciência Política pela USP; e Cláudio André de Souza, professor de Ciência Política da Universidade Católica do Salvador-UCSAL e doutorando em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia-UFBA.
A segunda mesa teve moderação de Luciana Mandelli e tratou sobre o “Golpismo no Brasil e na América Latina, ontem e hoje” e reuniu os seguintes debatedores: Ricardo Moreno, professor de História da UNEB; Mônica Valente, secretária de Relações Internacionais do PT; e Jean Tible, professor da Universidade de São Paulo.
Partidos de esquerda e Estado: experiências da esquerda no poder público
Marília Mattos Antunes, mestranda em História Social pela USP, debateu “Os impasses da esquerda no governo Allende e o discurso gradualista nos Cuadernos de Educación Popular (Chile 1970-1973). Para a pesquisadora esse debate é muito importante e essa análise ajuda no processo de se entender o que ocorreu no governo Allende, mas ajuda a entender, também, o que ocorre hoje.
Em sua análise, Marília verifica que, apesar de deixar transparecer as divergências estratégicas existentes dentro da esquerda, a coleção “procura adotar um discurso conciliador e conclama a esquerda a unir- se contra os ‘inimigos da revolução’: os latifundiários, a burguesia monopólica ligada ao capital estrangeiro e o imperialismo estadunidense.
Estes elementos, segundo a pesquisadora, mostram que “o governo Allende não teve que enfrentar apenas a feroz oposição dos setores reacionários da elite chilena e do imperialismo norte-americano, mas que teve como desafio construir uma unidade dentro da esquerda chilena, que, apesar de ter como objetivo comum a revolução socialista, dissentia intensamente no que diz respeito aos métodos para atingi-la”.
Carla de Paiva Bezerra, doutoranda em Ciência Política pela USP, falou sobre “Do poder popular ao modo petista de governar”. A pesquisadora, que usou como base de sua pesquisa várias publicações da FPA e do PT, ao longo dos 35 anos, mostrou que houve uma mudança ao longo do tempo na forma que o partido trata a participação. “Os petistas se organizaram inicialmente a partir de algumas diretrizes: um partido em favor da ‘classe trabalhadora’ e dos ‘setores oprimidos’. Segundo Carla, o partido também é “crítico do regime militar e das instituições políticas tradicionais”. Para ela, o PT “se colocava como defensor de uma concepção de democracia que permitisse a ampla participação da população nos processos decisórios, um ‘socialismo democrático’.
Nesse contexto, a forma de concretizar o ideário participativo também foi se modificando ao longo da história do PT. Se antes se dava pelo orçamento participativo, hoje ela ocorre por meio de conferências. “Tais mudanças não ocorrem automaticamente, mas são permeadas por disputas e dilemas, e implicam em alterações no próprio significado da participação para o partido”.
Cláudio André de Souza, professor de Ciência Política da Universidade Católica do Salvador (UCSAL), e doutorando em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), buscou em sua apresentação debater e compreender as mudanças recentes do PT e se o partido ainda representa e mantém vínculos com os movimentos sociais e atores organizados inspiradores da sua fundação em 1980.
A partir da experiência mostrada em sua tese “Dentro e fora das ruas: a influência dos movimentos sociais nos mandatos parlamentares do PT em Salvador (2005-2010)”, Souza sintetiza que a “a atuação parlamentar do PT mostra-se ainda conectada aos movimentos sociais tradicionais na representação do partido, o que aproxima esta pesquisa dos resultados encontrados por boa parte da bibliografia sobre o partido, no qual conclui-se que apesar da dramaticidade embutida nos aspectos do lulismo e a arbitragem de interesse (Singer, 2012), o PT ainda fala e age em nome dos movimentos sociais”. Por fim, colocou em questão “qual o futuro dessa perspectiva, para o partido como um todo, pois, agora, o PT precisa abarcar outros interesses e apoios?”
