FPA Nota de Conjuntura - Janeiro 2015
Grupo de Conjuntura Fundação Perseu Abramo
29 de janeiro de 2015
Conjuntura Internacional 

A vitória nas eleições gregas da coalizão de esquerda Syriza é o principal destaque da conjuntura internacional no período recente. Obteve a maior votação (36,34%) com uma plataforma anti-austeridade mas defendendo manter o país no Euro. Rompeu assim com quatro décadas de alternância entre a centro-esquerda (Pasok) e a centro-direita (Nova Democracia). Como a legislação concede um bônus de 50 cadeiras ao partido mais votado, alcançou 149 das 300 cadeiras. Para formar governo, fez aliança com os “Gregos Independentes”, partido de direita que rejeita as medidas de austeridade. O novo governo grego buscará impulsionar uma Conferencia Europeia sobre a Dívida na tentativa de repetir uma negociação ampla como a que aconteceu no início dos anos 1950, que foi na ocasião fundamental para aliviar a economia alemã e possibilitar seu desenvolvimento. A Grécia precisa de uma redução significativa do valor nominal de sua dívida pública, uma moratória sobre os juros da dívida, entre outras medidas às quais resistem Berlim e a Troika.

A III Cúpula da CELAC que está ocorrendo na Costa Rica tem como seu eixo o combate a pobreza. A presidenta Dilma em sua intervenção na abertura propôs que fosse constituído um Fórum de Empresários para promover o comércio intra-regional e a integração produtiva. A CELAC vem se afirmando como espaço político latino-americano e caribenho com crescente protagonismo frente à OEA (Organização de Estados Americanos), muito questionada pelo peso que nela possuem os EUA.

A morte – se por suicídio ou assassinato ainda está sendo investigado – do promotor Alberto Nisman na Argentina é a mais recente fonte de desestabilização do governo da presidenta Cristina Kirchner. Nisman, dias antes de sua morte, divulgou que apresentaria uma denúncia contra a presidenta por sua suposta tentativa de ocultar informação sobre o atentado terrorista contra a AMIA em 1994. Os partidos da direita e a mídia tentam, sem nenhuma prova, disseminar a ideia de que seu governo seria o principal interessado em eliminar o promotor e, em consequência, o principal suspeito do crime.

Conjuntura Nacional 

A política econômica do governo Dilma ainda está em elaboração e em disputa. Até o momento, seu foco e prioridade fiscal buscam responder a uma situação que não é nova, mas que se agravou nos últimos meses. Em 2014, o país fechou o ano com um déficit primário de 20 bilhões (0.4% do PIB), o primeiro desde 1999.

A meta anunciada pela nova equipe econômica de superávit primário para 2015 é de 1.2 % do PIB, representando uma redução com relação ao que anteriormente estava previsto. Porém, deve-se considerar que 2015 “carregará” o déficit primário de 2014. Assim, se o efeito das medidas, como tudo indica, for recessivo para o ano – projeções falam em crescimento negativo de -0,5% –, o esforço fiscal real será superior ao inicialmente anunciado para que essa meta seja atingida.

Importante salientar que o governo está esperando a aprovação do orçamento de 2015 por parte do Congresso para anunciar efetivamente quais gastos e investimentos terão prioridade. A opção pela contenção linear de um terço do orçamento, que foi encaminhada em janeiro de 2015, é portanto provisória.

As apostas do governo para contrabalançar os efeitos recessivos das medidas fiscais são a terceira fase do PAC e do programa Minha Casa, Minha Vida, novas concessões de infra-estrutura, e a inclusão dos investimentos em universalização do acesso à banda larga no PAC. E espera que uma maior credibilidade da nova política fiscal ajude a recuperar a decisão do setor privado em investir. A retomada do crescimento vem sendo tentada pelo lado dos novos investimentos – considerando que há pouco espaço para que essa retomada se dê puxada pelo lado da demanda do consumo. Ao mesmo tempo, ainda não é possível calcular o impacto negativo total que terão os desdobramentos da operação Lava Jato na economia em 2015-16, em termos de paralisação de investimentos e cortes de gastos inicialmente previstos pela Petrobrás nas cadeias produtivas nacionais. E no que foi até agora apresentado pelo Governo Federal, não se vislumbra ainda uma necessária política industrial para o novo período que se abre, com condições de superar os impasses do caminho que foi tentado nos últimos anos. Além disso, muitos apontam para o fato de que os juros reais elevados são por si só um desestímulo aos investimentos produtivos, uma vez que os empresários podem ter um retorno muito mais rápido e fácil aplicando no mercado financeiro.

