Leilão do campo de Libra, na Bacia de Campos (RJ), é o grande teste para novo marco regulatório de partilha, críticado pela direita e pela esquerda

Por Giorgio Romano

O leilão do campo de Libra, na Bacia de Campos, a 183 km da costa do Rio de Janeiro, é o grande teste para novo marco regulatório de partilha e está sendo críticado pela direita e pela esquerda.

O total de onze empresas, incluindo a Petrobras, que pagaram R$ 2 milhões para se inscreverem para a 1ª rodada com o regime de partilha, frustrou as expectativas da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que esperava a inscrição de cerca  40 empresas e a formação de oito consórcios para a disputa. Agora, o número de consórcios deve se restringir a dois ou três. Não está excluída a apresentação de somente um consórcio em torno da Petrobras. As inscrições se encerraram em 19 de setembro e o leilão está previso para 21 de outubro de 2013.

Libra: um mês de agonia

Observações preliminares
1) A estabilidade do nível de produção total de petróleo no Brasil (em torno de 2 milhões de barris por dia) esconde o enorme êxito da Petrobras, detentora de uma tecnologia endógena construída ao longo de décadas, que a fez descobrir o pré-sal. Em junho de 2013, somente sete anos depois da descoberta, o Brasil estava produzindo 376 mil de BOE (petróleo e gás equivalente) por dia do pré-sal, superando todas as estimativas, inclusive da própria Petrobras. O aumento da produção deve iniciar-se de forma expressiva a partir de 2014, para dobrar até 2020.

2) A introdução de um novo marco regulatório para a exploração e produção do pré-sal (e outras jazidas em condições similares) representa uma das mais ousadas políticas implementadas no governo Lula, contrariando interesses poderosos, garantindo uma modesta reestatização (através de um processo capitalização empreendido em setembro 2010) e mecanismos que devem impulsionar  uma requalificação do processo de industrialização, com forte potencial de ser uma das locomotivas da requalificação do parque industrial brasileiro. Sempre lembrando que a exploração em águas ultra-profundas, como é o caso do pré-sal, representa a fronteira tecnológica da indústira de P&G, exigindo a aplicação de tecnologias avançadas de informática, robótica, novos materiais e nanotecnologia.

3) Ao longo do debate, entre 2008 até a aprovação do conjunto de dispositivos legais em dezembro de 2010, estava claro que, mesmo assim, não atingiria as reivindicações de um conjunto de forças de esquerda, liderado pela Frente Única dos Petroleiros (FUP) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que na época se expressou em uma proposta de lei do deputado Vicentinho (PT-SP), visando a reestatização total da Petrobras, com bons argumentos, mas longe de poder conquistar apoio de amplos setores fora e dentro do Congresso. A campanha “O pré-sal é nosso” não conseguiu de longe mobilizar as massas. Enquanto isso, os interesses (neo) liberais reclamaram nos bastidores e nos meios de comunicação. Assim, por incrível que pareça, Lula apresentou as propostas do novo marco regulatório dessa riqueza com potencial enorme para o futuro do Brasil sem que nenhum dos candidatos de oposição o transformasse em assunto na campanha de 2010. Nem Serra, nem Marina, nem Plínio. Este último inclusive confessou em um debate, ao ser provocado por Dilma a respeito, que não estava acompanhando o assunto!

4) Uma vez definido 2013 como o ano da retomada das leilões de P&G, após um jejum de cinco anos,  com nada menos de três leilões, as forças liberais começaram a se organizar para desacreditar  a Petrobras, colocando em dúvida a sua capacidade de liderar todo o processo de exploração e produção nas áreas do pré-sal. Tentou-se responsabilizar o novo marco regulatório pela forte queda do valor de mercado da empresa, como também pelo seu déficit comercial, o que tem nada a ver com o marco regulatório do pré-sal, mas com a falta de investimentos nos últimos 30 anos em capacidade de refino diante de uma explosão da demanda. O congelamento dos preços dos combustíveis no âmbito de uma política antiinflacionária criou de fato problemas de caixa para a Petrobras, ainda mais porque ela é obrigada a importar derivados (até a entrada em operação das refinarias em construção) a preços superiores aos preços nacionais, o que gera um custo alto para a empresa.

