Nota de Conjuntura – 01 de Setembro de 2014
Internacional
Turbulências continuam. As fontes de turbulência analisadas no informe anterior continuam. Mesmo o fim dos ataques de Israel contra Gaza foi alcançado sem que se modificasse a situação que lhes deu início. Ou seja, podem ser retomados.
A próxima cúpula da OTAN deve decidir o que fazer em apoio aos curdos contra o denominado Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), sem que isso signifique uma ajuda ao governo da Síria – país que está parcialmente controlado por essas forças insurgentes. O presidente norte-americano reconheceu recentemente que seu governo está sem estratégia para a região. O partido de Obama (Democrata) poderá perder a maioria no Senado, tanto pela sua falta de estratégia para o Oriente Médio, mas sobretudo pelo desgaste interno geral, dele e dos democratas, bem como pela aposentadoria de alguns senadores do seu partido.
Em relação à Ucrânia, a União Europeia e os EUA prometem nova rodada de sanções. A postura firme do governo russo frente a essas ameaças e em defesa dos interesses estratégicos russos tem significado ao presidente Putin um alto grau de aprovação popular. Assim, ele tem pouco a perder, ao tempo que a UE e os EUA têm pouco a fazer.
Cenário multipolar. Nesse contexto, onde as potências ocidentais tentam um isolamento da Rússia, ganha destaque o papel dos BRICS, que podem contrabalançar aquelas iniciativas. Interessante observar que, levando em conta os programas de governo dos principais candidatos a presidente no Brasil, somente o programa de Dilma (PT) se propõe a cumprir esse papel no cenário internacional. Tanto Aécio (PSDB) como Marina (PSB) apontam para um realinhamento com os EUA.
Em relação às apostas estratégicas que a diplomacia brasileira fez nos últimos tempos, também há que se destacar o reforço obtido pela UNASUL com a indicação do ex-presidente da Colômbia (1994-98), Ernesto Samper, para o cargo de secretário executivo. Trata-se de um fato importante para garantir o engajamento da Colômbia, país governado por uma força conservadora. Isso mostra que a UNASUL vai mais além de possíveis identidades políticas ou ideológicas dos governantes.
Foro de São Paulo. Entre os dias 25 e 29 de agosto passado foi realizado em La Paz, Bolívia, o encontro anual do Foro de São Paulo e outras iniciativas vinculadas (Escola de Formação do FSP, Seminário de Balanço dos Governos Progressistas, etc.), com a participação de membros da FPA. A próxima edição será no México.
Interessa destacar três pontos que foram objeto de debate em diversos momentos – para além das declarações oficiais emitidas.
Primeiro, há em geral um tom menos ufanista por parte das forças de esquerda e progressistas sobre a conjuntura regional. Os governos progressistas significaram um importante avanço para a região, mas há muita discussão sobre “o que devemos fazer para ir além”, avançando em mudanças estruturais.
Segundo, um destaque para a linha estratégica do MAS (Movimento Ao Socialismo) boliviano de apontar para uma sociedade do “vivir bien”, ao tempo em que se debate a necessidade de produzir riquezas para poder distribuí-las, e para tanto são necessárias estradas, infraestrutura, produção de energia etc.
Terceiro, há uma preocupação política pelas dificuldades enfrentadas na região pelas esquerdas no terreno eleitoral. Inclusive no Uruguai, um dos países onde dois governos sucessivos da Frente Ampla trouxeram avanços sociais e econômicos muito importantes, o quadro eleitoral não está totalmente definido a favor do seu candidato, o ex-presidente Tabaré Vazquez.
Além desses debates mais gerais, registramos que para grande parte dos membros do FSP o destino dos governos progressistas se joga também nas eleições do Brasil, já que os governos do PT têm sido fundamentais nos avanços verificados na região.
Nacional
Novo cenário eleitoral. O que no informe anterior era uma das hipóteses, confirmou-se plenamente. A substituição da candidatura do Eduardo Campos (PSB) pela da Marina Silva (“Rede” mas registrada como PSB) alterou a disputa eleitoral.
Dos 21% de intenção de votos colhidos pelo seu nome na pesquisa Datafolha (15/agosto) logo depois do acidente em que Campos faleceu, continuou crescendo e colocando-se como a principal candidatura anti-PT na atual disputa. Quando a pesquisa é com os nomes dos candidatos mencionados ao entrevistado, aparece com 34%, porcentagem igual à da Dilma (Datafolha, 29/agosto).
No que podemos considerar o “voto fiel”, aquele declarado espontaneamente nas pesquisas, Dilma se encontra com 27% e a Marina chegou a 22%. Nesse cenário, se verifica um enfraquecimento da candidatura do Aécio, que já está em terceiro, com 10% (Datafolha, 29/agosto).
Os votos em Marina não parecem ser apenas o resultado da comoção provocada pela morte do Campos, como chegou a ser avaliado num primeiro momento. Seus eleitores são os segmentos de renda médias e altas, com maior escolaridade, uma população metropolitana, da região Sudeste e de jovens. Os eleitores da Dilma são sobretudo de baixa renda, baixa escolaridade, encontram-se em municípios menores e no Nordeste.
E eleitor da Marina é difuso, o da Dilma é definido. O discurso da Marina se apresenta contraditório, tentando agradar a setores contraditórios.
As simulações para o segundo turno entre Dilma e Marina dão vitória para a segunda, porque tendencialmente os votos do Aécio migrariam a ela.
Pelo lado do governo a avaliação positiva está em 35% positivo, regular em 39% e 26% negativa (Datafolha, 29/agosto). Essa avaliação positiva, no entanto, não se reverte plenamente nas intenções de voto.
Em relação à rejeição, a taxa da Dilma se manteve estável (35%), enquanto que as de Aécio e Marina cresceram de 18% para 22% e de 11% para 15% respectivamente (Datafolha, 29/agosto).
Marina lança seu Programa de Governo. O lançamento do Programa de Governo da Marina trouxe à tona tanto as contradições do seu discurso acima mencionadas (que resultaram em revisões apressadas do texto sobre homofobia, por ex.) como mostrou um perfil conservador da candidatura.
Seu programa de governo quer “terceirizar” a política econômica: propõe Banco Central independente; anuncia que vai entregar a política fiscal a um “conselho” e que deixará o cambio flutuar sem intervenções do Banco Central. Coloca ênfase em atingir o centro da meta, diminuir a meta e estreitar as bandas de variação. Fala em atingir o superávit primário sem incluir as receitas extraordinárias. Trata-se de um programa mais liberal que o do PSDB. Qual é a sinalização ao “mercado”? Como quer reduzir completamente a capacidade do Estado e deixar os investimentos aos setores privados, sua mensagem é: “nos apoiem que vão ter a rentabilidade que vocês quiserem garantida” (já que o Estado ficará a mercê das empresas).
Esse ataque ao Estado se complementa com uma clara orientação a reduzir o papel dos bancos públicos, aumentar a abertura comercial internacional e priorizar os acordos bilaterais. Conclusão: a proposta de Marina está orientada a conquistar o voto dos setores financeiros e conservadores, tirando votos do Aécio. Sua implementação traria provavelmente grandes crises políticas e sociais.
Na parte social chama a atenção o uso de indicadores do Fórum Econômico Mundial (“Fórum de Davos”) como referência para as análises. O mais surpreendente do Programa de Marina é a prioridade em dar “segurança jurídica” às empresas em suas relações com o trabalho e em estimular as terceirizações, uma “liberalização” do mercado de trabalho, fortalecer o direito individual e enfraquecer os sindicatos.
No geral, nas áreas sociais reconhece avanços e propõem ampliações. Enquanto dedica 5 páginas ao agronegócio, para a agricultura familiar há três parágrafos. Tenta se apropriar das conquistas na educação e a única novidade que aponta é o “passe livre” para estudantes. Mas, com as políticas fiscais ortodoxas priorizadas, não parece que essas promessas de ampliação sejam para valer. Defende uma política de participação social.
A orientação geral deste programa é a máxima neocon de “colocar a economia a salvo da política”. Com isso busca deslocar a política do centro da sociedade.
A disputa política. A situação econômica do país está melhor que em 2002. Estamos às portas de um novo ciclo de desenvolvimento. A estratégia conservadora parece apontar para um ajuste econômico radical – usando como justificativa o clima catastrofista criado pelos meios de comunicação sobre a situação econômica – objetivando derrubar conquistas sociais e, em seguida, colher os frutos do novo ciclo de desenvolvimento lançado pelo governo atual.
Perspectivas eleitorais. Há ainda um mês até o primeiro turno e muita coisa pode acontecer. O quadro eleitoral acima descrito deve alterar as estratégias dos candidatos. Para a candidatura da presidenta Dilma interessa fazer o debate programático questionando as novas bandeiras conservadoras assumidas pela candidata Marina, seus prováveis reflexos negativos sobre a população e as contradições no seu discurso.