Por Dalmo Palmeira

“Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”. Essa técnica de propaganda – de infeliz e trágica origem, como se sabe – continua sendo, conscientemente ou não, praticada.

Nos últimos meses, a sociedade brasileira ouviu, por inúmeras vezes, teses de que processo inflacionário no Brasil estava fora de controle, com uma hiperinflação às portas. Também diversas charges trouxeram múltiplas variações dos dragões que representaram a inflação no século passado.

Nesse processo muita adrenalina e saliva foram gastas para provar tanto que estávamos vivendo um dos piores surtos de inflação dos últimos 10 anos, quanto para demonstrar o equívoco dessa falsa verdade.

Na última semana (07/08), o anúncio do índice do IPCA do mês de julho colocou uma pá de cal nessa falsa verdade, assim espero. Uma inflação de 0,03% nesse mês – virtualmente, inflação zero – está muito longe de poder ser comparada com índices de inflação de mais de 80% ao mês (isso mesmo, mais de 80% ao mês) que ocorreram no período de hiperinflação no Brasil, como pode ser visto no gráfico ao lado. Aliás, esse gráfico mostra a desproporção de qualquer comparação entre a inflação das décadas de 80 e 90 do século XX e os índices observados nos anos recentes.

Não apenas no mês de julho, mas todas as demais medições mensais de inflação, desde janeiro deste ano, indicavam a queda sistemática da inflação ao longo do semestre. O índice de julho apenas confirmou essa tendência.

A única exceção nesse comportamento do primeiro semestre foi o índice de abril, que apresentou uma suave aceleração. Mesmo assim, o índice do mês de maio não somente foi menor que o de abril, como também foi inferior ao de março, dando seqüência ao processo de queda.

O certo é que a avalanche de falsas verdades, ou até mesmo meias-verdades, criaram um “consenso” de que realmente estávamos muito próximos de vivenciar um novo momento de hiperinflação no Brasil, mesmo com os dados objetivos dos índices apontando para baixo.
Nelson Rodrigues sintetizou sua opinião sobre unanimidades dizendo que “toda unanimidade é burra”. Imagino qual teria sido sua avaliação em relação a uma unanimidade que contradiz os fatos.

Essa unanimidade não somente contrariava os fatos, mas também as expectativas de especialistas na matéria. Semanalmente o Banco Central do Brasil coleta as expectativas de inflação dos economistas dos bancos privados e as consolida em um documento chamado Relatório Focus. Durante todo o semestre, esses especialistas, que por dever de ofício têm um viés mais conservador – portanto, pessimista –, em nenhum momento afirmaram ao longo do semestre que a inflação iria sequer alcançar o teto da meta de inflação neste ano (6,50% a.a.), muito menos ultrapassá-lo.

A expectativa mais elevada de todo o semestre ocorreu em 28 de junho, quando a previsão foi que a inflação chegaria a 5,87% em 2013. Desde essa data, as expectativas vêm caindo e atualmente indicam que a inflação deverá fechar o ano em 5,75%. Em se confirmando essa expectativa, a inflação de 2013 será a menor do país nos últimos quatro anos. Ou seja, menor que 2010 (5,91%), menor que 2011 (6,50%) e menor que 2012 (5,84%). A pergunta que fica é: por que uma inflação que é menor que a dos últimos três anos está incomodando tanto e não incomodou na mesma proporção nos anos anteriores?

Outro aspecto que chama a atenção é que usualmente se recorre às previsões de mercado para justificar posições pessimistas. É muito comum ouvir que o “humor do mercado” está desse ou daquele jeito… No entanto, desta vez o mercado tinha uma posição (comparativamente) mais otimista do que a média das opiniões que foram propagadas. Fica a impressão de que o mercado somente é ouvido quando está de mal humor.

De tudo isso fica claro que, para ser reconhecida, a verdade precisa gritar cada vez mais alto, como ocorreu na divulgação do índice do IPCA de julho, e o receio de que ela esteja cada vez mais precisando de ajuda nessa tarefa. O alento vem do fato de que, com o tempo, torna-se cada vez mais difícil distorcê-la, silenciá-la, escondê-la. A história nos mostra isso. Galileu Galilei, quando se viu impedido de divulgar o resultado de seu trabalho intelectual, afirmou: “A verdade é filha do tempo…”

Dalmo Palmeira é economista e assessor de economia e orçamento da Liderança do PT no Senado