Comunicação, democracia e igualdade
Por Ariane Leitão
A ação de “justiceiros”, autores de casos de linchamentos públicos, desencadeada no último período, reacende o debate do papel dos meios de comunicação e sua responsabilidade social. As cenas de barbárie em São Paulo envolvendo, agora uma mulher, dona de casa e mãe de duas filhas, deixaram mais uma vez o Brasil perplexo assistindo à tortura e às violações contra uma vítima, sem qualquer possibilidade de defesa e nenhuma prova que a responsabilizasse.
Ao verificar que a motivação para o crime surge a partir de uma informação distorcida de um sítio de notícias, fica evidente o alto grau de influência que tanto os meios impressos, radiofônicos, televisivos e, principalmente os on-line, possuem sobre a vida das pessoas, definindo assim, conceitos sociais e comportamentos.
Responsabilidade e compromisso devem ser norteadores tanto do trabalho das/os profissionais de imprensa quanto das pessoas que decidem reproduzir as informações que recebem no dia a dia, correndo o risco de serem agentes da propagação de falsos conteúdos, ou pior, da incitação ao ódio, à discriminação e à violência. A imprensa tem o poder da formação da opinião pública. Portanto, não é aceitável a defesa de posicionamentos que estimulem a segregação social e ações criminosas, como recentemente vimos através da atuação da jornalista Raquel Sheherazade. O papel de quem detém o poder da informação deve estar necessariamente comprometido com o fortalecimento do estado democrático de direito, através da garantia dos direitos fundamentais.
A tecnologia que une o mundo, por meio das redes sociais, faz com que identifiquemos a força dos meios de comunicação exatamente como propulsora de denúncias de violência/violações, antes não publicizadas, e capaz de uma inigualável capacidade de mobilização. Hoje, por exemplo, o mundo acompanha o caso absurdo das meninas nigerianas que foram sequestradas e estão à venda para o tráfico de pessoas e exploração sexual, valendo, cada uma, em torno de 12 dólares. Movimentos sociais, em diferentes países, estão mobilizados através das redes, exigindo a libertação imediata das vítimas e forçando que as autoridades internacionais solucionem o impasse, enfrentando o fundamentalismo religioso que subjuga, violenta e mata as mulheres nos quatro cantos do mundo e sobretudo reafirmando os direitos humanos das mulheres e meninas como uma pauta universal, internacional e inegociável!
A construção de uma nova sociedade, promotora de uma cultura de paz e direitos, passa também pela formação de um conceito mais amplo e inclusivo de comunicação. Desta forma, produções que estimulem a constituição de estereótipos – principalmente os femininos – a incitação ao sexismo, ao machismo, ao racismo, representam um desserviço para a consolidação desta cultura de igualdade.
Por isto, cientes do papel da imprensa na promoção da igualdade de gênero e raça/etnia, aqui no Rio Grande do Sul, o Governo do Estado, através da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em parceria com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais (SINDJORS), com a Fundação Cultural Piratini, e com a Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital (Secom), deu início ao projeto “Gênero e Raça/Etnia na Mídia”. O projeto visa ampliar a visibilidade das mulheres e suas diversidades nos meios de comunicação, como forma de garantir direitos humanos, em especial, o direito à comunicação para as mulheres negras, indígenas, ciganas, de orientação sexual LBT. Serão mais de 700 comunicadoras/es qualificadas/os, nas nove regiões do Estado, para a abordagem da igualdade de gênero e raça/etnia na mídia.
Desta forma, temos a certeza de que o poder público pode e deve encontrar alternativas para enfrentar o modelo social que gera violência e preconceito. Trabalhamos para que cada vez mais tenhamos à disposição da comunidade mecanismos de fácil acesso para o recebimento de denúncias. Com o auxílio da comunicação virtual, todos os tipos de crimes podem ser informados para que as medidas punitivas e de repressão sejam executadas por quem realmente as deve fazer. Assim, esperamos que os tristes casos de linchamento, ao menos, sirvam para que a sociedade se convença de que incentivar a justiça “com as próprias mãos”, definitivamente, só nos levará a mais violência.
Que a comunicação esteja à serviço de uma ordem democrática e plural!
Ariane Leitão é Secretária Estadual de Políticas para as Mulheres