Por Thales Chagas

Manifestações de junho deixaram claro que cidadania não aceita mais encenações. Quer mudanças reais.

O Senado Federal divulgou há poucos dias um número especial de seu jornal, no qual se apresentava uma espécie de prestação de contas das mais recentes atividades de seu plenário, como resposta às manifestações de rua ocorridas por todo o País, durante o mês de junho passado.
   
“O Senado Federal está orgulhosamente pautado pela sociedade”, disse o Senador Renan Calheiros, conforme registra o Jornal do Senado, em sua edição extraordinária. A lista de matérias apreciadas – e que comprovariam a sintonia entre os senadores e as ruas – é extensa e variada. Salvo algum radar que permita um exame mais acurado, pode-se afirmar que algumas questões arroladas como resultados das pressões populares pouco ou nada refletiam as aspirações dos jovens; outras, nitidamente expressas em muitos dos cartazes exibidos e assuntos de acalorados debates nas redes sociais, parecem ter sido deixadas para um segundo momento, ou, quem sabe, para as calendas.

Mas, afinal, repetindo recente indagação de Frei Betto, “esses jovens têm fome de quê?”. A resposta ainda pode ser encontrada nos versos da sempre atual canção dos Titãs: querem uma saída para qualquer parte; querem a vida como a vida quer; querem inteiro, e não pela metade. “Os jovens têm fome de pão e de beleza”, resume o frade dominicano, para quem os queixosos “querem, sim, a erradicação da miséria e do analfabetismo e das filas em hospitais e postos de saúde. Que o dinheiro público seja revertido em benefício da população e não drenado para obras faraônicas e para a deslavada corrupção”. E conclui: “reivindicam saciar a fome de beleza: de cultura, de ética na atividade política, de um sentido para a existência que os liberte da pressão do consumismo neoliberal e os faça protagonistas de um processo democrático e de fato participativo, e não meramente delegativo, como ora acontece com a classe política, divorciada da sociedade civil”.    

Os tempos não parecem próprios a prestidigitações ou pantomimas. Carentes de experiências de uma militância radicalmente democrática, os manifestantes não vêm oferecer à sociedade brasileira um programa alternativo acabado. E nem era de se esperar que viessem a fazê-lo. Também, pudera! Num mundo cada vez mais complexo e multicultural, marcado pelo desencanto, o nível mais elevado de articulação política e vinculação ética da “maior arquibancada do Brasil” só poderia mesmo alcançar aquilo que, um dia, pregou o grande poeta português, José Régio, em Cântico Negro: “Não sei por onde vou, não sei para onde vou, só sei que não vou por aí”. Engana-se, porém, quem pensa poder iludir os jovens com a sagacidade de encenações, com respostas ardilosas ou projetos maliciosos para a “fome de pão e beleza” que veio à tona durante as jornadas de junho. Não sabendo ainda como contraditar falas melífluas, cada um dos protestantes certamente haverá de murmurar com seus parceiros do Facebook ou do Twitter: “Não, não vou por aí! Só vou por onde me levam meus próprios passos…”        

No fundo, as reivindicações por pão e beleza se confundem com palavras de ordem bem antigas, o velho “trio maravilha” de que nos fala Veríssimo: liberdade, igualdade e fraternidade! Que ninguém se iluda. Se os dignitários de nossa dita democracia representativa não forem capazes de oferecer, como resposta aos clamores das ruas, a prática da política como algo novo e diferente, que não se deixa dominar pelo poder econômico; e que não se faz palco da tríade mandonismo, patrimonialismo e clientelismo, não adiantará, depois, rotular como vandalismo, a fúria redobrada dos indignados, que, sem dúvida, se fará conhecer. Pois, como já advertia Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem”.   

Thales Chagas é assessor técnico da Liderança do PT no Senado

 

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