Governo federal recebe membros do Conselho Nacional LGBT, porém, eficácia do encontro divide opiniões no movimento

por Marcelo Hailer

Na última sexta-feira (28), Dia Mundial do Orgulho LGBT, a presidenta Dilma Rousseff se encontrou com o Conselho Nacional LGBT (CNLGBT), composto por membros da sociedade civil e do executivo. No encontro, que durou cerca de uma hora, tratou-se da organização de dados a respeito da violência contra LGBT e da importância do CNLGBT. O PLC 122/2006, que visa tornar crime a homofobia em todo o território brasileiro, também foi pauta e a presidenta garantiu que iria falar pessoalmente com o senador Paulo Paim (PT-RS), atual relator do PLC, para que o projeto de lei saia do papel. Porém, a questão da “cura gay”, o veto ao “Escola Sem Homofobia” e as campanhas destinadas aos jovens gays do Ministério da Saúde não foram tratados, o que, obviamente causou celeuma entre ativistas LGBT.

Homofobia

Um dia antes do encontro da presidenta com os ativistas LGBT, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) divulgou os registros de denúncias homofóbicas feitos ao Disque 100. Os dados revelaram um crescimento de 166% em relação a 2011, o número saltou de 1.159 para 3.084 registros. Juntamente com os números, a SDH anunciou a criação do Sistema Nacional de Promoção de Direitos e de Enfrentamento à Violência contra LGBT. O objetivo é “articular as diferentes experiências de políticas” em torno da questão LGBT. 

No encontro, a presidenta Dilma, segundo relato dos participantes, reafirmou o compromisso do governo federal em combater a homofobia, porém, as declarações de Dilma Rousseff divulgadas pelos ativistas não acalmaram os ânimos de setores do movimento que, em declarações mais radicais, classificaram o encontro como “pelego” e questionaram se houve declarações a respeito do projeto pedagógico “Escola Sem Homofobia”, vetado em 2011.

Há uma tensão no ar e que não é nova, mas, que pode ser produtiva no sentido de empurrar o governo federal cada vez mais para o lado das questões LGBT e fazer com que se sinta cada vez mais seguro em apostar publicamente no apoio às ações de combate à homofobia. Portanto, o que fica claro é que o movimento exige posicionamentos públicos de apoio da presidenta às questões homossexuais.

Estado Laico

A presidenta declarou que o “Brasil é laico e o povo quer que seja assim”. Tal declaração foi replicada pela ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que também afirmou que o governo federal e sua bancada estão “empenhados” em enterrar o projeto de “cura gay”, que na verdade é o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 234/11, de autoria do deputado federal João Campos (PSDB-GO), que visa derrubar norma que proíbe psicólogos de praticarem a reconversão de orientação sexual – de homo para heterossexual.

A questão da laicidade é tema recorrente desde o primeiro mandato do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo Federal, em 2002, isso porque o PR (Partido da República) era vice na chapa presidencial e tinha/tem em suas fileiras pastores fundamentalistas. Embora a bancada teocrática não possuísse tanta força legislativa, com o passar dos mandatos foi ganhando musculatura sob o guarda-chuva da coalizão e elegeu duas principais bandeiras: direitos reprodutivos/ aborto e direitos LGBT. O que empurrou, muitas vezes, o governo federal para o lado mais conservador em termos de políticas públicas dedireitos humanos às mulheres e LGBTs.

Neste sentido, por mais que consideremos certas reações do encontro da presidenta com os LGBTs como radicais, eles possuem a sua razão. Já que, infelizmente, o atual histórico do mandato petista é de rifar, sempre que pressionado pela extrema direita, as políticas públicas às LGBTs por conta de apoio no Congresso Nacional. Terá valido a pena?

Avanços e pressão popular

É inegável que desde a ascensão do PT ao governo federal existem avanços relativos às políticas de enfrentamento à homofobia. Não esqueçamos da realização de duas conferências nacionais LGBT, na primeira com a presença do ex-presidente Lula; a criação da Coordenação Nacional de Políticas Públicas LGBT; o Conselho Nacional LGBT, importante instrumento de controle social e de interlocução entre executivo e sociedade civil; o Disque 100, que tem o papel de reunir dados sobre a violência homofóbica… Mas, é hora de ousar e ir além das políticas institucionais.

O governo federal tem a grande oportunidade de se diferenciar, mais uma vez, de seus antecessores e assumir, de fato, pautas como o casamento igualitário e a criminalização da homofobia. Se o governo colocou toda a sua bancada pra trabalhar no enterro da “cura gay”, este é o momento perfeito para repetir a ação em relação às duas matérias citadas. Está mais que evidente que a população que saiu às ruas não quer mais saber de governos relacionados com grupos políticos ancorados numa moral que atenta contra o Estado Laico e o direito de ir e vir dos/as cidadãos/ãs.

Perguntamos anteriormente se teria valido a pena a opção, até aqui, de ceder às pressões da bancada teocrática e a resposta é não. Assim como a presidenta Dilma encontrou grande oportunidade neste momento político de bancar a reforma política de maneira participativa, este também é o momento de bancar a criminalização da homofobia e o casamento igualitário. Decerto que os/as cidadãos/ãs e o movimento LGBT irão apoiá-la, assim como boa parte da sociedade. Ao contrário do que acreditam alguns marqueteiros e estrategistas políticos, estes assuntos não vão tirar votos (aliás, triste matemática), irão colocar o Brasil ao lado das democracias mais desenvolvidas e resgatar a crença de que estamos em uma República e Estado laicos, de fato.

A voz das ruas não é homogênea, mas, boa parte dela pede isso e não é de agora.

Marcelo Hailer é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e ativista do movimento LGBT de São Paulo