5) Lembrando que a 11ª Roda de Licitação realizada em maio de 2013 foi um sucesso em arrecadação de bônus de assinatura (R$ 2,82 bilhões) e participação de empresas. Esta Rodada tinha como foco a chamada margem equatorial (a foz da Amazonas e as bacias do Pará-Maranhão), espelho das recentes descobertas no equatorial africana (em particular na costa de Gana). Há previsão de R$ 7 bilhões de investimentos na exploração dos 142 blocos concedidos para trinta empresas vencedoras, dezoito estrangeiras e doze nacionais. A Petrobras optou para uma participação estratégica focando em áreas específicas arrematando 34 blocos integralmente ou em parceria, levando em consideração também o compromisso com a primeira rodada do pré-sal. O sucesso estimulou a formação de uma cadeia de fornecedores e de prestadores de serviço e fez o governo optar por antecipar o leilão do pré-sal, a ser realizado agora,  antes do leilão do gás não convencional (que ficou para novembro), a outra grande novidade prevista para esse ano.  A perspectiva de demanda da cadeia, em combinação com a firmeza com a qual o governo exige conteúdo local na 11º Rodada de 62,3%, na média, para a fase de exploração, e 75,9%, na média, para a fase de desenvolvimento, estimula investimentos produtivos, como por exemplo a construção de uma fábrica para produção de equipamentos de perfuração pela norueguesa Aker em Macaé (RJ), envolvendo um  investimento de R$ 200 milhões ou o de mais de R$ 400 milhões da  GE Petróleo & Gás em produção de tubos flexíveis que conectam as plataformas aos poços.

Observe que a imprensa conservadora antes da Rodada questionava o interesse devido às inseguranças e ao longo jejum de cinco anos desdo o último leilão, para depois da confirmação do sucesso, reivindicar que se trataria de êxito do bom velho regime de concessão.

1º Leilão de partilha
O leilão da área de Libra sob o novo regime de partilha, não é o primeiro de áreas de pré-sal. Já foram concedidos 32% da província do pré-sal: 28% sob regime de concessão (antes do governo acordar para a nova realidade geológica) e 4% na forma de concessão honrosa para a Petrobras,envolvendo as áreas de  Florim, Franco, Sul de Guará, Entorno de Iara, Sul de Tupi, Nordeste de Tupi e Peroba, o que está relacionado de forma inteligente ao processo de capitalização da Petrobras com um implícito aumento do controle estatal da empresa.

O leilão é,  sim, o primeiro baixo regime de partilha aprovado em dezembro de 2010, e, portanto um teste.

Libra destoa da história de petróleo brasileiro pelo seu tamanho: sozinha detém entre 8 a 12 bilhões de barrís de óleo equivalente (BOE) e deve exigir entre 15 e 17 plataformaspara a sua exploração, desenvolvimento e produção. Para se ter uma ideia: até a descoberta do pré-sal as reservas comprovadas totais do Brasil eram 15 bilhões BOE. Dois outros elementos são importantes: o risco de exploração é mínimo no sentido de garantia de presença de petróleo de alto nível e gás. Mas ao mesmo tempo os investimentos exigidos para realizar a exploração, o desenvolvimento e a produção são elevados.

Desde o ano passado toda a campanha de desmoralização de Petrobras, muito bem orquestrada teve como objetivo forçar o governo a flexibilizar e/moderar na exigência de controle de no mínimo 30% pela Petrobas em todas as áreas do Pré-Sal;

na exigência da Petrobras em todos os casos ser a operadora, ou seja o líder do consórcio vencedor que toma as decisões estratégicas;

no government-take ao estabelecer os detalhes da partilha do excedente e as regras para o cálculo do custo óleo;

nas regras do conteúdo local;

no papel da estatal Pré-Sal Petróleo SA (PPSA) que pelas regras tem garantido 50% dos assentos do comitê operacional com poder de veto e com a responsabilidade de aprovar do custo óleo.

O governo não cedeu em nenhum desses pontos e, agora podemos identificar, torce para o leilão de 21/10 ter um resultado inferior ao esperado. Por exemplo: “ Espera-se, caso o resultado do leilão não seja positivo, que ao menos o legilsador possa rever determinadas questões regulatõrios…21 de outubro próximo saberemos se temos urgência em muder as leis do pré-sal” (Quintas no Valor de 23/09/2013, a título de exemplo).

Lembramos ainda que a grande novidade do regime de partilha com relação ao de concessão é que o petróleo produzido é de propriedade do Estado, que tem autoridade sobre a comercialização do que for produzido.