Golpismo no Brasil e na América Latina, ontem e hoje
A segunda mesa de debates teve início com a fala de Jean Tible, professor da Universidade de São Paulo, que citou alguns fatores que para ele foram importantes nesse processo democrático recente na América latina e no Brasil. Entre eles, citou o aumento da desigualdade em países em desenvolvimento, como Índia e China – o que não ocorreu no Brasil. A entrada de novos atores em cena, como na Bolívia, de Evo, em que teve que enfrentar a “guerra da água”, como exemplo. Outro fator citado foi a integração, pois o continente rejeitou a Alca, ao mesmo tempo que procurou fortalecer o Mercosul, a Unasul e outros mecanismos que foram criados.
Apesar disso, Jean disse que “não conseguimos radicalizar a democracia. A integração ainda não é eficiente. Ela precisa ser mais forte”. Para o professor, não podemos desprezar a dimensão geopolítica. “A questão do enfraquecimento da Petrobras está inserida nesse debate. Estamos no teto do nosso ciclo progressista. As instituições, em geral, estão em crise. A UNE não representa os estudantes. Os sindicatos também não, os partidos também não. A democracia está sendo questionada. E isso não é ruim. Qualquer fantasma de golpe, se vai se fortalecer ou não, vai depender de como avançaremos em nosso desenvolvimento. Temos novos desafios”,
ponderou.
Mônica Valente, secretária de Relações Internacionais do PT, fez uma explanação histórica dos golpes e de como eles eram estruturados. “Vivemos muitos golpes de Estado, via de regra organizados pelas forças armadas, com o apoio dos Estados Unidos. Esses golpes tinham como desculpa combater o comunismo. Vivíamos o ambiente da guerra fria. Isso tinha um certo apela na população. O que estabeleceu uma disputa ideológica. O que levava os setores da burguesia, da imprensa e da igreja a apoiar esses golpes”.
Em sua fala, Mônica destacou que, passado esse perídio e com a volta aos poucos da democracia, o cenário começa a mudar. “Com a eleição do Chávez (Venezuela), depois a do Lula (Brasil), do Rafael Corrêa (Equador), do Evo (Bolívia). Todos com perfis de esquerda e com programas de desenvolvimento tendo o povo como prioridade. Esse bloco começou a liderar uma força de contrapondo mundial e decreta o fim da Alca”, exemplificou.
Uma parte dos nosso problemas são internos, são nossos [dos países], são políticos, segundo a secretária. Mas por outro lado, explicou que não podemos deixar de considerar os golpes brandos, que se utilizam de outros mecanismos de disputa e aproveitam dessas fragilidades locais: como aumento da inflação na Venezuela, a mobilidade urbana no Brasil.
“Não é mais o uso das forças armadas. O próprio ideário neoliberal incute o individualismo. Tem influência do capital financeiro e das transnacionais, que também se fortalecem com essas fragilidades. Mais do mesmo não vai resolver. Precisamos avançar na integração regional. E do ponto de vista político, precisamos aprofundar a democracia. As conferências precisam dar o passo seguinte”, refletiu. Para Mônica, o partido precisa fazer a disputa de valores da campanha do ódio contra o PT: “Se o partido não fizer ninguém vai fazer”.
Ricardo Moreno, professor de História da UNEB, ressaltou a questão nacional, pois defendeu a tese de que existe uma cultura golpista na história republicana no Brasil: “A própria República foi implantada com um golpe. Vários momentos históricos foram seguidos por golpes. É estranha a nossa trajetória republicana. Por isso a cultura de golpes sempre está pronta. É um elemento real. Não podemos menosprezar essa possibilidade”.
A chegada do PT ao poder, consequentemente, da esquerda, alterou a correlação de forças. Do ponto de vista da organização de base, essa conquista teve um efeito colateral. Tirou da base social os melhores quadros, os mais experimentados, pois passam a ocupar o papel na estrutura do Estado, nos poderes Excecutivo e Legislativo, em cargos e mandatos. Para o professor, esse processo “enfraquece” o movimento social e sindical. “Perde espaço o protagonismo das ruas. Há uma perda de papel nas instituições de base. Há um esvaziamento no movimento sindical. Em politica não há espaço vazio”, alertou, mas refletiu que esse processo abriu caminhos para a construção de um outro tipo de correlação de forças no Brasil, outra forma de disputa.
Os debates continuam hoje, com o segundo dia de debates, ver programação.
Fotos: Marcelo Vinci