O entrevistaFPA recebeu a ativista Miriam Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres, para um debate sobre o feminismo no século 21

Por Fernanda Estima

A temática feminista e as variadas pautas e lutas das mulheres pelo mundo foram o centro do debate no entrevistaFPA da quarta-feira, 19. Conduzido por Joaquim Soriano, diretor da Fundação Perseu Abramo, a ativista Miriam Nobre, da Marcha Mundial das Mulheres, falou sobre feminismo e os debates perenes e em voga atualmente no movimento de mulheres.

Engenheira agrônoma e mestre em “Programa de Estudos na Integração da América Latina”, pela Universidade de São Paulo, Miriam atuou na Sempreviva Organização Feminista (SOF), entre 1993 e 2006, como analista de temas relacionados à economia feminista, agroecologia e economia solidária. De 2006 a 2013 coordenou a Secretaria Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), movimento que hoje está espalhado por 60 países.

Marcha pelo mundo
 “O feminismo é uma visão de mundo que fala de todos os temas. Nossa construção não segue modelos, defendemos processos coletivos. Precisamos mudar o mundo todo para mudar a vida das mulheres”, disse Miriam sobre o feminismo atual. Ao abordar as ações da Marcha Mundial das Mulheres, ela explicou como as pautas específicas se coadunam com reivindicações mais gerais. “A marcha é um movimento feminista e anticapitalista internacional, que sempre buscou olhar as causas, e que passou a entender como o sistema capitalista e patriarcal se interliga, assim como o neocolonialismo e o racismo.”

Mudar o mundo para mudar a vida das mulheres

Miriam Nobre: feminismo na pauta do entrevistaFPA

Em 2013, São Paulo recebeu 1.600 militantes, de todo o mundo, para o 9º Encontro Internacional da MMM. O início das atividades foi marcado por um cortejo feminista para receber as mulheres vindas de 40 países. Miriam relembrou os temas debatidos no encontro e reforçou que a Marcha se constrói e se reforça ao “colocar as mulheres da base como protagonistas”.

Feminismo e anticapitalismo
O impacto e as consequências do neoliberalismo na vida das mulheres, debatido no encontro, continua na pauta. No entrevistaFPA, Miriam reafirmou que “as mulheres são as mais afetadas pela crise”, lembrando a situação na Espanha, onde às mulheres é oferecido um cardápio de perdas de direitos e retrocessos. Para Miriam, o feminismo entende que muitas questões se modificaram e que “a situação melhorou, mas há outros problemas que se alteram ou aumentam”.

Das grandes obras em andamento no país, como a realização da Copa do Mundo, à construção de cisternas por mulheres no semiárido brasileiro, passando por ativismo na internet, aumento do salário mínimo, debates sobre prostituição e mercantilização da vida, até democratização dos meios de comunicação, são todos temas que as feministas acompanham. A ativista lembrou que a “construção das críticas e a forma de ação são importantes para conter o capital, que é muito hábil para usar nossas pautas”.

Para exemplificar, ela citou uma conhecida palavra de ordem das mulheres, “meu corpo me pertence”, ressignificada no exterior em manifestação sobre legalização da prostituição como “my body is my business” (meu corpo é da minha conta/é meu negócio), resumindo uma luta por direitos a uma questão mercantilista. “O capitalismo comanda várias movimentações e isso inclui o direito ao nosso corpo.”

Mudar o mundo para mudar a vida das mulheres

Miriam e Joaquim: feminismo gerou grande participação nas redes

Mercantilização do afeto
Ainda no tópico prostituição, Miriam lembrou o lançamento de uma cartilha da SOF, no dia 18 de fevereiro, sobre o assunto (leia aqui), ainda controverso mesmo entre as feministas. A SOF defende que a mediação pelo dinheiro coloca os homens em posição de poder e deixa as mulheres vulneráveis. Para a ativista, boa parte da esquerda ainda crê que a garantia de direitos trabalhistas, no caso, a legalização da profissão, por si, geraria uma solução para a questão. “A marcha condena a prostituição como instituição.”

A questão dos direitos trabalhistas tem seu exemplo mais conhecido no caso das trabalhadoras domésticas. “A legislação a favor das domésticas não seria uma forma de conciliação em vez de encarar o problema?”, questiona Miriam. Ela acredita que a “sociedade precisa entender a importância do trabalho doméstico relegado pelo capitalismo como não-serviço. A divisão sexual do trabalho é muito importante e queremos que as empregadas domésticas possam também ter outras profissões.”

Apesar das muitas pautas e lutas, em um mundo em constante mudança, Miriam é uma mulher otimista. “Vivemos momentos duros, mas a participação de todas mostra que podemos fazer diferente e viver em liberdade, podemos recriar o espaço público e liberar territórios para as mulheres. O feminismo olha para o conjunto para definir o que é igualdade para todas e todos.”

Assista a íntegra do entrevistaFPA com Miriam Nobre

Fotos: Sérgio Silva e Márcio Marco