Colocando o bloco na rua
O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) fixou o bônus de assinatura em R$ 15 bilhões, o que deve ajudar o governo a honrar seu compromisso com o superávit primário deste ano. A preocupação com o equilíbrio fiscal de curto prazo das contas públicas não contradiz necessariamente a visão estratégica a respeito da política industrial e energética, como alguns críticos alegam. A parte do excedente da partilha (produção – royalties – custo óleo) que caberá ao governo foi fixada com mínimo de 41,65%. Juntando o bônus de assinatura, a participação do governo na partilha, os royalties e o imposto de renda e contribuição social ao longo da concessão, a captura da renda de petróleo por parte do governo brasileiro deve ficar em torno de 75%. Lembrando que o vencedor do leilão é aquele que oferece maior percentual de óleo na partilha à União. A concessão será por 35 anos, incluindo quatro de exploração e cinco de desenvolvimento, seguido de 26 anos de produção. Conforme já mencionado, o cálculo do custo óleo está subordinado a um controle absoluto por parte da estatal Pré-Sal Petróleo PPSA.

As compras hoje realizadas da 7ª rodada são aperfeiçoadas ao aplicar o critério de conteúdo local por sistema de famílias de produto.  Esse mesmo rigor está previsto nos contratos do primeiro leilão da partilha. A construção das plataformas para Libra deve iniciar em 2016/2017, logo depois de ter sido concluída a demanda de sondas de perfuração e navios-plataformas para a Petrobras.

A crítica por parte das empresas internacionais foi desde o início a dificuldade para recuperar investimentos no curto prazo. O governo permite recuperar somente 50% do curso óleo nos dois primeiros anos e 30% nos anos seguintes.

Crítica pela esquerda
A lei 12.351/2010, que rege exploração de petróleo pelo regime de partilha, diz, no caput do Artigo 8º: “A União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia, celebrará os contratos de partilha de produção: I – diretamente com a Petrobras, dispensada a licitação; ou II – mediante licitação na modalidade leilão”. Não há, na lei vigente, nenhuma disposição que obrigue a oferta em leilão.

Em 20 de setembro, (enquanto as forças liberais estavam “festajando” a disistência das principais empresas norte-americanas e britânicas), um conjunto de organizações entre centrais sindicais, ONGs e grupos ligados a movimentos sociais protocolaram, no Palácio do Planalto, uma carta à presidente Dilma Rousseff pedindo o cancelamento do leilão de Libra solicitando que a exploração do campo seja entregue unicamente à Petrobras.No documento, as organizações afirmam “defender os interesses da soberania da nação” sobre os recursos naturais e criticaram a intenção das empresas transnacionais de “apoderarem-se das reservas do Pré-sal”. No mesmo dia 20, a Justiça indeferiu pedido de liminar contra a realização do leilão do campo de Libra em ação popular ajuizada pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) que alegou que fossem concluídos primeiro os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado para apurar denúncias de espionagem das comunicações da presidenta Dilma Rousseff e da Petrobras.

A favor da proposta do CNPE deve ser alegado principalmente o objetivo de atrair investimentos na produção de energia. Graça Foster, presidente da Petrobras, afirmou, em audiência no Senado (19/9/2013), que é exclusivamente de ordem financeira a restrição que impede a Petrobras de empreender, sem sócios, o desenvolvimento de Libra. Se é verdade que a Petrobras teria condições de aumentar suas captação externa, isso de qualquer forma aumentaria o risco cambial e a pressão contrária a uma necessária desvalorização do real para aumentar a competitividade da indústria brasileira. O pré-sal exige grandes investimentos agora, para garantir um fluxo e renda extraordinário daqui há sete, oito anos. E o Brasil não pode esperar, precisa aproveitar da oportunidade de criar emprego e renda no país.

A sugestão de canalizar parte das fartas reservas do Brasil (os US$ 400 bilhões aplicados em grande maioria em títulos do governo norte-americano com rendimento baixíssimo), por meio de um fundo soberano para financiar a exploração do pré-sal é interessante, mas com pouca viabilidade política.

