Por Carlos des Essarts Hetzel

O Ministério das Comunicações – Minicom – definiu que será feita a transição das rádios AM (Amplitude Modulada), para os canais 5 e 6, referentes às frequências 76 a 88 Mhz, ocupadas atualmente por canais de TV analógicos em sistema “aberto”. Esta definição recebeu o aval presidencial no dia 06 de junho de 2013, conforme noticiado na imprensa brasileira. Segue:

Dilma dá sinal verde para migração da rádio AM para faixa FM e flexibilização do switch-off.  A reunião que o ministro Paulo Bernardo teve na última quinta, 6,com a presidenta Dilma Rousseff definiu assuntos de suma importância para a radiodifusão. Em primeiro lugar, a presidenta bateu o martelo sobre a flexibilização do cronograma de desligamento da TV analógica. O outro assunto que já teve sinal verde da presidenta foi a migração das rádios AM para a faixa FM, pleito defendido pelas associações que representam os radiodifusores, em especial a Abratel que reúne principalmente as filiadas e afiliadas à Record. A migração acontecerá independente do processo de digitalização, como defendia a associação. Segundo a Abratel, mais de 1.700 rádios AM, que funcionam em todo o território nacional, serão beneficiadas com a decisão. (TELETIME – sexta-feira,7 de junho de 2013.)

Estes canais “baixos”, que por razões técnicas (ruído impulsivo + antena) não poderão ser utilizadas pelos canais de TV Digital, ficarão “Livres”.     Este novo bloco de frequência, servirá para estender a atual faixa de FM, denominando-se “Faixa Estendida de FM”.

O prazo para sua efetiva operação é junho de 2016(nova previsão para 2018), prazo este em função da “virada final” do sistema brasileiro de TV analógica para digital (Dec. 5820/2006)

Esta decisão faz parte da logística de transição da rádio analógica para digital, resultado do atual avanço tecnológico mundial, a denominada “convergência tecnológica”, que procura otimizar o espectro de frequência, um bem público e finito e melhorar a qualidade da comunicação seja pública, institucional ou privada/comercial.

Esta mudança na utilização desses canais de rádio em faixa destinada para TV, transformando-as de Modulação por Amplitude – AM, para Modulação por Frequência – FM, ou seja, transformando as atuais portadoras de rádio AM em FM, deve ser analisada dentro de um contexto mais amplo do que simplesmente o técnico. Devemos considerar todos os atores envolvidos como o político, social e econômico.

Vejamos:

1. Fator Econômico

Os proprietários das radiodifusoras em sistema AM, quando transformadas em emissoras FM, passarão a concorrer com as emissoras FM já existentes e em operação, com seus canais de sintonia conhecidos e enraizados no coletivo local devido ao tempo de funcionamento.
Estas novas emissoras FM estarão operando em canais desconhecidos, em que pouco ou nenhum receptor de rádio hoje existente nas residências, terá condições de sintonia devido à alocação das frequências.

Conforme estudo da ANATEL “O canal 6 pode até ser sintonizado nos receptores de rádio FM em 87,7 Mhz”, ou seja, fora da faixa de frequência de FM que vai de 88 a 108 Mhz.

São os “ouvintes sombras” denominação utilizada para definir ouvintes da portadora de áudio do atual canal analógico TV 6. Esta recepção só será possível em sistema “mono”, não permitindo a qualidade “estéreo”.    

Salientamos que o canal 5 ficará totalmente fora da faixa de sintonia, ou seja, sem recepção. Passarão a disputar um mercado que passa por sérios problemas financeiros devido às dificuldades de captação de verba publicitária governamental ou comerciais privados. O bolo publicitário que já não correspondem às expectativas será dividido por mais radiodifusoras.

Necessitarão de grandes investimentos com novos equipamentos de transmissão, elementos irradiantes e com a própria outorga, que conforme indicativo do Minicom será negociado pelo “menor” valor da última licitação de outorgas para aquela região.

