Universalização e qualidade dos serviços telemáticos
Os serviços públicos telemáticos prestados em regime de concessão não atendem aos padrões mínimos de qualidade.
Por Carlos des Essarts Hetzel
A palavra universalização é definida no dicionário da língua portuguesa, como o ato de generalizar, globalizar, tornar universal. No contexto aqui exposto, de sentido técnico/operacional, é o ato de disponibilizar (generalizar, globalizar) a todos os setores, a todos os rincões da sociedade, independente do poder aquisitivo, o acesso à telefonia, à rede de dados, aos sistemas de comunicação.
Na Lei 9472/97, Lei Geral de Telecomunicações, o texto deixa claro em tratar da universalização:
Art. 3º – O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
I – de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional;
Art. 64º – Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.
Art.79º – A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.
§1º – Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público.
§2º – Obrigações de continuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso. (BRASIL, 1997) (grifo nosso)
Este acesso se dará por meio da expansão das redes existentes e de novas implantações de centrais e backbone de telecomunicações. Estes sistemas quando implantados, devem obrigatoriamente atender a determinados parâmetros técnicos como disponibilidade e confiabilidade (em torno de 98%).
Conforme entendimento dos principais institutos de pesquisa de Defesa do Consumidor e de estatísticas, IBGE / FGV-CPS / IDEC e PRO TESTE, estamos com um modelo de prestação destes serviços, muito aquém do especificado e exigido contratualmente e do que espera a sociedade, o consumidor.
Conforme declaração de Oliveira (2010):
Levantamento recente do IDEC, concluiu que “Empresas Operadoras em cada uma das cidades pesquisadas – Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP) – oferecem planos distintos e não informam o consumidor de maneira adequada sobre o serviço ofertado”. “Nenhuma das operadoras verificadas é capaz de atender a todos os consumidores, além de não oferecer a qualidade dos serviços ofertados e contratados por eles”. O coordenador da organização Intervozes enumera dois problemas cabais em relação aos problemas diagnosticados nas operadoras: “práticas anticompetitivas, de formação de cartel no setor, e falta de deveres das empresas, que podem atingir um público restrito e atuar só nas áreas mais rentáveis”.
Conforme levantamento do IDEC, a informação propalada pelas concessionárias não é verdadeira, pois não existe universalização; “sequer 40% das classes D e E, que somam metade dos domicílios brasileiros, possui acesso ao serviço”. A figura abaixo mostra quantos domicílios possuem telefonia fixa (linha vermelha), por classe de renda.
Fig. 4: Penetração de telefonia fixa por domicílio por classes de renda / Fonte: IDEC
Outra barreira no acesso aos serviços de Telecom é o seu valor. A Lei n. 9.472/97 versa:
Art. 2º – O Poder Público tem o dever de:
I – garantir, a toda população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas.
O gráfico abaixo (IDEC) ilustra os aumentos da assinatura básica, proporcionalmente maior aos aumentos da inflação oficial medida pelo IPCA – Índice Nacional ao Consumidor Amplo.
Fig. 5: Evolução tarifa assinatura básica 1995-2008 / Fonte: IDEC
Outro fator impeditivo também é a concentração, o oligopólio do setor.
O art. 2º, da lei 9.472/97 – O Poder Público tem o dever de:
III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
Art. 3º – O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
II – à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço;
Art. 5º – Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observarse-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional; função social da propriedade; liberdade de iniciativa; livre concorrência; defesa do consumidor; redução das desigualdades regionais e sociais; repressão ao abuso do poder econômico e; continuidade do serviço prestado no regime público. (grifo nosso)
A ANATEL não implementou, apesar de existir previsão legal no PGO, medidas reais, efetivas para operacionalizar as empresas autorizadas que compartilhariam as redes das concessionárias, o que poderia criar uma “concorrência”.
Segundo dados do IDEC (2008), as concessionárias de STFC (Telefônica, Oi e Brasil Telecom, atualmente) detêm o monopólio em suas regiões de atuação. As autorizadas respondem por aproximadamente 10% do total de acessos, concentrados prioritariamente no mercado corporativo, fato que mantém os consumidores reféns do monopólio das concessionárias locais de telefonia fixa, que podem, assim, manter os conhecidos abusos e desrespeitos aos direitos do consumidor, como qualidade ruim de serviço e atendimento e preços altos.
