Há poucos dias foi finalizada no STF, com sete votos favoráveis em face de quatro contrários, a sessão de julgamento dos recursos de alguns dos réus da Ação Penal 470, vulgo “mensalão”

Por Lúcio Costa

Há poucos dias foi finalizada no STF, com sete votos favoráveis em face de quatro contrários, a sessão de julgamento dos recursos de alguns dos réus da Ação Penal 470, vulgo “mensalão”.

Desde o terreno do Direito, o afastamento pelo STF da imputação as penas do crime de formação de quadrilha aos réus que a época dos fatos ocupavam cargos de direção no PT e no governo do presidente Lula deu à luz uma dinâmica que, cedo ou tarde, levará a revisão de um processo realizado em um clima criado pelos barões da mídia de linchamento dos acusados.

Marcado pela truculência imposta pelo ministro Joaquim Barbosa a seus pares e pelo casuísmo materializado, por exemplo, na obrigatoriedade de foro privilegiado para réus com direito a percorrer distintas instâncias de julgamento; numa aplicação da “teoria do domínio do fato” própria a tribunais de exceção posto que, até prova em contrário, os acusados foram todos transformados em culpados; no fatiamento de sentenças conforme os interesses da relatoria e no impedimento do acesso dos advogados de defesa aos autos do Inquérito 2474.

Observado desde o panorama da história nacional, o acolhimento dos recursos manejados pelos réus representou um revés de primeira grandeza a mais, uma tentativa conservadora de bloquear, desta feita através da instrumentalização do STF para a criminalização da política, a construção de um projeto nacional e democrático para o país.

Analisada a postura do ministro Joaquim Barbosa tem-se a reincidência em práticas que já lhe eram características assim como novos agravantes a sua conduta.

Reincidente foi a postura de tratar com os ministros que possuíam razões outras que não as suas ao estilo de um bate-boca de botequim violando, desta forma, os deveres de urbanidade e compostura impostos aos julgadores (as) pela Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN), art. 35, I.

Nova foi à violação por Barbosa, quando veio a público criticar o resultado do acolhimento dos recursos, da proibição a que um juiz (a) manifeste “por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério”, LOMAN, art. 36, III.

Igualmente nova foi a acusação proferida pelo ministro Joaquim Barbosa de haver o governo da República montado uma “maioria de circunstância” esquecendo, aliás, que a indicação de todos (as) os ministros (as) do STF como, aliás, a sua própria, seguiu estrita e rigorosamente os termos da Constituição Federal.

Assim também, novo foi o chamado, proferido por Barbosa ao fim da sessão de julgamento dos recursos, para que a“Nação fique atenta à sanha reformadora” que a dita “maioria de circunstância” estaria prestes a impor ao STF. Desta feita, assistiu-se ao ministro Presidente do STF ir a público para acusar, ainda que indiretamente, o Poder Executivo e, o Legislativo que convalidou as indicações dos ministros e ministras, de fraudar um julgamento no Tribunal mais importante do sistema judiciário brasileiro.

Preste-se atenção à gravidade dos episódios, pois não mais se trata de um magistrado que age com espírito de justiceiro ao invés de aplicar a Lei e a Justiça – aliás, daí a reforma das condenações imputadas aos réus pelo crime de formação de quadrilha – mas do fato do ministro presidente do STF, em nítida violação a Lei Orgânica da Magistratura, ter ido a público para criar um clima de desassossego, suspeição e hostilidade na sociedade quanto à legalidade, a legitimidade e, ao regular o funcionamento das instituições da República.

Inquietante é que as posturas de Joaquim Barbosa se dão em tempos em que voltam à cena com força os cacoetes truculentos e autoritários de parcelas das elites burguesas, de segmentos das classes médias tradicionais e, dos partidos conservadores.

Aí está a explicação para o espaço que o discurso de extrema direita praticado pelo Tea Party nos Estados Unidos tem ganhado nos meios de comunicação de massa – vide o número crescente de Sherazades midiáticas – assim como do animus da convocação realizada em São Paulo sob os auspícios da senhora Rachel Sherazade e, diz-se, de Olavo de Carvalho, da II Marcha Pela Família que, além de comemorar os cinquenta anos do golpe civil-militar contra o governo do presidente João Goulart, pede a deposição da presidenta Dilma Rousseff, a dissolução do Congresso Nacional, o fechamento dos partidos populares e, a intervenção no STF, nos estados e municípios.

Daí que a conduta do ministro Barbosa desnude tanto uma personalidade propensa a cacoetes mandonistas bem como revele o centenário autoritarismo e truculência da Casa Grande e de seus agregados os quais hoje, sob as formas do preconceito, medo e desejo de “preservação da ordem”, manifestam sua resistência frente às mudanças que ao subtraírem privilégios de uns poucos afirmam direitos de milhões.

Assim, estes começos de 2014 indicam que parcelas das oligarquias, dos barões da mídia e dos partidos da ordem, acuados com a possibilidade de mais um revés nas urnas nas próximas eleições presidenciais estão a lançar mão da retórica do anticomunismo dos tempos da Guerra Fria, da verborragia lacerdista1 e do golpismo udenista2 como expedientes necessários a impedir que o aprofundamento das políticas democráticas levadas adiante pelos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma acabem por remover os alicerces da senzala e abrir passo à possibilidade de construção do Brasil como sociedade democrática. Estejamos atentos. Disso se trata.

Notas

1- Lacerdista: partidário de Carlos Lacerda. Político conservador envolvido nos episódios que resultaram no suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, na tentativa de golpe contra o presidente Juscelino Kubitschek e, no golpe civil-militar de 1964. Caracterizava-se por um discurso no qual abundavam acusações de “corrupção”, “ataques à família” e, de “subversão comunista” a seus oponentes.

2- Udenista: adepto da União Democrática Nacional (UDN), partido conservador envolvido em tentativas de golpe contra os presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e, na deposição, em 01 de abril de 1964, do presidente João Goulart.

Lúcio Costa é advogado.

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