Efemérides
É enigmático ou incompreensível porque fatos notáveis acontecem em anos com final 4. Por exemplo, em 2014, alguns estão comemorando o aniversário de 50 anos do Golpe Militar de 1964
Por Fernando Nogueira da Costa
A efeméride é a comemoração de um fato importante ou grato ocorrido em determinada data. Já efemérides, isto é, o substantivo feminino plural, refere-se a uma obra que registra fatos ocorridos no mesmo dia do ano em diferentes anos ou que enumera os acontecimentos sujeitos a cálculo e a previsão durante o ano.
Número cabalístico é relativo a cabala, que tem significado oculto, secreto ou misterioso. É enigmático ou incompreensível porque fatos notáveis acontecem em anos com final 4. Por exemplo, em 2014, alguns estão comemorando o aniversário de 50 anos do Golpe Militar de 1964, outros aproveitam a data para relembrar as perdas pessoais causadas pela ditadura. Não haverá mais nenhum depoimento pessoal quando se atingir um século desde esse golpe. As novas gerações estarão indiferentes a essa triste história.
Pessoalmente, pela minha vivência, 1984 merece sim comemoração. No entanto, veja o que a Wikipedia (a maior e mais acessada enciclopédia de toda a história humana) assinala a respeito. “Em 1984, no dia 25 de Janeiro, o país atinge massa crítica suficiente e reúne condições para se mobilizar na campanha pelas Diretas Já, a mesma classe média que saíra às ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade para gritar contra o comunismo e a favor do sonho americano, que acabou desencadeando o Golpe de 1964, agora muito mais pobre, desempregada, e, se unindo aos miseráveis, favelados, sindicalistas, intelectuais, perseguidos, e ao povo em geral, pedia agora por democracia (novamente)”.
Não é um espanto essa referência à “mesma classe média”?! Quem? Eu não! A classe média não era a mesma. Basta comparar os números de universitários e a militância desde 1974, ano que conseguimos a vitória eleitoral do MDB – único partido de oposição então consentido pelo regime militar. Derrotamos a ARENA.
Economicismo é achar que a economia determina, diretamente, a política. Por exemplo, deduzir o golpe de Estado do ambiente econômico: “a energia elétrica estava racionada em São Paulo, efeito das chuvas fracas na estação das águas: nenhum reservatório contava com mais de 20% de sua capacidade. O ano de 1964 começou com 54% das crianças em idade escolar fora do sistema educacional e com um déficit orçamentário previsto pelo próprio governo em Cr$ 1 trilhão, o equivalente a toda receita prevista. A inflação de 80% ao ano sem qualquer mecanismo de correção monetária levava a todos que tinham opção a fugirem do cruzeiro. No Rio de Janeiro, 5 mil imóveis estavam fechados, enquanto anúncios de aluguel eram publicados em dólar nos jornais. No mercado paralelo, a cotação do dólar saltou de Cr$ 360 em dezembro de 1961 para Cr$ 850 um ano mais tarde e Cr$ 1.270 nos idos daquele março do golpe.
O governo Goulart sabia que precisava pagar US$ 1,6 bilhão em compromissos externos no biênio 64/65, o equivalente a 60% das exportações previstas para o período. Estabeleceu um controle cambial pelo qual as exportações de commodities e importações de petróleo, trigo e bens de capital, responsáveis por 80% do fluxo, tinham que passar pelo Banco do Brasil. Nos últimos oito anos, o Brasil havia terminado com déficit no balanço de pagamentos em sete. Apostando na desvalorização, os importadores correram para formar estoques e os exportadores retardavam ao máximo suas vendas. Na busca desesperada por divisas, Jango apertou as torneiras, restringindo remessas de lucros e dividendos. A resposta foi o corte de investimentos. Em 1961, haviam ingressado US$ 288 milhões em capitais. Em 1963, houve saída líquida de US$ 54 milhões. O crescimento econômico desceu de maneira vertiginosa: entre 1957 e 1962, havia sido superior a 6% todos os anos. Em 1963, foi de apenas 0,6%” (César Felício, Valor, 13/03/14).
No final do regime militar, houve duas maxidesvalorizações cambiais (dez/1979 e fev/1983) que constituíram um regime de alta inflação cujo patamar era 220% ao ano. Esse choque inflacionário provocou inadimplência e repactuação das dívidas dos mutuários do financiamento habitacional na que pode ser considerada “a crise do subprime brasileira” – até hoje há enorme estoque de dívida estatizada no Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS). Houve depressão em 1983, isto é, queda absoluta do PIB e desemprego. Esse ambiente de crise econômica foi o mais relevante no debate político? Como testemunho ocular dessa história, a partir das manifestações de rua, eu diria que não, a luta era pela liberdade política, pela conquista dos direitos civis de votar livremente, em síntese, pela democracia! Confiávamos que a ditadura seria derrubada pelo voto.
Então, em vez de lembrar apenas de 1964, cabe lembrar das mobilizações políticas de 1974 (vitória eleitoral), 1984 (campanha Diretas Já), 1994 (pacto social contra a inflação), 2004 (retomada do crescimento econômico com políticas sociais ativas). E por que não 1944, quando na Segunda Guerra Mundial os Aliados invadem a Normandia como parte da Operação (Dia D) para libertar a França dos Alemães e as tropas da FEB e a FAB são enviadas à Europa para se integrarem ao Quinto Exército da USA no norte da Itália?
Dez anos antes, em 1934, Adolf Hitler tinha adotado o título de Führer, que o tornou na prática ditador da Alemanha. No Brasil, novo mandato presidencial de Getúlio iniciou no dia 20 de julho de 1934, quando tomou posse no Congresso Nacional, jurando a nova constituição. Getúlio deveria governar até 3 de maio de 1938, mas deu golpe militar, em 1937, governando ditatorialmente – com repressão política e tortura no Estado Novo até 1945. O Manifesto dos Generais, de 22 de agosto de 1954, pediu a renúncia de Getúlio, eleito em 1950. Esta crise levou Getúlio Vargas ao suicídio na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954. O suicídio de Getúlio Vargas adiou por dez anos um golpe militar.
O que ocorrerá em 2024? Será fatídico? Uma transição estará acontecendo no País até 2022. Até lá, políticas econômicas de curto prazo terão o papel de moderar a inflação, sustentar o emprego, e controlar o déficit em transações correntes. No bicentenário da Independência política, caso não ocorra uma reversão política, o País já terá obtido uma infraestrutura, inclusive energética pelo funcionamento da 3a. maior usina hidrelétrica do mundo (Belo Monte) e extração de petróleo de águas profundas (Pré-Sal), além de uma logística com estradas, portos, aeroportos, hidrovias, metrôs, etc. Esses fatores relacionados à capacidade produtiva são condicionantes para crescer em ritmo superior, de maneira sustentada, inclusive com o benefício de exportação do excedente de petróleo somada às exportações de commodities agrícolas. O país possui já uma diversificação setorial e um mercado interno que outros latino-americanos não possuem. Aliás, poucos emergentes (salvo os BRICS) possuem. 2024 será só alegria!
Fernando Nogueira da Costa é professor Livre-Docente do IE-UNICAMP. Autor do livro “Brasil dos Bancos” (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected].