Segundo Niall Ferguson (“Civilização”, 2012: 237), a Revolução Industrial não teria começado na Grã-Bretanha e se espalhado para o restante do mundo sem o desenvolvimento simultâneo de uma sociedade de consumo dinâmica. A sustentabilidade da industrialização foi os trabalhadores se tornarem, ao longo do tempo, também consumidores. Diferentemente dos escravos e dos servos, que não faziam compras de roupas, tendo apenas uma peça de vestimenta, os assalariados acabaram comprando um guarda-roupa!

Uma das maiores inovações recentes, nos séculos 20 e 21, foi a massificação da sociedade de consumo a partir do Ocidente (EUA), mas globalizando-a com força maior a partir do Oriente (China) com o barateamento dos bens de consumo duráveis e não-duráveis. Esse é, segundo Ferguson, “um dos maiores paradoxos da história moderna: que um sistema econômico projetado para oferecer escolha infinita ao indivíduo tenha terminado homogeneizando a humanidade”. Toda ela, de maneira padronizada, veste jeans, camisetas e tênis baratos!

A primeira fase de industrialização esteve concentrada nos produtos têxteis. Embora tenha durado décadas, a Revolução Industrial foi extremamente localizada em poucas regiões da Inglaterra e setorialmente concentrada em tecelagem de algodão. O setor têxtil foi o responsável pelo “milagre econômico britânico”. Em meados dos anos 1780, a exportação de tecidos de algodão correspondiam a apenas 6% do total das exportações britânicas. Em meados dos anos 1830, a proporção havia subido para 48%, em sua maior parte para a Europa continental. No continente, os europeus adquiriram um gosto por roupas baratas industrializadas muito antes de aprender a produzi-las por conta própria.

Por que a Grã-Bretanha se industrializou primeiro? A sociedade de consumo inglesa não era significativamente mais avançada do que em outros Estados do noroeste europeu. O nível de disseminação de conhecimento científico não era notadamente superior. Embora tivesse avanços na agricultura, serviços bancários e comércio, não foi isso que desencadeou um surto de investimento no aumento da produtividade têxtil, do ferro e da produção de energia a vapor.

As vantagens institucionais no âmbito da Política – a soberania do Parlamento – e do Direito – a Common Law, encorajando a formação de corporações e oferecendo garantias contratuais aos credores –, sem dúvida, ajudaram à Grã-Bretanha a sair à frente de outros futuros impérios no século 17 e, sobretudo, no século 18. É possível que os impostos do século 18, que incidiam sobre os tecidos indianos de algodão, tenham dado alguma vantagem aos manufatureiros britânicos, assim como as políticas protecionistas similares às que mais tarde protegeriam as indústrias incipientes dos Estados Unidos, protegendo-as da competição britânica.

A Grã-Bretanha diferia, significativamente, de outros países do noroeste da Europa em dois aspectos que tornam a Revolução Industrial lá compreensível. O primeiro era que a força de trabalho era claramente mais cara que no continente. A segunda razão era que o carvão na Grã-Bretanha era abundante, acessível e, portanto, muito mais barato que do outro lado do Canal da Mancha. Juntas, essas diferenças explicam porque os empreendedores britânicos estavam muito mais motivados para buscar a inovação tecnológica do que seus pares continentais. Fazia mais sentido lá do que em qualquer outro lugar substituir homens caros por máquinas alimentadas por carvão barato.

Embora, evidentemente, a Revolução Industrial tenha melhorado as condições de vida em longo prazo, no curto prazo parecia tornar a vida dos operários pior. Porém, as propostas do Manifesto Comunista não atraíram os trabalhadores industriais a quem se dirigiam. Marx e Engels reivindicavam a abolição da propriedade privada; a extinção da herança; a centralização do crédito; a propriedade estatal de todos os meios de produção. Os sindicalistas de meados do século 19 queriam cidadania, isto é, conquista de direitos: um governo constitucional; a liberdade de expressão, de imprensa e de associação; uma representação político-partidária mais ampla por meio da reforma eleitoral; a autodeterminação nacional ou autogoverno. A luta por representação cada vez mais ampla levou a uma legislação que beneficiava os grupos de baixa renda. Aumento nos salários reais, graças às pressões dos sindicatos, se traduziu em acesso à sociedade de consumo para os trabalhadores. Marx ignorou a possibilidade de os trabalhadores desejarem se tornar consumidores. Os cidadãos almejavam a democracia da propriedade da casa própria.

Nos Estados Unidos do pós-II Guerra, a sociedade de consumo se tornou um fenômeno de massas, por exemplo, diminuindo significativamente as diferenças de vestuário entre as classes sociais. Antes da guerra, a maioria das roupas era feita sob medida por alfaiates. Mas a necessidade de manufaturar milhões de uniformes incentivou o desenvolvimento de tamanhos padrão. Os tamanhos padronizados permitiram que não só os uniformes, como também roupas civis, fossem produzidos em massa e vendidos “prontos para vestir” (prêt-à-porter).

As melhores oportunidades de educação para os soldados norte-americanos que voltavam da guerra, associadas com uma onda de construção de casas nos subúrbios, se traduziram em uma significativa melhoria na qualidade de vida. Os pais dos baby boomers foram a primeira geração a ter acesso significativo ao crédito ao consumidor. Eles compraram casa a prazo, seu carro a prazo, e seus eletrodomésticos a prazo.

De maneira mais inesperada, a sociedade de consumo forneceu ao Leste Asiático (e não à ex-URSS) não só um modelo a ser seguido, como também um mercado mundial para seus bens de consumo baratos. Então, o paradoxal foi o Socialismo Realmente Existe, isto é, o Socialismo de Mercado, ter propiciado a revolução mundial na Sociedade de Consumo! A inclusão em massa nesse mercado global é uma conquista social e não deve ser menosprezada! A esquerda e os ambientalistas devem rever seus conceitos…

Fernando Nogueira da Costa é professor livre-docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/