Por fim, a argumentação contra o leilão traz ainda como agravante, o fato de a Petrobras ter sido mencionada como alvo, nas denúncias de espionagem do governo americano no Brasil,  Graça Foster avalia que a extensão e complexidade dos processos envolvidos no trabalho da companhia tornam praticamente impossível que uma atividade de espionagem se aproprie do conhecimento da Petrobras sobre Libra (Folha 19/9/2013). E a ANP declarou que todas as informações relevantes estão acessíveis para as empresas que se inscrevem para participar do leilão. Em outras palavras, segundo a agência, não seria necessário montar um esquema de espionagem para que a Exxon economize R$ 2 milhões, o valor da inscrição. Mas, mesmo que não tenha ocorrido dano real, houve sim dano simbólico. Será inevitável o questionamento do resultado em 21 de outubro, caso alguma empresa norte-americana faça parte do grupo vencedor.

Desistência
Para surpresa do governo e das organizações de esquerda contrárias ao leilão, ExxonMobil, Chevron, BP e BG não se inscreveram para participar para explorar o campo de Libra. Para as forças liberais a desistência demonstra como a lógica do marco regulatório do pré-sal, caracterizada por uma “forte intervenção do governo no consórcio que sairá vencedor do leilão”,  afasta os investidores privados.

Ao final das 11 empresas cadastradas, 6 são estatais: as chinesas CNOOC e China National Petroleum Corporation (CNPC), a colombiana Ecopetrol, a indiana ONGC, a malaia Petronas e a brasileira Petrobras. Além disso, a estatal chinesa Sinopec também está inscrita para o leilão por meio da portuguesa Petrogal, da qual possui 30% de participação, e da joint venture Repsol-Sinopec. De capital 100% privado se inscreveram a japonesa Mitsui, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total. Observe que a Shell fez questão de emitir,logo em seguid,a uma nota lembrando que a sua inscrição não garante participação no leilão (“apta a participar do leilão, se assim optar”).

Se confirmado o interesse das estatais chinesas, será a primeira vez que a China participa de um leilão de P&G no Brasil. Nota-se, inclusive que as três grandes estatais chinesas (CPC, ONGC e Sinopec) se inscreveram, o que demonstra se tratar de posicionamento estratégico por parte do governo chinês.  A forte presença que já tem na provincia do pré-sal deu-se pormeio de compra de ações de empresas vencedoras (entre as quais a Petrogal e Repsol).

Nenhuma dessas empresas estatais tem grande experiência em exploração e produção em águas ultra profundas, mas cabe ressaltar que essa área da fronteira tecnológica está controlado internacionalmente por empresas para-petroleiras, as de serviços tecnológicos que serão contratados pelo consórcio vencedor. Muitas dessas empresas, inclusive, já se instalaram estrategicamente no Rio de Janeiro, inclusive construindo capacidade de P&D (Schlumberger, FMC Technologies, Baker Hughes, GE, Halliburton entre outros). De modo que a desistência das empresas privadas americanas e britânicas não deve prejudicar a apropriação e o desenvolvimento da competência tecnológica necessária.

Como interpretar a desistência dos gigantes do setor privado?
Houve quem levantasse a hipótese de a desistência das norte-americanas estar relacionada ao recente escândalo de espionagem do governo brasileiro e da Petrobras. Isso porque, se elas ganhassem, poderiam ser feitas acusações de informação privilegiada. Não parece muito convincente. Outro argumento que circula seria que as empresas, em particular as norte-americanas, estariam envolvidas em grandes investimentos na produção do gás de xisto. Mas isso também não convence muito, porque o gás de xisto já está gerando um fluxo de caixa expressivo.  Na verdade, é, sim, um voto de desconfiança em relação ao modelo de partilha que restringe a apropriação da renda petroleira por parte dessas empresas e estabelece regras que limitam o escopo de sua liberdade empresarial, entre outros, para garantir uma remuneração em curto prazo. Não devemos descartar que essa decisão tenha sido tomada em comum acordo entre elas para pressionar por uma mudança no maro regulatório, afinal, apesar do tamanho do campode Libra, a provincia de pré-sal é muito maior e futuros leilões podem se tornar mais atraentes caso o leilão fracasse, e/ou a oposição ganhe (não está previsto nenhum outro leilão de área do pré-sal antes das eleições).

Contudo, o resultado do leilão pode ser um consórcio envolvendo a Petrobras, as estatais chinesas e, eventualmente outras empresas, aportando capital em troca de garantia de petróleo. E isso seria, coincidentemente, mais ou menos de acordo com as propostas alternativas apresentadas pelos críticos de esquerda.

Contribuição do professor da UFABC, Giorgio Romano, ao Grupo de Conjuntura Fundação Perseu Abramo para a reunião relizada em 25/09/2013.