Capitalismo de Estado Neocorporativista em governos do PT
Fernando Nogueira da Costa*
Sem chamar a atenção da opinião pública através da mídia, mesmo porque esta só se importava em estimular “a oposição moralista” e não se atentava para o projeto ideológico social-desenvolvimentista, o governo Lula começou a mudar o projeto de desestatização esboçado no Governo Collor e assumido, gulosamente, no governo FHC. A mídia neoliberal e o empresariado liberal custou a se dar conta do surgimento gradual de um novo capitalismo: o de Capitalismo de Estado Neocorporativista.
No entanto, não percebem o fenômeno sob o ponto de vista trabalhista. O conceito originário da Ciência Política europeia – neocorporativismo – designa a transição que ocorre em governo com hegemonia de partido trabalhista. Ele auxilia a aprofundar a análise. Boa parte de empresas estratégicas passa a se associar com capital de origem trabalhista (fundos de pensão) para atender às políticas de desenvolvimento idealizadas por membros do Partido dos Trabalhadores.
Quando “caiu a ficha” da imprensa, economistas e empresários neoliberais, os ataques ao Governo Dilma ficaram muito mais virulentos. A tática de alarmismo se falseia face aos indicadores macroeconômicos atuais – taxa de inflação, taxa de desemprego, taxa de crescimento –, todos sob controle. A inflação inercial em torno de 6% ao ano é perfeitamente aceitável face à nossa memória inflacionária.
Daniel Dantas, conselheiro do Collor, membro do tucanato que mais se beneficiou da privataria, que sempre tivera boas relações com o Poder, na era neoliberal, viu-se, no governo petista, “metido na maior disputa societária da história do capitalismo brasileiro”. O alvo da contenda era o controle de companhias de telecomunicações, saneamento e transporte. Seus oponentes foram a trinca de maiores fundos de pensão brasileiros: Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal).
Estes se articularam, no governo Lula, apoiados pela cúpula do Poder. Desde a privatização das teles, no governo FHC, Dantas, embora minoritário, mantinha-se no controle das companhias e vivia em conflito com os sócios majoritários. Mas foi só no governo petista que os fundos de pensão conseguiram desalojá-lo de todas as empresas e afastá-lo dos negócios estratégicos para o País.
Dois anos após vencer a disputa com Dantas, a Previ, junto com outros fundos de pensão, havia aumentado muito sua participação em várias empresas privadas de diversos setores. Seus ativos somam cerca de 50% a mais do que a soma das fortunas dos 65 bilionários brasileiros.
A tomada das teles fora só o começo de uma estratégia desenhada pelo governo para que o Estado, por meio dos fundos de pensão patrocinados pelas empresas estatais, regulasse os setores considerados estratégicos na economia brasileira. Esses fundos aumentaram sua participação em várias empresas, exigindo assentos nos Conselhos de Administração. Algumas delas, como as de petroquímica e a Vale, que haviam sido privatizadas nos governos neoliberais anteriores, voltaram, indiretamente, ao controle estratégico do Estado.
O capital de origem trabalhista passou a se associar aos grandes empreendimentos. Quando a Sadia quebrou, em 2008, resultado de sua gestão temerária com abuso em operações com derivativos, os donos da empresa (famílias Fontana e Furlan) tentaram se socorrer junto ao BNDES tal como haviam feito com sucesso no passado várias outras empresas. Utilizavam-no como fosse um “hospital empresarial”. Dessa feita, o governo petista recusou, impondo uma “solução de mercado” com a fusão da Sadia com a Perdigão, que já era controlada pelos fundos de pensão, criando a maior empresa de alimentos da América Latina: a Brazil Foods.
Foi começando a entender a realidade do capitalismo brasileiro que os neoliberais perceberam que nada do que acontecera até então tinha sido meros atos de voluntarismo dos fundos de pensão. Todas essas iniciativas contavam com o apoio estratégico do BNDES, sob o comando do Governo Social-Desenvolvimentista. Por trás de todas essas operações está o projeto de Capitalismo de Estado Neocorporativista que associa capitais de origem privada nacional e estrangeira, estatal e trabalhista, para dar competitividade internacional às grandes empresas brasileiras, trazendo divisas para o País. Os fundos de pensão, junto com o BNDESPAR, passaram a ser o braço financeiro desse novo modelo de gestão empresarial.
Os neoliberais custaram a entender as mudanças que vinham se processando na forma de o Estado brasileiro intervir e regular nas estratégias empresarias, livrando-se da falácia ideológica do “livre mercado”. O BNDES decidiu apoiar algumas “empresas vencedoras”, que tem mais condições de enfrentar a competição internacional, não só emprestando recursos, como também se associando para dividir riscos.
A crítica neoliberal é que “o Banco de Desenvolvimento passou a apoiar, basicamente, setores produtores de commodities em vez de incentivar empresas de tecnologia de ponta”. Curiosamente, nessa crítica pretensamente “desenvolvimentista”, os defensores do livre mercado não percebem que a aposta profunda em investimentos em educação (e “tecnologia de ponta”) só terá condições de ser feita com o Fundo Social de Riqueza Soberana a ser gerado com a extração e exportação de petróleo de águas profundas na camada do pré-sal. Isso ocorrerá na próxima década caso não ocorra retrocesso político.
O País alcançou autonomia relativa em financiamento, haja visto o financiamento da construção da terceira maior hidrelétrica do mundo (Belo Monte) sem endividamento externo similar ao comprometido na construção de Itaipu. Boa parte dos investimentos da Petrobras está sendo financiada internamente. Porém, a conquista de autonomia tecnológica na indústria de transformação, diferentemente do que já ocorreu na indústria extrativa, aérea (via Embraer) e na agricultura no cerrado (via Embrapa), exigirá um longo processo de se colocar foco e recursos nessa prioridade. Enquanto não se atinge essa fase, a política industrial, por exemplo, via o novo regime automotivo, tem de atrair empresas estrangeiras para produzirem no Brasil e transferirem o domínio de tecnologia.
*Professor livre-docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]