Por Marcelo Zero

Nem tudo que é novo é bom.

Na Alemanha dos anos vinte, a grande novidade política era um sujeito que não conseguia pintar um quadro decente, mas que tinha grande facilidade para canalizar ódios, medos e ressentimentos. Deu no que deu. No Brasil do final da década de 1980, a grande novidade era um político obscuro, que não tinha real inserção social, mas que possuía, com o apoio da mídia, o dom de vender inimigos imaginários, os funcionário públicos, e soluções bonapartistas e fáceis para todos os problemas do país. Foi-se com facilidade.

Nem tudo que é velho é ruim.

A constituição norte-americana de 1787 continua a ser fonte de inspiração para todos os democratas. Os ideais do Iluminismo também continuam a brilhar em todas as verdadeiras democracias do mundo.

E nem tudo que aparenta ser novo realmente é.

No mundo da política, em especial, há muita velharia travestida de grande novidade. Lembra o poema de Bertold Brecht, Parada do Velho Novo, no qual o Velho é apresentado como o Novo, com “novas muletas” e “novos odores de putrefação”.

Não se trata propriamente de pessoas, trata-se de ideias e conceitos recorrentes, que ressurgem teimosamente de seu fracasso.
Uma delas é o que se pode chamar de “interpretação moralista” do Brasil.

O nosso país já teve muitos intérpretes, de Gilberto Freyre a Florestan Fernandes, passando por Sérgio Buarque de Hollanda, Raimundo Faoro, Caio Prado Júnior e Celso Furtado, entre vários outros. Todos eles interpretaram o Brasil a partir de vários fatores estruturais de natureza diversa, econômica, social, política, histórica, cultural, etc. Entretanto, há também essa ubíqua e superficial interpretação moralista do Brasil, que intenta “explicar” os problemas da nação, não com fundamento em fatores estruturais e históricos da nossa formação, mas com base em supostas deficiências éticas e morais e na predominância da corrupção.

Muito ao gosto das classes médias tradicionais e conservadoras, essa “interpretação” do país, não é, evidentemente, algo novo. Na realidade, ela sempre esteve presente em embates políticos no Brasil contemporâneo. Com efeito, a luta contra governos mais progressistas sempre foi feita sob a égide do combate à corrupção. Foi assim no embate contra Getúlio, cujo suicídio, impulsionado pelo udenismo, acabou por levar ao poder Jânio Quadros, cuja vassoura moralizadora, além de não ter dado nenhuma resposta ao problema da corrupção, abriu caminho para a aventura autoritária do golpe de 1964, realizado também sob o manto moralizador do combate aos corruptos e aos comunistas.

Ultimamente, predomina na mídia conservadora e na oposição, uma “nova” versão dessa interpretação, o neoudenismo. Tal como as antigas versões, o neoudenismo não explica realmente nada, apenas vocifera contra a impunidade, sem se debruçar sobre as causas concretas e estruturais dos problemas do país e da própria corrupção. Obviamente, essas causas não se relacionam tanto com a suposta impunidade, que vem sendo combatida com o crescente fortalecimento das instituições independentes de controle e a promoção da transparência, mas sim com a privatização do Estado brasileiro e com a exclusão econômica, social e política de vastas parcelas da população.

Mas embora o neoudenismo não explique nada e, portanto, não tenha nada de concreto e racional a propor, ele serve, como no passado, para reiterar ataques a governos progressistas. A direita brasileira, órfã do neo(paleo)liberalismo fracassado, não tem nenhum discurso propositivo viável e se dedica desesperadamente à exploração demagógica dos “escândalos” seletivos amplificados pela moral de ocasião. Sem grande sucesso. Essa ausência de efetividade nos ataques talvez seja a única “novidade” do neoudenismo.

Uma segunda “novidade” tange ao apoliticismo e sua rejeição a toda forma de democracia representativa, que tanto foi observada recentemente no Brasil. Discurso caquético. O mencionado pintor fracassado já tinha, nas suas indigestas obras, feito análises furibundas sobre a inutilidade dos partidos e dos parlamentos. Chegando ao poder, encarregou-se de incendiar o Reichstad e de enterrar a democracia representativa e todos os partidos, exceto o dele, é claro. Nesse sentido, algumas ruas brasileiras, felizmente poucas, lembraram mais a Marienplatz da Munique dos anos 20, que a Praça Tahir do Egito deste século.

Uma terceira “grande novidade”, ligada à segunda, tange à crítica à “velha política” e a proposição de uma “nova política”. Uma “novidade” que se tornou moda em tempos recentes. Uma “novidade” tão velha quanto a política. De fato, não há nada mais velho do que velho que se apresenta como novo.

Não que o sistema político brasileiro não precise de profundas mudanças. A nossa democracia representativa tem sérias limitações e distorções. A fragmentação do quadro partidário força a construção de um presidencialismo de coalizão, que exige, muitas vezes, negociações de cargos e de partes do orçamento para garantir uma precária e difícil governabilidade. As caríssimas eleições e a inexistência de um sistema de financiamento público dos pleitos provoca uma avassaladora influência do poder econômico sobre o mundo político, distorcendo a vontade popular.

Mas, ao contrário do que discurso demagógico da “nova política” deixa transparecer, essas distorções não serão resolvidas com promessas solenes, novas (velhas) caras, presença em redes sociais e partidos que não se reconhecem como tal.  O velho oportunismo eleitoral não se transformará, por arte de mágica, em novo virtuosismo político.

E a democracia representativa não será substituída por uma democracia direta que fará ágoras com mais de 100 milhões de eleitores. As redes sociais não substituirão os votos, embora possam contribuir para a implementação de novos mecanismos de democracia direta, no âmbito da representação política. As vozes das ruas só se transformarão em poder das ruas quando se fizerem representar democraticamente pelas vozes de seus representantes eleitos.

Na realidade, a solução para os velhos problemas do sistema político brasileiro não está nas promessas vazias da “nova política”, mas sim na velha, boa e indispensável Reforma Política. Com efeito, essa reforma, que está há mais de vinte anos no Congresso Nacional, poderia, de fato, mudar a forma de se fazer política no Brasil, impedindo a influência excessiva do poder econômico na representação e permitindo uma governabilidade livre dos velhos vícios patrimonialistas e fisiológicos.

O novo Brasil que foi efetivamente criado nos últimos anos, que tem dezenas de milhões de pessoas que saíram da miséria e que são, agora, novos cidadãos e sujeitos de direitos, não cabe mais no velho e limitado marco do nosso esgotado sistema político. A extraordinária mudança social que ocorreu no Brasil na última década, o processo inédito de crescimento com distribuição intensa da renda, se constitui na grande novidade histórica do país. Foram essas redes de solidariedade social, e não as redes cibernéticas, que criaram algo profundamente novo no Brasil. E essa real novidade social precisa se expressar em uma nova realidade política e eleitoral. A causa última das grandes manifestações de junho está nesse evidente descompasso.

A presidenta Dilma entendeu bem esse novo processo e lançou o corajoso desafio de submeter a Reforma Política a um plebiscito, um mecanismo de democracia direta. Uma maneira nova de resolver um velho problema, que tem sua solução sempre postergada.

Contudo, a velha resistência à reforma é grande, o que não causa surpresa. Não deixa de surpreender, no entanto, que, entre as forças mais empenhadas em impedir a Reforma Política, estejam justamente as que se apresentam como as que querem promover a “nova política”.

Impossível deixar de perceber, junto com Brecht, o som das “novas muletas” e os “novos odores de putrefação”.

Marcelo Zero é assessor técnico da liderança do PT.