Um balanço de 2013 e os desafios para 2014
Nós, mulheres cutistas, não pactuaremos com as movimentações retrógradas em relação ao controle dos nossos corpos e nossas vidas
Por Rosane Silva
A Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT constrói suas ações a partir do entendimento de que um novo modelo de desenvolvimento só será possível com a igualdade entre homens e mulheres. A nossa política é construída a partir das resoluções congressuais e as ações são consensuadas nas reuniões do Coletivo Nacional de Mulheres da CUT.
Entendemos que a transformação da sociedade e a luta por melhores condições de vida e trabalho passam pela incorporação de toda a classe trabalhadora, nossa luta é sistêmica e não apenas pontual. A opressão e a exploração das mulheres seguem dando sustentação ao capitalismo e as suas contradições, portanto, não bastam ações e demandas com “recorte de gênero”: mudar a vida das mulheres significa transformar o mundo em que vivemos.
No ano de 2013 nossa pauta foi constante em torno da luta por um trabalho e vida decente. O que significa principalmente incorporar a lógica do trabalho reprodutivo, aquele que inclui tarefas que são absolutamente indispensáveis para a estabilidade física e emocional de todos os membros do lar: lavar, limpar e cuidar. Sabemos que o trabalho relacionado à esfera do privado e do lar em geral é pouco agradável, repetitivo e esgotador. Mas, que sem ele o mundo não funciona.
Combater a precarização e a terceirização
Muitas mulheres foram incorporadas ao mercado de trabalho, o que significou acesso a renda, direitos e participação na vida pública. As mulheres conquistaram mais anos de estudo do que os homens, porém, ainda assim, a taxa de desemprego das mulheres é maior, assim como somos a maioria na economia informal.
Nesse contexto, o aumento da presença de mulheres no mercado de trabalho veio acompanhado do crescimento simultâneo do emprego vulnerável e precário das mulheres. Não se alteraram as desigualdades salariais entre homens e mulheres e a divisão do trabalho doméstico, fazendo com que outras mulheres continuassem realizando as tarefas do lar.
Devido à necessidade de articular o trabalho profissional com o doméstico, as mulheres tendem a aceitar com maior frequência os empregos precários, cujas características são as jornadas em tempo parcial ou contratos temporários. Nas ocupações informais, o trabalho feminino acaba invisibilizado devido a sua realização em ambiente doméstico, fator que contribui para esconder a participação das mulheres na economia.
Ainda que a economia brasileira tenha se desenvolvido nos últimos anos e obtido resultados positivos, ela não tem sido capaz de gerar trabalhos de “qualidade” para parcela significativa dos trabalhadores, tampouco tem reduzido a informalidade. O mercado de trabalho no Brasil não superou as barreiras para as mulheres, em termos de igualdade de remuneração e superação da segmentação de gênero nas ocupações, além da repartição desigual entre homens e mulheres nas atividades domésticas.
Impelidas por essa realidade é que incorporamos em nossa luta a transformação das relações de poder entre homens e mulheres não apenas nas empresas, mas na família e na sociedade como um todo.
Trabalhadoras Domésticas
O emprego doméstico é um setor que tradicionalmente confere uma porta de entrada para inúmeras mulheres ao mercado de trabalho, especialmente para aquelas com baixo nível educacional. Na América Latina é um setor que tem forte presença em países como Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. De longe o Brasil é o maior empregador, segundo a OIT são 7,2 milhões de trabalhadoras domésticas- em que as mulheres negras correspondem a 59,6% – e é um dos setores mais marcados pela precariedade.
Na América Latina, os altos índices de desigualdade permitem que as famílias mais abastadas possam contratar empregadas domésticas. O resultado disso é a manutenção das desigualdades sociais entre homens e mulheres e entre as próprias mulheres. Algo que não pode ser explicada se não recorrermos à dimensão extratrabalho, principalmente à relação entre homens e mulheres no universo doméstico.
Nesse aspecto, a luta das empregadas domésticas em seus sindicatos tem sido fundamental para dar o devido reconhecimento à dimensão do trabalho reprodutivo. A equiparação constitucional dos direitos das empregadas domésticas a dos demaisPor Rosane Silva, Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
trabalhadores significa atribuir o valor econômico e social a um trabalho que é essencialmente realizado por mulheres. Por isso, essa é uma luta não apenas da CONTRACS e FENATRAD, organizações das quais estivemos juntas este ano, mas de toda a CUT.
Prostituição
Questionar o capitalismo a partir do feminismo tem como uma de seus elementos centrais a compreensão de que a opressão e mercantilização da vida das mulheres estruturam o modelo atual. As relações sociais são marcadas pela lógica de que tudo é mercadoria, as relações entre as pessoas tornam-se uma relação entre coisas.
