A taxa de encarceramento no Brasil é a 4ª maior do mundo e o país ainda conta com um déficit de 170 mil vagas nos presídios

Por Daniel Gaspar

Não há como negar que vivemos em uma sociedade que associa, fortemente, o crime e o sistema penal às prisões. Elas, em tese, seriam a solução mais eficaz para os conflitos sociais que extrapolem a legalidade. A taxa de encarceramento no Brasil é a 4ª maior do mundo e o país ainda conta com um déficit de 170 mil vagas nos presídios1.

O encarceramento em massa, além de não resolver o problema da criminalidade, vem: violando garantias básicas constitucionais dos presos, como o respeito à sua dignidade; contradizendo a função de ressocialização atribuída à pena pela nossa legislação; e incentivando a organização de redes criminosas2.

A questão é que o novo Código Penal, o PLS 236/2012, além de não conseguir enfrentar o problema da prisão como redentora dos nossos problemas sociais, pode aprofundar os problemas gerados pelo encarceramento em massa. Por dois motivos centrais: o aumento de penas e a maior rigidez para progressão do regime.

Além de estabelecer penas maiores para diversos crimes, o parágrafo 2º do artigo 90 do PLS citado dispõe: “Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, com limite máximo de 40 anos, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.”

Se levarmos em consideração que o ambiente da prisão é extremamente turbulento e propício ao cometimento de novos crimes – nas faculdades de Direito, diz-se que a prisão é a “hemodiálise do crime” -, principalmente o de tráfico e o de posse de drogas, é bem possível que muitos jovens, e negros, encarcerados tenham suas penas, já longas, aumentadas em demasia.

Além disso, no novo Código Penal, a progressão de regime fica duríssima. No seu artigo 41, I, fica estabelecido que os condenados não reincidentes só poderiam obter progressão de regime depois de cumprido 1/4 da pena, ao invés de 1/6, como dispunha o Código Penal anterior.

Ora, todos sabemos que não possuímos prisões-hotéis norueguesas, fato pelo qual nossas taxas de reincidência são inversamente proporcionais ao do país escandinavo3. Prolongar o tempo de prisão de alguém que está encarcerado pela primeira vez pode superlotar ainda mais nossos estabelecimentos prisionais.

Uma discussão séria sobre a nova legislação penal deve ter no seu centro o enfrentamento ao encarceramento em massa, que atinge em especial a juventude pobre e negra. A descriminalização das drogas4, prevista no anteprojeto e retirada por pressão dos conservadores; a abolição da pena de prisão para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça; e o aumento das hipóteses de aplicação de penas alternativas à prisão são medidas que poderiam configurar uma agenda mais progressista para o debate posto.

Daniel Gaspar é advogado da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro e doutorando em Sociologia pelo PPGSA-UFRJ.

Notas
1- Dados do Conselho Nacional de Justiça.
2- São práticas de sistemas penitenciários de diversos estados a separação do preso por facção e não pela gravidade do crime que cometeu. http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/01/09/no-maranhao-preso-e-separado-por-faccao-e-nao-por-gravidade-do-crime.htm
3- O CNJ, que realiza em conjunto com o Ipea nova pesquisa sobre a taxa de reincidência em crimes no Brasil, estimou em 2011 uma taxa de 70%. A da Noruega é de 20. http://www.conjur.com.br/2012-jun-27/noruega-reabilitar-80-criminosos-prisoes
4- O Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça estimou, no final de 2012, que cerca de 25% da população carcerária foi presa por algum delito relacionado às drogas. http://portal.mj.gov.br/main.asp

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