Essa foi a advertência do cientista político e professor da Unicamp, que analisou a educação brasileira durante entrevista no programa da tevêFPA.

Por Cecília Figueiredo

“O problema não é mais colocar o computador na sala de aula, mas a sala de aula no computador”. Essa foi a advertência do professor Reginaldo Carmelo de Moraes, da Unicamp, ao comentar o alcance da linguagem digital na educação pública, em entrevista concedida a Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo (FPA), no Programa entrevistaFPA, na manhã desta segunda-feira, 16.

 

O cientista político citou transformações importantes como a universalização do ensino e o Plano Nacional de Educação – PNE. “Nos últimos 20 anos houve muitas mudanças na educação no Brasil. No governo Lula houve uma dinamização das políticas públicas. O PNE foi resultado de debates e mobilização de milhares no país”, afirmou.

 

Educação de sucesso

 

Entrentanto, segundo Reginaldo a universalização do acesso não é o único fator importante para que se obtenha o sucesso da política pública. “A combinação dos três níveis de poder é imprescindível para a educação dar certo”, emendou.

 

A quantidade de recursos, na opinião do especialista, também deve estar incluída no pacote para o êxito da educação, entretanto não se pode prescindir de uma leitura das condições de vida dos alunos. Mobilidade, habitação, saúde são algumas das variáveis que devem ser consideradas nessa busca. A participação popular, por meio da construção de conselhos institucionais, é fator que contribui para o sucesso da educação. “Conselho de educação precisa ser construído na prática e não no papel”.

 

Desafio é colocar a sala de aula dentro do computador, afirma Reginaldo Moraes

Entrevista no auditório da FPA  |  Foto: Márcio de Marco

 

Embora defenda a diversidade regional nas diretrizes da educação, Moraes acredita na necessidade de homogeneidade do acesso, de estrutura e recursos. “Assim como ocorre no SUS para igualar as políticas públicas, na educação essa homogeneidade relativa seria importante. Porque tem que haver um mecanismo que reduza as desigualdades sociais”. 

 

Do livro ao e-book

Reginaldo Moraes é cauteloso ao apostar no plano virtual como chave para o sucesso de uma educação mais atrativa e agradável para as novas gerações. Na avaliação do pesquisador, a mudança do livro didático em papel para a versão eletrônica é uma possibilidade real, mas não pra já, e deve se traduzir em algo tão importante quanto a proporcionada por Gutemberg, ao introduzir o livro portátil. “Livro não é papel. É produção de inteligência e pode ser usado de outras formas”. É preciso “multiplicar os criadores de cultura”, em sua opinião.

 

Por ora, segundo ele, todas as novas formas de aprendizado têm sido levadas para o plano presencial. “Mas, o importante é colocar a sala de aula dentro do computador”, analisa o pesquisador. 

 

Ele também comentou as contradições de gerações mais jovens e as demais em relação aos avanços tecnológicos e foi categórico: “Educação não é produto, é processo”.  Ao detalhar, que a educação deve ser permanente, contínua, portanto o desafio da escola é combinar “conhecimento de longo prazo (leitura) e de curto prazo (que necessitam atualização mais rapidamente).”

 

Pragmatismo e educação

Reginaldo acredita que a educação não pode ser pautada pelo “vocacionalismo”, educação a serviço do trabalho, pragmática. “Jogos eletrônicos podem ser interessantes para o ensino, mas um jogo de guerra não tem custo, dor, sentimento. Pode ser perigoso. Aprendizagem por simulações implica falar no que se perdeu no caminho”, exemplifica.

 

No último bloco do entrevistaFPA, o professor da Unicamp e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos dos Estados Unidos, criticou a preponderância da rede privada sobre a pública no ensino brasileiro, as mudanças apontadas no PNE e a criatividade nas gestões.

 

Ao comparar a quantidade de escolas privadas e públicas, Reginaldo, que também é membro do Grupo de Conjuntura da FPA, disse que “há um funil de classe no ensino”. Na edição número 9 do FPA Conjuntura, Moraes já havia demonstrado essa assimetria, por meio dos dados do último Censo do Ensino Superior (2011), disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). De acordo com o estudo, o sistema educacional brasileiro é composto por aproximadamente 2.400 instituições, sendo as escolas particulares não apenas são mais numerosas, como também as que mais agregam estudantes.

 

Ainda no artigo publicado recentemente, Moraes lembra que o governo Lula tentou regulamentar o setor, por meio de um projeto de reforma do ensino superior, rechaçado pelos interesses privatistas, pela organização sindical dos professores das universidades federais e pelos pequenos partidos ditos de extrema-esquerda. Portanto, há o conflito aqui entre a “lógica do Estado e a do lucro”.

 

Com relação às condições de trabalho e desigualdades responsáveis por escolas que mais se assemelham a “casas de custódia”, Moraes concorda que a profissão de professor necessita de melhorias, seja salariais, de condições de trabalho, bem como de formação. E que as desigualdades podem ser enfrentadas com políticas públicas. Ele citou os Centros de Educação Unificado (CEU), na gestão Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo (200-2004), como exemplo de experiência exitosa que “trata gente como gente”, concluiu Moraes.

Esta é a terceira edição do Programa entrevistaFPA, que já teve como convidados o economista João Sicsú para o lançamento de seu livro “Dez anos que abalaram o Brasil. E o futuro”, e o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.

Fotos: Márcio de Marco

 

Aqui você assiste a íntegra da entrevista do professor Reginaldo Moraes: