O ex-presidente Lula, de forma acertada, sancionou, em 2006, a Lei de nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, para que casos de violência doméstica contra mulheres pudessem ser devidamente identificados, punidos e, acima de tudo, evitados no Brasil. Apesar da Lei homenagear, em seu nome, a história de uma mulher, Maria da Penha, a qual fora cruelmente agredida por seu companheiro ao ponto de carregar sequelas por toda a vida, homenageia, na verdade, a história de milhares de mulheres que são agredidas diariamente e o que é pior, muitas vezes por quem escolheram conviver, formar uma família e amar.

A Lei Maria da Penha é aplicada aos casos de violência doméstica contra mulheres. Porém, este tipo de violência, infelizmente, vai além das portas de casa: está presente no ambiente de trabalho, nas ruas, em locais tanto públicos quanto privados. Ele se manifesta também de diversas maneiras: fisicamente ou moralmente, de forma preconceituosa e cruel.

Com base neste tipo de violência foi que, este ano, a presidenta Dilma lançou o programa “Mulher, viver sem violência”, o qual irá garantir às mulheres que necessitarem serviços públicos de segurança, justiça, saúde, assistência social, abrigo e orientação para trabalho e renda.

O programa traz novidades como a construção de “casas da mulher brasileira”, espaço que reunirá os seguintes serviços: delegacias especializadas no atendimento à mulher (DEAMs), juizados e varas, defensorias, promotorias, equipe psicossocial (psicólogas, assistentes sociais, sociólogas e educadoras) para identificarem perspectivas de vida da mulher e prestar acompanhamento permanente. Além disso, a estrutura física terá brinquedoteca e espaço de convivência.

No âmbito do Poder Legislativo, o Congresso Nacional, desde 1992, têm feito um excelente trabalho para tentar combater este tipo de crime. Aquele ano, foi criada a primeira Comissão para apurar casos de violência contra à mulher. Entre diversas conclusões dos trabalhos da Comissão, a principal foi a de que havia uma grande carência de informações sobre o assunto, além de um sistema precário para o acolhimento das vítimas deste crime, como a falta de preparo dos profissionais nas delegacias, bem como a falta de recursos humanos, psicólogos e demais profissionais para atenderem de forma adequada a estas demandas.

Esta mesma CPMI trouxe dados alarmantes de homicídios contra mulheres, principalmente nos estados de Alagoas, Espírito Santo e Pernambuco. Uma das explicações dada para tantos homicídios nesses estados baseou-se na cultura de submissão das mulheres aos homens.

Em 2012, o Senado e a Câmara instalaram, conjuntamente, outra CPMI (Comissão Parlamentar de Inquérito) com objetivo de investigar novamente a situação da violência contra a mulher no Brasil. O foco principal desta CPMI é apurar denúncias de omissão das autoridades públicas quanto à utilização dos instrumentos de proteção às mulheres vítimas de violência. Entretanto, lastimavelmente, passados vinte anos da criação da última Comissão para o mesmo fim, o resultado trazido pelo relatório final de agora continua desolador.

Após um ano de intenso trabalho realizado pelos seus membros resta comprovado que há um grande número de homicídios de mulheres no Brasil. Dados divulgados pelo Instituto Sangari (Instituto voltado para pesquisas científicas) mostram que nos últimos trinta anos em torno de 91 mil mulheres foram assassinadas, sendo que 43,5 mil só na última década. O número de mortes dos últimos anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6%, ou seja, o número foi mais que triplicado.

No quadro atual, levantado pela Comissão, os cinco primeiros estados campeões no ranking nacional de homicídios contra mulheres são: Espírito Santo, em primeiro lugar, Alagoas, Paraná, Pará e, em quinto e último lugar, o estado do Mato Grosso do Sul.

Para a realização deste trabalho a CPMI analisou milhares de documentos, fez audiências públicas em todas as regiões do país, visitou casas-abrigos, delegacias da mulher, institutos médicos legais, juizados e varas da mulher, assembleias legislativas, governos de estados, além de ter recebido diversas pesquisas das universidades e de organizações.

Apesar dos esforços do governo e de diversos setores da administração pública e do setor privado, infelizmente, o Ipea divulgou, recentemente, o aumento do número de homicídios de mulheres no país. Segundo os dados, entre 2009 e 2011, o Brasil registrou 16,9 mil feminicídios (que é o assassinato da mulher pelo simples fato dela ser mulher, fenômeno mundialmente discutido em foros internacionais de direitos humanos).

Constata-se que grande parte das medidas voltadas para os casos de violência contra a mulher, a exemplo da Lei Maria da Penha, possui obstáculos em sua aplicação, entre esses obstáculos a maioria é a falta de orientação de muitos profissionais, além da ausência de recursos. Tal dificuldade em se implantar estas políticas é mais gritante nos âmbitos estaduais e municipais, nos quais é baixa e, muitas vezes, inexistente, a alocação de recursos para a instalação e manutenção de equipamentos indispensáveis ao atendimento à mulher, como Casas-Abrigo e as Delegacias Especializadas.

Nas audiências realizadas pela CPMI, constatou-se que a escassez de implementação de políticas voltadas para o atendimento à mulher, bem como a falta de profissionais devidamente qualificados para socorrer este tipo de vítima, pode ser encontrada em diversos setores. Na área da saúde, por exemplo, conclui-se que muitos médicos não fazem a notificação compulsória da violência doméstica e sexual conforme a determinação legal. Nos serviços penitenciários e nas delegacias, muitos profissionais não estão preparados para atender às mulheres vítimas de violência, havendo, em diversos casos, o desestímulo, por parte da autoridade pública, para que as mulheres representem contra o agressor. Além disso, ainda há precarização no atendimento às gestantes que se encontram presas, e a maioria das DEAMs (Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher) não funcionam à noite e nem finais de semana. Já no âmbito do governo, concluiu-se que há uma maior necessidade de destinação orçamentária específica para ações de enfrentamento à violência feminina, bem como para a construção de mais casas de abrigo nos estados.

Como desdobramento da CPMI foram apresentadas no Congresso Nacional várias recomendações relativas ao tema, entre elas a que tipifica, no código penal brasileiro, o feminicídio como crime; a criação de um Fundo capaz de arrecadação de recursos voltados especificamente para a garantia dos direitos da mulher e, por fim, a criação de uma Comissão Mista para acompanhar os desdobramentos da CPMI. Estas e outras proposições foram apresentadas e já estão em plena tramitação em ambas as casas. Resta agora que sejam aprovadas.

Da parte do Poder Judiciário, a lacuna até o momento ainda é grande também, pois, apesar do relatório final da CPMI ter sido entregue ao presidente do STF, não se tem informação, por exemplo, da criação da coordenadoria de âmbito nacional para estudar a adoção de políticas públicas e auxiliar os tribunais de Justiça dos estados quanto à aplicação mais eficaz da Lei Maria da Penha, conforme sugerido pela CPMI.

Em face dessa precária situação, o relatório final da atual CPMI, a exemplo do que aconteceu com o relatório final da primeira, de 1992, não poderá ficar apenas no papel ou engavetado pelas autoridades públicas. É fundamental que todos os Poderes da Federação adotem, conjuntamente, além de outras medidas eficazes para se por fim à violência contra as mulheres em todo o país, as recomendações sugeridas pela CPMI. Caso contrário, serão anos de trabalhos e pesquisas jogados fora. Serão vidas também jogadas fora. Serão anos em que, infelizmente, não haverá o que se comemorar no mês de Março, nem nos demais meses.

Rosi Gomes é historiadora e assessora técnica da Liderança do PT no Senado Federal.

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