Por Carlos Odas

Em dez anos, de 2003 a 2013, o Brasil criou 20 milhões de empregos formais; aliadas à valorização real do salário mínimo, com aumentos sempre acima da inflação, as políticas que garantiram chegarmos à situação de pleno emprego também garantiram o aumento da renda média e alteraram profundamente o perfil socioeconômico do país e a qualidade de vida dos brasileiros; nem por isso diz-se que o programa de transferência de renda condicionada, o Bolsa Família, tornou-se obsoleto ou desnecessário no combate às desigualdades e na superação da pobreza extrema, que persiste. O PBF caminha para tornar-se uma avançada política de garantia de renda mínima de cidadania às famílias brasileiras, condicionada à manutenção da saúde e educação formal dos filhos menores.

De outro lado, a revolução no ensino superior público com a democratização do acesso por meio do Enem e do Sisu, a ampliação de vagas com a criação de novas universidades federais, a facilitação do ingresso de jovens de baixa renda no ensino superior privado por meio do Prouni e do Fies são ações que, por si, incidem para a diminuição da desigualdade entre brancos e negros, ou ricos e pobres, no acesso à educação de nível superior; nem por isso desconhecemos a legitimidade das ações afirmativas, como as cotas para estudantes negros e indígenas, para efetivarmos a escala necessária na superação da desigualdade de oportunidade entre segmentos populacionais. Por que, no entanto, aqui e ali, alimenta-se um falso antagonismo entre as ações e programas que mudaram o quadro social e econômico do país, como esses que mencionei, e a necessidade de uma política pública e nacional com interesse na integração das novas gerações?

Contrapor a ideia de que a juventude é um tema de política pública relevante valendo-se como argumento do fato de que as ações que alteraram o contexto social e econômico também incidem sobre a vida dos jovens é negar reconhecimento social a esse ator e o mesmo que dizer que ele não existe. Reconhecemos a população negra e afrodescendente, as mulheres e outros segmentos heterogêneos, cuja condição política e social perpassam dimensões diversas (e cruzadas) na vida dos cidadãos que os compõem; pelo reconhecimento social desses atores, vinculamos políticas específicas ao combate de desigualdades estruturais entre homens e mulheres, negros e brancos, homossexuais e heterossexuais, por exemplo. A questão da juventude, pois, é de natureza tão complexa quanto as desses segmentos, conquanto as desigualdades não se deem entre jovens e não-jovens, mas na população jovem os indicadores de desigualdade se agravem significativamente. Esse agravamento representa um conjunto de bloqueios ao desenvolvimento das trajetórias de vida; e significa, ainda, que parte desses bloqueios estão associados à condição juvenil no Brasil.

A dicotomia, portanto, entre os inegáveis avanços dos últimos anos e o reconhecimento de que, na temática de juventude, precisamos avançar muito mais não é real; ao contrário, porque o Brasil é melhor hoje para a maioria dos brasileiros do que o foi há dez, quinze anos, é que o fato de tantas trajetórias juvenis serem marcadas por bloqueios chama mais atenção. A condição juvenil é ponto de pauta inescapável dos grandes temas do país – ou não é? – e, no entanto, é aquele sobre o qual menos formulamos por considerá-lo um tema “transversal” e de menor relevância. Evidente, ao menos para mim, que isto se dá porque em nossa trajetória de construção da política e das políticas públicas – falo do campo da esquerda – aprendemos a lidar com categorias bem definidas que geram públicos bem definidos; e juventude não é categoria nem público, mas tema. No contexto social e contemporâneo do Brasil, é um tema diretamente ligado a questões como o modelo de desenvolvimento (e de sociedade) que buscamos e à superação de desigualdades atuais e futuras. Um tema que requer, tanto quanto qualquer outro tema relevante para o futuro do país, um pacto de amplos setores em favor de seu desenvolvimento.

A temática apresenta baixo grau de institucionalidade mesmo após uma década de implementação de uma Política Nacional de Juventude e baixa incidência na agenda pública, mesmo após duas décadas de elaboração acadêmica. Esses espaços, o da ação governamental e o da formulação acadêmica, nos deram importantes e avançados conceitos sobre juventude – mas nada além disso, até o momento. A sensação é que não conseguimos transportar para o campo das políticas públicas o objeto de interesse sociológico. A juventude, assim, não configura um problema político, para os quais se devem buscar soluções de política pública; os jovens é que seguem sendo um problema da educação, do mercado de trabalho, de saúde ou da polícia mesmo. A definição de em qual caixinha depositar o problema segue critérios de seleção por origem social, cor da pele e local de moradia, basicamente.

Há agendas possíveis e interessantes, mas não se espere que uma agenda de políticas públicas com recorte nitidamente geracional seja pauta de reivindicação ou mobilização entre os próprios jovens; jovens não reivindicam centros de referência da juventude ou programas que levem em conta, especificamente, os bloqueios de renda, de mobilidade urbana, de fruição do tempo livre, de acesso a bens culturais e educacionais ou de ocupação dos espaços públicos pelo interesse público. Todos esses são bloqueios que a política pública tem a missão de desfazer, mas esperar esse tipo de reivindicação é, mais uma vez, enxergar a juventude por aquilo que ela não é, nem deve ser: uma categoria com interesses organizados. Jovens mobilizam-se em torno de temas como a preservação do meio ambiente, a reforma das instituições, o acesso e qualidade no transporte público ou contra a violência policial, por exemplo. Ou seja, a agenda está toda aí, para quem quer ver; eles querem, sim, soluções de política pública. E a obrigação de traduzir essa agenda em ação concreta é do Estado, não deles. Não se trata, de modo algum, de abrir mão da participação ativa dos jovens na construção de uma agenda de interesse da Juventude. Trata-se de que a legitimidade do tema não vem da mobilização de bases sociais – assim como acontece em muitos dos temas relevantes como saúde, educação ou segurança, por exemplo – mas de uma condição estrutural: não se constrói coesão social ou projeto de nação relegando o diálogo com as novas gerações à irrelevância.

Em suma, é fundamental a constituição de um escopo de ações governamentais que fomentem e deem suporte à construção de trajetórias de vida bem sucedidas entre os jovens, levando-se em conta a enorme disparidade de oportunidades que ainda há, mas também uma situação concreta: ser jovem no Brasil de hoje comporta mais riscos do que deveria. Por trajetória bem sucedida, compreenda-se o indivíduo emancipado sócio, cultural, política e economicamente, capaz de investir em suas potencialidades para o seu desenvolvimento pleno e, com isso, gerar felicidade para si e para o coletivo ao qual pertence.

A qualidade de uma sociedade é a medida da liberdade de cada indivíduo em alcançar a plenitude de suas potencialidades; desenvolvida, portanto, é a sociedade que garante a todos os seus jovens, indistintamente, o direito à própria juventude, desfazendo os bloqueios que representam riscos ao desenvolvimento pleno de suas trajetórias de vida. Não há como dissociar, portanto, este dos grandes temas que merecem atenção e prioridade na agenda pública.

Carlos Odas foi Secretário Nacional de Juventude do PT e membro da Executiva Nacional do PT