A indústria brasileira não será aquecida pela compra de transmissores de FM, pois haverá perda com as vendas de transmissores de AM.  A indústria de receptores, os aparelhos de rádios, não terá interesse em modificar seu projeto e sua linha de montagem para atender estes novos canais de rádio FM.

É um acúmulo de gastos para ganho zero, seja para o empresário e/ou para a sociedade. É a concentração de FM´s em uma localidade, sem absolutamente nenhuma contrapartida, seja social ou tecnológico.

2. Fator Social

A rádio AM contempla um coletivo de pessoas diferenciadas, pois sua área de cobertura é maior, tem mais abrangência. São principalmente os ouvintes do interior dos estados. Mesmo que seja em classe “C”, de abrangência local, com potência menor que 1KW, sua zona de “sombra” é praticamente inexistente. É por este motivo que se utiliza o adjetivo “rádio do povão”. Sua penetração ocorre onde a FM, devido a sua limitação técnica de irradiação, não alcança – “O alcance do sinal é inversamente proporcional à frequência”.

Esta migração não produzirá novos empregos para radialistas, programadores, técnicos ou engenheiros, pois a mudança será de tecnologia de modulação, AM para FM, ou seja, troca do sistema de transmissão. Não haverá implantações de novas emissoras. É a simples troca no modo de transmissão, não havendo alteração no quadro de pessoal, no máximo somente de produção de conteúdo.

Vale salientar que esta tecnologia analógica, deverá ser totalmente extinta em um futuro muito próximo, fato este que já ocorreu nos países desenvolvidos e está ocorrendo nos emergentes.

Os ouvintes das rádios FM’s não terão interesse na aquisição de outro receptor, o rádio, para receber novas emissoras com qualidade de sinal idênticas às existentes.

3. Fator PolíticoCarlos des Essarts Hetzel

Apagar este modelo de radiodifusão sonora é desassistir “o homem” do interior, o homem do campo.   Prejudica a interiorização da informação, fere a Constituição Federal, retirando de uma parcela da sociedade, o direito à comunicação. Trata-se de um modelo de radiodifusão que abandona o interior, enquanto “super assiste” o grande centro, o homem urbano.  Perdem-se os ouvintes do interior. Não se ganha ouvinte das capitais.
Segundo previsão da ABERT, está previsto uma grande quantidade de processos dos detentores de outorga de FM contra esta migração, devido ao valor/facilidade das outorgas concedidas para os proprietários de rádio AM e da inevitável divisão do já pequeno bolo publicitário com novos concorrentes.

Salientamos que na região fronteiriça deste país continental, as frequências ocupadas pelas rádios AM, uma vez livres, serão ocupadas pelas emissoras dos países vizinhos. É uma questão de segurança nacional.

Comentários Finais

A abertura de novos canais para sustentação do sistema radiofônico brasileiro é louvável e republicano. A crítica que apresentamos nesta avaliação se sustenta na decisão de  transformar sistemas de rádio AM para FM, com características técnicas e de público ouvinte completamente diferentes, com o agravante de se manter a mesma tecnologia analógica sem previsão temporal de transição para digital, pois ainda não há previsão e/ou definição da tecnologia para digitalização do sistema de radiodifusão sonora no Brasil.

Estamos em um processo adiantado de digitalização do sistema radiofônico em todo o mundo, em sincronismo com a digitalização do sistema televisivo. Precisamos pensar em um novo modelo tecnológico para as rádios brasileiras, agregando valores a este sistema.

São 87% das residências com aparelhos de rádio. Não é um sistema de comunicação que deva ser relegado a um plano secundário.
As tecnologias disponíveis no Brasil para digitalização deste setor, que são somente 2(duas), com diferenças e especificações técnicas bastante distintas, estão postas e à disposição dos setores responsáveis para definição.

A demora nesta escolha, com característica política, nos deixará em situação de atraso tecnológico em relação aos países do BRICS e também dos nossos irmãos Latinos Americanos, que continuam não se sabe até quando, aguardando nossa definição.    

Carlos des Essarts Hetzel é jurista e tecnólogo