Por Ana Perugini

Os tempos passam, os governos mudam, mas as práticas permanecem. Sem saber como dar respostas à sensação de insegurança, à escalada de homicídios e outros crimes de grande repercussão midiática, algumas vozes se levantam, como a surfar mais uma onda, para escolher crianças e adolescentes como bode expiatório.

Querendo jogar no lixo o artigo 227 da Constituição Cidadã, para quem a proteção da infância e juventude é dever do Estado, da sociedade e da família, estes setores passam a agir, com a cumplicidade de parte da mídia, e identificam nas crianças excluídas, na infância pobre, negra e prostituída, os grandes inimigos da sociedade. Na incapacidade de consentir com as mudanças estruturais que podem levar a um desenvolvimento integral de nossos meninos e meninas, passam então a promover a defesa da diminuição da maioridade penal.

Muito pior, evidente, a pena de morte, que alguns chegam a cogitar. Caso do garoto negro, George Stinney, acusado de ter matado duas meninas brancas, e executado 83 dias após o duplo homicídio no estado americano da Carolina do Sul em 1944.

Passados 70 anos, em dezembro passado, ao reabrir o caso, a Justiça o inocentou. Nessa altura, uma reparação inútil em país, classificado como desenvolvido, e portanto, capaz de operar com um sistema de segurança estruturado, com todo o aparato humano e material que faz o sonho das instituições em qualquer outro lugar do planeta.

Como a redução da idade penal seria a capitulação, a confissão de impotência de um Brasil que, nos últimos anos, deu mostras de que é possível avançar. Enquanto milhões participaram de processos de melhoria de suas condições de vida, grupos descontentes com as transformações em curso resolveram contra.

E quem paga a conta é aquele que deveria ter todas as condições de educação de qualidade, de acesso a programas sólidos de arte e cultura, de proteção integral como estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um marco dos avanços civilizatórios que o Brasil promoveu nas últimas duas décadas.

Se a redução da idade penal for concretizada, como foi em período recente a proposta do Governo do Estado de São Paulo, ou como defendem alguns que surfam de onda e onda, voltaremos à idade das trevas, do olho por olho e dente por dente, conhecido princípio de Talião. Os números confirmam. Em São Paulo, líder da criminalidade no País, cerca de 10% dos crimes envolvem menores de idade. Do universo dos crimes registrados, o latrocínio, que é o roubo seguido de morte, representa 0,09 dos casos. Ou seja, em que pese todos devemos lamentar a ocorrência de assassinato, a discussão sobre a redução da maioridade penal não se sustenta diante da estatística contabilizada pela própria Secretaria Estadual de Segurança Pública.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na primeira década do século 21, quase 90% dos adolescentes infratores do País não haviam concluído o ensino fundamental. A amostragem vale também para os detentos, em nível nacional.

Reduzir a idade penal não resolverá a escalada da violência, que tem a ver com as armas, as drogas, as modalidades de injustiça que teimam em resistir. Pelo contrário, pode piorar, como reconheceram, na história recente, países europeus, como Alemanha e Espanha. Todos sabem que o sistema prisional brasileiro dificilmente ressocializa.

Com a redução, teríamos mais brasileiros vulneráveis às tramas das gangues, das máfias que estão nos presídios. Diante do ressurgimento do debate, acredito que A nenhum de nós é dado o direito de lavar as mãos. Não queremos ser nem Herodes e nem Pilatos. Queremos continuar acreditando no valor, compromisso e competência dos profissionais habilitados na tarefa de acompanhar a trajetória do menor, autor de atos infracionais, tanto quanto no desenvolvimento integral do ser humano, confiando em uma nação de respeito total à vida, bem como nas alternativas altamente qualificadas de cuidado com o outro, com a bela natureza que ainda nos cerca, embora sob ameaça.

Os setores da sociedade civil comprometidos com as mudanças, com os avanços, não podem deixar passar essa medida abominável. A redução da idade penal não será levada à prática.

Porque o Brasil haverá de ter outra vocação; São Paulo, também!

As crianças e adolescentes, pelo bem da civilização, verão, a qualquer tempo e em qualquer lugar, o nascer do sol da liberdade.
Herodes, nunca mais! Pilatos, também!

Ana Perugini é deputada federal do Partido dos Trabalhadores/São Paulo.