Entre os aspectos muito criticados das primeiras iniciativas do Governo Federal que buscam o reequilíbro fiscal, além do seu caráter recessivo, está a priorização de medidas que terão efeitos sobre a abrangência do seguro-desemprego, abono salarial e pensões por morte.

O Governo Federal defende as MP 664 e 665 com os ajustes no seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte como medidas que visam aperfeiçoar essas políticas no contexto atual (quase pleno emprego, aumento da expectativa de vida, etc) e combater distorções na obtenção de alguns benefícios. Argumenta que tais mudanças aproximariam esse sistema do que já é praticado em outros lugares do mundo. E sustenta que o impacto fiscal imediato será relativamente pequeno, mas elas teriam grande impacto ao longo do tempo.

Tais argumentos vêm sendo constestados, principalmente pelo movimento sindical. Para além dos questionamentos referentes às medidas em si, que terão impacto negativo para a classe trabalhadora, os dois principais aspectos críticos mencionados em relação ao anúncio daquelas MPs são: (a) por um lado, que foram lançadas sem nenhum processo de consulta e negociação com as entidades representativas dos trabalhadores; e (b) que não vieram acompanhadas de nenhuma medida que atinja os setores sociais que concentram renda e riqueza. Cobra-se do Governo Federal e do Congresso Nacional que entrem nesse esforço as classes sociais que concentram propriedade e renda no país, seja através de aumento do imposto sobre heranças, da implementação do imposto sobre as grandes fortunas ou da ampliação das faixas do imposto de renda para os altos ingressos.

Sobre a negociação com os trabalhadores, cabe lembrar que as experiências recentes do Governo Federal de construção de espaços de participação social – com vistas à concertação de propostas entre diversos setores – permitiram formular políticas sociais mesmo sobre temas muito sensíveis (por exemplo, o salário mínimo). É preciso retomar essa dimensão participativa, com a construção de espaços de diálogo entre os setores sociais e o Governo Federal. Esse diálogo não houve no caso das MPs citadas. E os sindicalistas apontam para o fato de que, se há distorções como as que menciona o governo nos temas por elas abrangidos, seria necessário discutir coletivamente formas de superá-las. Mas as mudanças, tais quais foram propostas, terão um impacto social negativo.

As eleições de 2014 foram acirradas e muito disputadas. Essas medidas atingem setores que deram apoio decisivo à vitória da presidenta Dilma. Como se comportarão esses setores nas próximas disputas políticas, se forem afetados pelas medidas fiscais recessivas e pelo encurtamento da cobertura dos benefícios da seguridade social (notadamente o seguro-desemprego para os jovens que perderem seu primeiro emprego)? Esta é uma pergunta chave para os rumos políticos do próximo período.

Um aspecto que deve ser aprofundado é se as políticas sociais do Governo Federal exauriram sua capacidade de impacto na redução da pobreza. Estudo do prof. W. Quadros (“Paralisia econômica, retrocesso social e eleições”, Unicamp, 2015), que trabalha com dados da PNAD classificando a população com base na posição do membro melhor situado – metodologia sensível às flutuações conjunturais na mobilidade social –, aponta que os dados de 2013 revelam interrupção de ciclo de melhorias que ocorria desde 2004. De 2012 a 2013, segundo o autor, encolheu a participação das pessoas e famílias com “padrão de vida” de Alta (menos 622 mil de pessoas) e Média Classe Média (menos 2,3 milhões), sugerindo uma queda em cascata; e aumentou a participação da camada de Miseráveis (mais 1,5 milhão). É provável que essa tendencia tenha se mantido no período 2013-14.

Outra questão observada foi a necessidade de definição de uma “identidade” para o segundo mandato da Presidenta Dilma. Isso faz parte das dificuldades de comunicação e de elaboração de uma “narrativa” que já marcou o período anterior. Críticos à esquerda e à direita falam em “estelionato eleitoral” ou em adoção do “programa dos derrotados”. A conjuntura cobra a rearticulação política dos setores partidários e sociais que venceram a eleição em 2014 e uma iniciativa comunicacional e programática que afirme este mandato como de continuidade e aprofundamento do modelo de desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social implementado nos últimos 12 anos.

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