Fig. 6: Competição por acessos STFC / Fonte: IDEC
Fig. 7: Market Share banda larga / Fonte: IDEC
No caso da transmissão de dados, internet, que trafega em conjunto com a telefonia, com algumas exceções existentes nas grandes capitais, pesquisa realizada pela empresa norte-americana Akamai e também citado pelo IDEC, a velocidade de tráfego da internet brasileira é uma das mais caras e lentas do mundo.
No que concerne à velocidade, a pesquisa mostra que a média da Web, no Brasil é de 1.085 Kbps (quilobits por segundo), 93% menor que a velocidade média da Coréia do Sul que é de 80,8 Mbps.
Um número de 20% das conexões no País têm velocidade inferior ao limite mínimo estabelecido pela UIT (União Internacional de Telecomunicações), o que varia entre 1,5 e 2 Mbps.
No Japão, a velocidade média é de 92,8 megas por segundo e na França a 51 megas por segundo. Estados Unidos e Austrália, inclusive, lançaram um plano para universalizar o serviço com velocidade média de 100 megas por segundo.
Se já não bastassem as altas taxas, aliadas a um serviço abaixo da média, o internauta brasileiro paga MUITO CARO e ainda tem que se adaptar com velocidades lentas, que chegam a menos de 256 Kbps.
O art. 2º, da Lei n. 9.472/97, o Poder Público tem o dever de:
I – garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
III – adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
Art. 3º – O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
I – de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional. (grifo nosso)
A grande maioria da população não tem condições de arcar com caríssimas mensalidades, pois o acesso à internet é a mais abusiva do mundo, atingindo a média de U$S 30.
O valor pago pelo brasileiro corresponde a 4,58% da renda per capita no País. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse valor é de apenas 0,5% da renda per capita dos americanos, e na França é de 1,02% (IDEC).
O megabit (Mb) oferecido em Manaus (AM), por exemplo, é 395 vezes mais caro que no Japão.
Segundo os dados divulgados pelo IBGE: “12 milhões de domicílios têm acesso a banda larga; Nas famílias com rendimento acima de 20 salários o índice de acesso a banda larga é de 83,5%; Nas famílias com renda inferior a um salário mínimo apenas 2,6% tem banda larga”.
Estes dados praticamente correspondem ao levantamento do IDEC (2008):
Incorporada ao questionário Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio 2001 (PNAD), podemos verificar o grande aumento e a elevada desigualdade na evolução do acesso aos “bens digitais” aos “ativos digitais” pela população. No período de 2003 a 2009 o acesso ao computador com internet foi de 2,56 vezes maior. No acesso à celular, 2,1 vezes.
Em termos de distribuição, a catástrofe da desigualdade é gritante; 90% das pessoas que possuem computador com acesso, com internet, estão presentes nas classes ABC, sendo 75,82% na classe AB, 11,3 vezes (1130%) maior que a taxa observada na classe E (6,73%). O acesso à celular é respectivamente 95,92% e 62,81% nas classes AB e E.
Fig. 8: Penetração da internet – por domicílio / Fonte: IDEC
No caso da telefonia móvel, o celular, o quadro difere bastante, com maior participação de empresas privadas, conforme demonstra levantamento do IDEC / Anatel:
Fig. 9: SMP – Cenário atual de competição / Fonte: IDEC
Em função do custo/mensal do celular ser mais acessível, metade do valor da tarifa básica do fixo, o porcentual de uso nas residências por pelo menos um dos seus integrantes é de 27,7% em relação aos 10,9% para o fixo, conforme demonstrado no levantamento do IDEC.
Fig. 10: Penetração do telefone fixo e do celular / Fonte: IDEC
Em relação à TV por Assinatura, componente da convergência tecnológica e possível vetor de barateamento da internet, podemos verificar a baixa penetração, o alto preço da assinatura e a elevada concentração de mercado:
Fig. 11: Evolução do número de assinaturas de TV por assinatura / Fonte: IDEC
Fig. 12: Penetração da TV por assinatura por classes de renda / Fonte: IDEC
Fig. 13: Penetração da TV por assinatura / Fonte: IDEC
Fig. 14: Preço final do canal ao consumidor de TV por assinatura / Fonte: IDEC
Fig. 15: Market Share das operadoras de TV por assinatura / Fonte: IDEC
Podemos constatar nos irrefutáveis dados aqui expostos, que atualmente os serviços públicos telemáticos prestados em regime de concessão, não atendem aos padrões minimos de qualidade, deixando a grande maioria da população à margem do processo de desenvolvimento brasileiro.
Carlos des Essarts Hetzel, jurista, tecnólogo, assessor do Núcleo de Infraestrutura e CCTICI Gabinete da Liderança do PT do Senado e Bloco de Apoio