Não é de hoje que os grandes conglomerados de comunicação exercem um poder desproporcional e completamente anti-democrático sobre a sociedade

Por Rosane Bertotti

Não é de hoje que os grandes conglomerados de comunicação exercem um poder desproporcional e completamente anti-democrático sobre a sociedade. “Influência” que se dá a partir de instrumentos com os quais interpretam a realidade para repassar – ou não – como “notícia” ao grande público.

Desta forma a população é “pautada” por concepções políticas e ideológicas que atendem unicamente aos interesses mercadológicos do “negócio”, com a palavra reduzida à mercadoria, para o uso e abuso dos que pagam pela sua circulação.

A esta “interpretação” nada objetiva nem plural se dá o nome de “linha editorial”, forma com a qual a velha mídia mascara o vento que a move acima de qualquer compromisso com a verdade dos fatos.

Tudo estava muito bem obrigado durante a longa treva neoliberal, em que os interesses das transnacionais, do sistema financeiro e de grandes empresas nacionais – musculosos anunciantes das redes de rádio e televisão, jornalões, revistas e portais de internet – eram sintonizados, contemplados e xerocopiados pelos governos de plantão. Quando presidentes democráticos e populares como Lula, Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Kirchner colocaram em xeque a continuidade da política de favorecimento aos patrocinadores da mídia, o caldo começou a entornar.

Frente ao desgaste dos partidos neoliberais e privatistas, surge então revigorado o poder midiático como a principal alternativa de oposição às políticas inclusivas, desenvolvimentistas, soberanas e favoráveis à integração latino-americana. Daí o tom monocórdico adotado pelos grandes proprietários, reunidos na SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) – no Brasil representados pelo Instituto Milleniun -, contra o estabelecimento de novos marcos regulatórios que efetivamente garantam às nossas sociedades condições de acesso plural a “concessões públicas”, que ao fim e ao cabo lhe pertencem. Ou de iniciativas que desconcentrem e invistam na pluralidade, como a distribuição de anúncios publicitários.

A necessidade do regramento é cada vez mais uma percepção, que passa a ser uma reivindicação que extrapola os setores tradicionalmente organizados na luta pela democratização da palavra, como bem aponta recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Realizada entre 20 de abril e 6 de maio, a pesquisa ouviu 2.400 pessoas acima dos 16 anos, de áreas urbanas e rurais de 120 municípios das cinco regiões do país. Destas, 82% assistem diariamente a TV aberta, mas quase a metade, 43%, afirma não se reconhecer na programação e 25% se veem retratados negativamente, contra 32% positivamente. Embora haja um desconhecimento de que essas emissoras são concessões públicas, com 60% dos entrevistados respondendo que “são empresas de propriedade privada, como qualquer outro negócio”, ainda assim, 71% são favoráveis a que haja mais regras para definir a programação. Sobre o regramento na TV, 46% declarou que prefere o controle social de um “órgão ou conselho que represente a sociedade” contra 31% favoráveis à autorregulamentação, como a atual, e 19% declararam ser favoráveis a controle governamental A respeito do caráter de classe dessa mídia, 61% dos entrevistados avalia que a TV costuma dar mais espaço para os empresários do que para os trabalhadores, 18%. A inexistência da diversidade regional também é uma constatação: 44% consideram que o noticiário veiculado é quase só de São Paulo e Rio de Janeiro. Da mesma forma, a pesquisa captou uma percepção de afronta aos interesses de crianças e adolescentes: 39% acreditam que a TV oferece uma programação negativa para sua formação, contra 27% que a consideram positiva. Nada menos do que 65% relativizaram a confiança na “parcialidade e neutralidade” das informações divulgadas e somente 21,9% acreditam que a mídia exponha os fatos sem privilegiar um lado.

Conforme a pesquisa, a maioria dos entrevistados avalia que a TV retrata as mulheres às vezes, 47%, ou quase sempre, 17%, com desrespeito, da mesma forma como desrespeita os nordestinos às vezes, 44%, ou quase sempre, 19%, e ainda a população negra, 49% e 17%, respectivamente, sendo que para 52% esta população é menos retratada do que deveria.

Embora os números estejam aí, os que buscam democratizar a palavra são identificados pela mídia como agressores, adeptos da “censura” e de outras barbaridades, projetando sobre os movimentos pela democratização da comunicação as suas próprias práticas coercitivas.

Diante de opções tão antagônicas, qual deve ser o papel de um governo comprometido com a construção de uma nova sociedade, mais plural e democrática? Ceder espaço aos abusos praticados ou regulamentar regras que os inibam? Perpetuar o balcão de negócios, mascarado por uma suposta “objetividade”, ou incidir, enquanto poder público, para o surgimento de novos atores, que atuem de forma complementar e paritária, fomentando o público, o comunitário e o privado?

Para as dezenas de entidades e movimentos sociais que se somaram à mobilização do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) por um novo marco regulatório não há dúvida de que é preciso romper com a via de mão única imposta pela meia dúzia de famílias que comandam a mídia em nosso país. E garantir que floresçam as rádios e televisões públicas e comunitárias com recursos do Orçamento, com a  democratização das verbas publicitárias, a fim de que possam mostrar as pautas das grandes maiorias invisibilizadas pelos que se creem donos da verdade.

Há uma compreensão comum de que é inconcebível para o presente e o para o futuro dos nossos sistemas democráticos a manutenção do anacrônico sistema – inconstitucional – de oligopólios e monopólios privados.

Justificativas como a do Ministério das Comunicações de que não haveria tempo suficiente para amadurecer o debate sobre o tema em ano pré-eleitoral, mais do que descabida, é uma afronta às deliberações democraticamente aprovadas pela Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), organizada pelo próprio governo federal e realizada em Brasília em 2009. 

Para lembrar aos que tentam obscurecer a relevância da Confecom, vale lembrar algumas das suas decisões como a reforma do marco regulatório das comunicações, mudanças no regime de concessões de rádio e TV, adequação da produção e difusão de conteúdos às normas da Constituição, bem como o fim da criminalização às rádios comunitárias.

Da mesma forma, com a adoção de uma política de isenções bilionárias às empresas de telecomunicações, o Ministério dá um tiro no coração da Telebrás ao inviabilizar o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) como foi concebido pelo governo do presidente Lula.

Temos a convicção de que o país não será mudado cedendo à chantagem e às pressões da velha mídia, navegando nas ondas do conservadorismo com a manutenção de uma prática comunicativa nada plural, nada diversa e nada democrática.

Infelizmente, o problema não está na pilha do controle remoto, mas da falta de opções e na mesmice alienante. Sem o estabelecimento de um novo marco regulatório, capaz de romper com o cerco dos grandes monopólios privados de comunicação, sem diversidade, sem repartição de frequências, sem investimento público na Telebrás, sem diálogo com a sociedade, o governo continuará refém da sua insegurança.

De nossa parte, seguiremos lutando. A sociedade brasileira reforça sua mobilização e sua unidade para construir um Projeto de Lei de Iniciativa Popular para um novo marco regulatório das comunicações. Sem marco público, a mídia privada continuará no controle.

Rosane Bertotti é secretária nacional de Comunicação da CUT e coordenadora do FNDC (Artigo para a revista da Fisenge e publicado no Portal da CUT).

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