Dentro dessa imposição de um padrão de sexualidade e feminilidade a fim de atender aos desejos dos homens é que o mercado forja uma naturalização de fenômenos em nossa sociedade como a prostituição e a pornografia. Devemos estar atentas aos projetos que propõem a legalização da prostituição sob o falsPor Rosane Silva, Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
o argumento da garantia de mais direitos às mulheres. Esses projetos até o momento não trazem nenhuma proposta que rompa com o ciclo de submissão das mulheres aos desejos masculinos. Ao contrário, mantém a lógica de transformar nossos corpos e sexualidade em mercadoria.
Nossa posição não é de oposição as mulheres em situação de prostituição, denunciamos inclusive o estigma e marginalização que recai sobre elas. Lutamos para que as mulheres tenham autonomia sobre seu corpo, exerçam livremente sua sexualidade e não sejam obrigadas a utilizá-lo como forma de obter renda.
Sem retrocessos: legalizar o aborto
Durante o ano de 2013, saímos às ruas inúmeras vezes em luta para garantir e preservar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Levantamos nossas vozes contra o avanço do Estatuto do Nascituro, e para que a presidenta Dilma Por Rosane Silva, Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
sancionasse a lei que garante o atendimento pelos equipamentos públicos de saúde às mulheres vítimas da violência sexual. A defesa da legalização e discriminalização do aborto é o centro dessa luta, sabemos que qualquer retrocesso tem implicância direta na vida das mulheres.
Numa sociedade marcada pela desigualdade entre homens e mulheres, a prática da sexualidade acaba sendo um campo que também reflete essas diferenças. A relação entre o patriarcado e capitalismo interfere na maneira como as mulheres exercem sua sexualidade, a partir da imposição de um padrão heteronormativo e de feminilidade para a dedicação a família.
A proposta escandalosa do Estatuto do Nascituro revela que nossos corpos tornam-se um espaço de disputa política na reafirmação dos valores machistas e misóginos, ignorando a violência contra a mulher e legitimando o crime do estupro, além de propor retirar o direito de aborto nos casos já previstos em lei.
Nós, mulheres cutistas, não pactuaremos com as movimentações retrógradas em relação ao controle dos nossos corpos e nossas vidas, pois a cada dois dias em que o aborto continua ilegal em nosso país uma mulher morre devido às condições de abortamento inseguro. Reafirmamos que é dever do Estado garantir as condições de abortamento seguro, legal e gratuito para todas as mulheres. Defendemos o livre exercício da sexualidade, com liberdade, respeito e responsabilidade, sejam as mulheres casadas, lésbicas ou solteiras.
Desafios 2014
Em 2013 aprovamos a construção de um curso de formação política para mulheres da CUT. Sabemos do desafio, pois pela primeira vez teremos um projeto que foi elaborado e será coordenado por nós mulheres. Nossa perspectiva é fortalecer a capacidade das trabalhadoras em construir diagnósticos sobre a situação das mulheres no mundo do trabalho. Pretendemos que nossas elaborações e ações sejam refletidas na organização e pauta das campanhas salariais, nas campanhas de sindicalização, nas campanhas temáticas e na formulação de políticas públicas.
Ação das Mulheres da CUT
A Ação das Mulheres da CUT é uma atividade parte de nossa luta por um modelo de sociedade em que o desenvolvimento seja voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente.
Desde janeiro de 2013 o Coletivo Nacional de Mulheres da CUT tem se esforçado para debater e construir a Ação das Mulheres da CUT, que significa organizar umaPor Rosane Silva, Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
grande Marcha de Mulheres Cutistas para Brasília a fim de apresentar uma pauta de reivindicações que visem à transformação da vida das mulheres. A Ação será coordenada pela Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora e a construção será realizada com as Secretarias Estaduais de Mulheres, assim como de ramos e entidades parceiras.
Sob o lema “Trabalhadoras em luta por um modelo de sociedade com igualdade, liberdade e autonomia”, a ação das mulheres da CUT terá três eixos: igualdade, liberdade e autonomia.
Além do fortalecimento da nossa pauta pretendemos que nossa Ação contribua para o fortalecimento do protagonismo das mulheres na organização sindical por todo o país, assim como favoreça nossa auto-organização, elaboração coletiva e solidariedade.
O ano de 2014 será um ano de muitos desafios para as mulheres cutistas com construção cotidiana da nossa Ação por meio de mobilização, atividades de formação e organização. Dentre tantas tarefas destacamos os Encontros Estaduais e Nacional de Mulheres da CUT como espaços de formulação coletiva e construção de unidade.
Além desta pauta intensa, ainda teremos outro desafio estratégico que será reeleger o nosso projeto democrático e popular, com a reeleição da nossa Presidenta Dilma Rousseff. Num contexto de eleições, temos uma ferramenta importante e que nos permite disputar o projeto de governo com ideias concretas, que é a Plataforma da Classe Trabalhadora e a agenda feminista. Pois sabemos que a emancipação da classe trabalhadora também implica na emancipação das mulheres.
Que venha 2014, com muita energia, determinação e solidariedade, marcas da mulheres cutistas!
Rosane Silva é secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT