MMM recebe 1600 mulheres de 48 países em São Paulo
Encontro Internacional da Marcha realiza até sábado, 31, no Memorial da América Latina, um balanço dos 13 anos da ação e debate de alternativas para superar o capitalismo.
Feministas aguardando para fazer intervenções | Foto: Márcio de Marco
Por Cecília Figueiredo
O Memorial da América Latina, em São Paulo, desde a última segunda-feira, 26, abriga cerca de 1.600 mulheres vindas de 48 países, que participam de conferências, debates e atividades do 9º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM). As baixas temperaturas e as diferenças de idiomas e culturais não reduziram a potência da crítica ao capitalismo e ao modelo patriarcal apresentado por mulheres do campo, da cidade, de aldeias indígenas e comunidades quilombolas. Tampouco distanciou a curiosidade entre os problemas e alternativas criados pelas ativistas da MMM em cada região do mundo.
Na Conferência “Acumulação por despossessão: trabalho, natureza, corpos das mulheres e desmilitarização”, realizada na segunda-feira, 26, no auditório Simón Bolívar, Helena Hirata (França/Brasil), pesquisadora sobre trabalho e uso do tempo; Ariel Saleh (Austrália), autora de várias obras sobre feminismo e ecologia; Malalaia Joya (Afeganistão), da RAWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão); Jean Enriquez (Filipinas), integrante do Comitê Internacional da MMM e da Coalizão Contra o Tráfico de Mulheres; e Yildiz Temurturkan (Turquia), integrante do Comitê Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, denunciaram as formas de violência e opressão a que são submetidas mulheres em territórios militarizados e da perda de autonomia das mulheres sobre seus corpos, que “no mundo árabe, são armas de guerra”, denunciou Jean Enriquez.
Por volta das 17h30, um cortejo com a batucada da MMM acolheu a chegada da ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, que saudou as participantes na abertura pública do encontro Internacional. Para a ministra, a Marcha Mundial das Mulheres é uma “luta contra a globalização da indiferença”. Ao valorizar o trabalho de construção desses 13 anos de existência da MMM, Menecucci falou sobre a importância de o Brasil receber um evento a favor da liberdade e igualdade das mulheres em todo o mundo. “Receber as militantes da Marcha Mundial de Mulheres tem um significado muito grande, de democracia, de como o Executivo nacional dialoga permanentemente com a sociedade civil e os movimentos sociais.”
Ministra de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menecucci | Foto: Márcio de Marco
No evento, que teve as presenças de secretários e representantes da Prefeitura de São Paulo – Rogério Sottilli (Direitos Humanos), Denise Motta Dau (Políticas para as Mulheres) e Gabriel Medina (Coordenadoria de Juventude), várias ações para melhorar as condições de vida das mulheres também foram citadas. A Lei Maria da Penha, que completou sete anos neste mês, foi uma delas. A ministra ressaltou a “intolerância” com agressores e disse que o governo da presidenta Dilma Rousseff, ao qual ela fez uma série de elogios, se empenha para continuar impedindo que a violência doméstica continue. Na sequência, a ministra anunciou que cada estado do Brasil receberá uma Casa da Mulher Brasileira. O serviço, que será implantado em São Paulo, no bairro do Cambuci, faz parte de um pacote de medidas do programa do governo federal Mulher, Viver sem Violência, que prevê serviços públicos de atenção às mulheres em situação de violência, com atendimento humanizado e acesso à Lei Maria da Penha. No mesmo espaço estarão concentrados delegacia, juizado especial, Ministério Público, Defensoria Pública, abrigamento temporário, atendimento psicossocial, espaço de convivência para a mulher, sala de capacitação e orientação para o trabalho, emprego e renda e brinquedoteca.
Feminismo, construção de alternativas e a MMM
Na terça-feira, 27, o segundo dia do encontro foi aberto com a celebração das matrizes afro-brasileiras. Pela manhã, a Conferência sobre feminismo e a construção de alternativas, formas de resistência coletiva que vêm sendo desenvolvidas nas comunidades, teve as participações de Georgina Alfonso (Cuba), Magdalena León (Equador), Francisca Rodriguez (Chile) e Graça Samo (Moçambique).
A construção de espaços que garantam a visibilidade das ações da Marcha, o papel limitado dos partidos políticos, da justiça e da representatividade no legislativo, a produção de uma outra economia para a construção de “uma sociedade mais feliz e humana”, e a garantia de viver uma sexualidade plena, também foram pontos destacados pelas conferencistas. As falas foram seguidas de intervenções, perguntas e apresentações poéticas das ativistas brasileiras, de outros países da América e africanas.
Na segunda mesa, à tarde, Judite Fernandez (Portugal), Emilia Castro (Quebec), Nana Aïcha Cissé (Mali) e Miriam Nobre (Brasil) enfocaram “A Marcha Mundial das Mulheres como movimento incontornável”. O protagonismo da MMM nos processos de resistência à militarização e resolução de conflitos armados, além de uma reflexão sobre a história e os rumos do movimento.
Para Nalu Faria, que atua desde de 2000 na construção da MMM no Brasil e integra a coordenação nacional do movimento, a atuação da Marcha é parte de uma experiência interessante do feminismo e que se constitui como um espaço de múltiplas identidades: há mulheres do movimento negro, sindical, camponesas, do movimento estudantil e jovens.
Feminista indígena do DF, durante a primeira mesa | Foto: Cecilia Figueiredo
A programação, que segue até 31 de agosto, com a assembleia final pela manhã e uma marcha, que sairá às 14h do vão livre do Masp, tem realizado todas as noites rodas de conversa, na Tenda da Solidariedade, além de celebrações culturais diversificadas. Na segunda, a Tenda da Solidariedade contou com as presenças da representante da Tunísia, Souad Mahmoud, e do Marrocos, Khadija Rhamiri, que relataram seus processos de vida e lutas. Na Tenda de terça-feira, será a vez de Cuba. Estão programadas também Grécia, República Democrática do Congo, República Centro Africana, Guatemala e Haiti.
Quanto aos eventos culturais da noite, as homenagens são direcionadas à latinidade, lesbiandade e feminismo. Os momentos culturais e de roda de conversa ocorrem na área livre próximo ao Parlatino, onde está instalada a Feira da Economia Solidária, com cerca de 120 grupos que estão construindo experiências criativas.
Breve histórico
O Encontro Internacional da Marcha, que já foi sediado na Índia, em Ruanda e nas Filipinas, acontece por primeira vez no Brasil. “As pessoas têm curiosidade sobre o processo na América Latina, com governos populares. É super simbólico fazer esse encontro aqui e começamos com uma discussão sobre o movimento latino. Precisamos construir uma ação internacional que faça frente e precisávamos que o próprio encontro fosse inovador”, afirmou Miriam, ao referir-se à militarização e os impactos sobre as mulheres, uma nova temática inserida nos debates dessa edição. Segundo Miriam, o 9º Encontro também encerra um ciclo. Será eleita a nova composição do Secretariado Internacional da Marcha. Após sete anos, o grupo do Brasil que esteve à frente do movimento mundial terá sua sucessão definida. “Foram várias ações internacionais, com uma conjuntura que se complicou ainda mais, marcada pela crise geral do sistema e o recrudescimento dos ataques conservadores”, conta a coordenadora do Secretariado Internacional da MMM.