Grupo de Conjuntura Fundação Perseu Abramo
06 de outubro de 2014

Este relatório recolhe na forma de pontos síntese o debate ocorrido na reunião do GC da FPA. Os debates concentram-se nos temas ligados aos resultados do primeiro turno da eleição presidencial do domingo, 5 de outubro, e as perspectivas para o segundo turno em 26 de outubro.Mudanças de “adversário principal” da presidenta Dilma. Esta foi uma eleição marcada por mudanças repentinas de “adversário principal” à reeleição da presidenta Dilma. Começou com Aécio se projetando como tal e com Eduardo Campos em distante terceiro lugar. Com a entrada de Marina, ela assumiu a liderança, tirou votos de Aécio que passou à condição de candidatura periférica, chegando a receber pressões do seu partido para que renunciasse e apoiasse a candidata do PSB (na lógica de que o importante é “derrotar o PT”). Finalmente, nos últimos dias da disputa Marina caiu e o mineiro a ultrapassou, chegando ao domingo na condição de candidato em ascensão.

Resultados comparados. Marina teve este ano 21.28% dos votos, quase 2% mais que seu resultado em 2010 (19.6%). Aécio chegou em 2014 a 33.5% dos votos, perto de 1% a mais dos 32.6% obtidos em 2010 pelo então candidato do seu partido, José Serra.  Dilma atingiu desta vez 41.5% dos votos, o que significa  5% a menos que em 2010 (46.91%). Isto é, o resultado do PSDB em 2014 não foi quantitativamente muito diferente do de 2010. No entanto, há três dimensões que deram alento a sua candidatura: a líder teve uma votação menor; em consequência, a distância entre 1o e 2o lugar também foi mais estreita (ainda que expressiva); e Aécio, pela derrocada de Marina, chega ao segundo turno com o efeito do impulso da ascensão.

Quadro do segundo turno (1).  Aécio tem espaço para crescer sobre os votos antipetistas que apoiaram Marina. Pode inclusive, segundo algumas previsões, aparecer em um primeiro momento à frente de Dilma nas pesquisas (como Marina chegou a estar nas primeiras projeções de segundo turno em que seu nome aparecia). Mas a candidatura Dilma pode crescer fortemente sobre eleitores que votaram em Marina em alguns estados que são receptivos ao PT, como Acre e Pernambuco, onde ela ganhou no primeiro turno, ou na Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Ceará, onde foi bem votada. Outra frente de batalha para a candidatura Dilma será recuperar espaços em São Paulo, onde só a reação militante dos últimos dias que antecederam o primeiro turno permitiu melhorar o desempenho do PT (ainda que tenha ficado muito aquém do necessário).

Minas Gerais. A vitória do candidato petista ao governo mineiro, F. Pimentel, no primeiro turno, acompanhada do fato de Dilma ser a mais votada, foi muito significativa, porque ocorreu justamente no espaço onde Aécio construiu sua trajetória política e se projetou nacionalmente. Isso o debilita. E dá argumentos eleitorais contra sua candidatura. Minas será um ponto fundamental no segundo turno.

São Paulo. As candidaturas do PT, incluída a da presidenta, perderam terreno em lugares do Estado onde o partido tem potencial eleitoral, mas que nesta eleição foram neutralizados pela campanha midiática. Isso poderá ser revertido com mobilização militante, foco na juventude e a abordagem sobretudo de temas ligados a emprego e salário.

A “nova política”.  A queda abrupta da candidatura de Marina se deveu fundamentalmente às suas contradições. Tentou levar ao plano eleitoral o que foram as manifestações de junho de 2013. Aqueles eventos traziam contradições insolúveis no seu interior: incorporavam tanto reivindicações e visões da esquerda como da direita. Ficou claro que, na tentativa de se viabilizar eleitoralmente, Marina deu um giro programático à direita, ainda que tentasse não assumir.  Mas no processo eleitoral as candidaturas devem esclarecer suas opções.  Quando questionada, o emaranhado de mudanças  de opinião fez ruir sua candidatura. O impulso que ganhou a candidatura de Aécio nos últimos dias foi resultado da migração dos votos anti-PT, que perceberam que Marina não era mais capaz de derrotar Dilma.  Com isso, o primeiro turno de 2014, na verdade, ficou praticamente igual ao de 2010, como acima mencionado.

Quadro do segundo turno (2).  Assim, saem as “novidades” e volta o embate “clássico” (como em 2006) onde o que define é a discussão programática,  o enfrentamento de projetos alternativos de país. O desafio da campanha do PT, como na reeleição do Lula em 2006, é dar nitidez programática às ofertas que estão sendo apresentadas.

“Narrativas” ausentes e necessárias.  Um tema que não pode se resolver apenas no período eleitoral é o da ausência de uma narrativa dos feitos dos governos do PT. Isso faz com que as disputas na opinião pública sejam sobre eventos pontuais mais do que em relação à ideia de um projeto. Para retomar a ofensiva, a campanha do PT precisa apontar para a construção de elementos dessa narrativa nas três semanas de campanha até 26 de outubro. É importante resgatar o caráter amplo e articulado das políticas implementadas pelos governos do PT, que não são um mosaico de medidas pontuais. São ações decisivas de caráter estratégico que visam superar as desigualdades sociais, como por exemplo, as  políticas de ação afirmativa em relação à população negra. São ações inéditas para um país como o nosso. O centro da disputa deverá ser o projeto de país que cada candidatura oferece, mais do que sobre os temas econômicos isoladamente.

Disputa de projetos (1). Governo para todos, como implantado por Lula e Dilma, ou para poucos, como foi no neoliberalismo? Para a candidatura Dilma ampliar sua votação será importante mostrar que o Brasil foi retirado do mapa da fome mundial. Que as crianças melhor alimentadas aumentaram de altura. Que o “homem gabiru” não existe mais. Que agora é necessário avançar na educação.

Disputa de projetos (2). O tema da corrupção tem colocado o PT na defensiva. Mas é evidente que nos governos do PSDB a corrupção não é investigada e muito menos punida e que nos governos do PT os órgãos do Estado investigam e punem, como a própria mídia acaba divulgando.

Disputa de projetos (3). A atual conjuntura oferece a oportunidade de mostrar os dois projetos em disputa com exemplos muito claros. A política neoliberal de FHC fez com que a falta de chuvas provocasse o apagão elétrico em 2001, já a política dos governos Lula e Dilma permitiu que fenômeno climático similar não afetasse os consumidores de eletricidade em 2014. Essa política neoliberal conduzida no âmbito estadual pelo governo Alckmin em S.Paulo tem feito que a falta de chuvas em 2014 significasse já um racionamento de água, ainda mascarado pela mídia, enquanto que no Nordeste a política do governo federal permitiu que pela primeira vez na história a população não sofresse as consequências de uma das maiores secas em muitos anos.

Temas urbanos. Análises apontam a importância de que o PT volte com ênfase à discussão sobre os temas urbanos (moradia, transporte, saúde, segurança, etc.) que são os que emergem como demandas renovadas daquelas camadas sociais que melhoraram suas condições de vida nos últimos 12 anos.

Nova formação social, desafio ao PT. As políticas implementadas pelos governos do PT mudaram o país (tirando grandes contingentes da pobreza, reduzindo a desigualdade, diminuindo o desemprego, conquistando aumentos reais de salários, etc.), mas o PT não tem analisado em profundidade essa nova sociedade que surgiu e as novas demandas. Ao mesmo tempo deve-se atentar para o fato de que o ciclo do combate à fome e miséria, por ter sido bem sucedido, pode estar chegando ao fim. Com ele uma parte importante da política iniciada em 2003 se completará. O que virá depois? O PT precisa renovar sua aposta estratégica.

Antipetismo. Há sinais de que o conservadorismo antipetista contaminou também os setores da classe trabalhadora de baixa renda. Os fracos resultados eleitorais em S.Paulo podem ser explicados por esse fenômeno. Um dos fatores que explicam esse quadro é o bombardeio massivo que a população recebe dos meios de comunicação conservadores, o que provavelmente só poderá ser revertido com militância, com atuação decidida junto à população.

Institutos de pesquisa.  As pesquisas eleitorais saem desmoralizadas desta eleição. Houve vários casos extremos de erros por ampla margem, como no caso da Bahia, onde o candidato do PT, Rui Costa, finalmente foi eleito em primeiro turno, quando os institutos o colocavam persistentemente atrás do candidato do DEM. Esses “erros”, voluntários ou não, têm repercussões na disputa eleitoral, porque induzem o voto e, sobretudo, porque as pesquisas são usadas para definir quais candidatos devem ter suas campanhas cobertas prioritariamente pela mídia. Com esse argumento da baixa intenção de voto, por exemplo, o candidato Padilha em São Paulo foi ignorado por longo período na cobertura dos jornais.

Quadro do segundo turno (3).  Conscientes de que foram suas inconsistências programáticas que derrubaram a Marina, o candidato Aécio lançou seu programa com um conteúdo bastante genérico e anódino.  Porém seus assessores, buscando converter setores conservadores a um apoio mais ativo, explicitam melhor suas pretensões.