No debate Classes Sociais, desta quinta, 26, a urbanista falou dos problemas urbanos gerados pelo capitalismo que tiram da classe trabalhadora o direito à cidade.

 

Por Cecília Figueiredo

“A cidade é o espaço por excelência da luta de classes”, definiu a urbanista Ermínia Maricato, na manhã desta quinta-feira, 26, durante a 8ª edição do ciclo de debates Classes Sociais, promovido pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e a Fundação Friedrich Ebert (FES).  

O debate, que durou cerca de três horas, foi conduzido pelo diretor da FPA, Joaquim Soriano, e contou com as participações de Artur Henrique, da direção da FPA;  Jean Tible e Gonzalo Berron, da FES; Wladimir Pomar, do Grupo de Conjuntura da FPA; a economista Marilane Teixeira e a pesquisadora Rachel Moreno.

Ermínia, professora colaboradora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e professora visitante da Unicamp, apresentou os principais conflitos que o capitalismo produz para impedir a classe trabalhadora de ter garantido o direito à cidade, conforme determina a Constituição Federal de 1988, as legislações pertinentes, como o Estatuto das Cidades. E recorreu a momentos de convulsão social, como na França de 1968, onde a Escola Francesa de Urbanismo, a partir da visão marxista desenvolveu estudos sobre os impactos do sistema vigente na cidade, funcionamento, desenvolvimento, distribuição de recursos desiguais, para atender aos interesses capitalistas.

'Cidade é o espaço da luta de classes', afirma Ermínia Maricato

Em sua apresentação, por meio de slides, Maricato situou a “cidade”, como valor de uso e valor de troca. “Como locus da reprodução ampliada da força de trabalho – consumo coletivo crescentemente socializado e dependente do Estado. E como produto, grande negócio. O mercado imobiliário cumpre um grande papel na produção da cidade”, que de acordo com a urbanista, não tem o controle do Estado, que é insuficiente frente à atuação forte dos lobbys.

Especulação imobiliária

Segundo a especialista, que foi secretária executiva do Ministério das Cidades (2003-2005), a produção do espaço urbano é articulada por capitais de proprietários de terra, da incorporação imobiliária, edificação, construção pesada e mercado financeiro. “É a articulação desses capitais que acaba assumindo o comando da cidade.” O capital imobiliário, segundo ela, disputa a semiperiferia e os pobres são empurrados para áreas distantes, desprovidas de infraestrutura. “Habitação é uma mercadoria especial vinculada à terra, como pedaço de cidade, e isso faz toda a diferença. Ela é o produto de consumo privado mais caro para a classe trabalhadora. Está ligada à renda. Temos o nó da terra e o ardil da informalidade. A classe trabalhadora mora no ardil da informalidade.” E emenda: “É o não-lugar da classe trabalhadora na não-cidade.”

Ainda sobre a questão habitacional, Maricato valorizou projetos como o Minha Casa, Minha Vida, que priorizou a classe trabalhadora.

Outro exemplo de ilegalidade que demonstra esse “comando”, responsável pelo descolamento entre Plano Diretor e obras, refere-se a um túnel na avenida Águas Espraiadas, no valor de R$ 3 bilhões, que não consta do Plano Diretor, e o ex-prefeito Gilberto Kassab deixou licitado para a atual gestão. “Não foi projetado para a circulação do transporte coletivo”, ressaltou.

Legal e ilegal. Pra quem?

Impressionada com os salários dos “homens da lei” em relação aos demais trabalhadores, ao discutir o papel do Estado, ela não poupa críticas ao Judiciário que faz leituras distintas entre o que é legal e ilegal. “O direito à moradia é absoluto. O direito à propriedade é relativo. Os loteamentos fechados são ilegais pela lei 6769. Mas, juízes e donos de jornais moram em loteamentos fechados e não é considerado ilegal, no entanto, quando o MST ocupa uma área devoluta, a Globo mostra a fazenda da Cutrale, que é da União, e os que tentam ocupa-la como criminosos”, comparou.

Ao retomar experiências do Modo Petista de Governar, a ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo (1989-2002), disse que a cidade ilegal, invisível e abandonada ganhou prioridade nessas gestões. Ela defendeu que os mais pobres morem em locais com infraestrutura. “Em São Paulo, cerca de 400 mil imóveis não estão cumprindo a função social, mas quando o movimento social ocupa são desejados. Estamos vendo o Judiciário beneficiar os especuladores”, salientou, ao lembrar que isso não ocorre por falta de leis e planos diretores, mas porque a “cidade está sendo assaltada”.

Parados no trânsito

Durante o debate, Ermínia também comentou os impactos negativos da falta de mobilidade urbana sobre a cidade e os trabalhadores. Além do avanço desproporcional de automóveis nas grandes cidades, a partir da década de 1980 e o desenvolvimento do neoliberalismo, gerador dos grandes congestionamentos, de mais de 40 mil óbitos anualmente, no trânsito, estresse e outros problemas de saúde que afetam principalmente as mulheres em situação vulnerável, a média de tempo gasto da casa para o trabalho é superior a duas horas.

Nesse sentido, a professora atacou os megaeventos e obras que desprezam a mobilidade e os impactos da maioria que vive na cidade, e elogiou as medidas da gestão do prefeito Fernando Haddad para melhorar o trânsito, como a criação de corredores de ônibus sem necessitar de construções, a ampliação da frota de ônibus coletivo, o não aumento da tarifa de ônibus, além de obras que estavam licitadas e foram paralisadas.

Autora de O Impasse da Política Urbana no Brasil (Editora Vozes), Ermínia espera que a esquerda faça as “reformas agrária e urbana” no País.

Também crê como indispensável a inversão de prioridades, mas reconhece que é preciso respaldo popular. “É necessário ‘povo na rua’”, afirmou, valorizando movimentos e organizações que fazem política de forma horizontalizada e alegre, como Intervozes, Consulta Popular, Levante Popular da Juventude para incentivar a luta social.

Fotos: Fundação Perseu Abramo

 

Assista a entrevista com a urbanista:

 

O vídeo completo do oitavo debate do ciclo Classes Sociais, que teve a participação da urbanista, Ermínia Maricato: