Por Marcelo Zero

O MERCOSUL lembra o caso do escritor Mark Twain, que teve a ingrata tarefa de desmentir notícias de sua morte. Twain estava em Londres quando surgiram boatos sobre seu falecimento. Com sua habitual ironia, afirmou: “Os rumores sobre a minha morte foram grosseiramente exagerados”.

Com o MERCOSUL se passa algo semelhante. Desde o nascimento, vaticinam seu iminente falecimento. Na época da assinatura do Tratado de Assunção, não faltaram ironias sobre a união “dos rotos com os esfarrapados” e críticas ácidas em relação à suposta inviabilidade de um bloco fadado a ser absorvido em processos de integração mais amplos com países desenvolvidos.
 
Ao longo dos anos, também não faltaram aqueles que defenderam que o MERCOSUL renunciasse a sua união aduaneira e se transformasse numa área de livre comércio, de modo a permitir integração supostamente mais dinâmica com o “comércio globalizado”. Consideravam o MERCOSUL um arcaísmo “terceiro-mundista” e sonhavam com a miragem neoliberal da ALCA.

Com a crise mundial, voltaram a condenar o MERCOSUL e a sugerir o fim da sua união aduaneira, de modo a que os Estados Partes possam negociar independentemente acordos bilaterais de livre comércio com países desenvolvidos, particularmente com os EUA e a UE. 
Recentemente, o lançamento da Aliança do Pacífico, bloco que reúne Peru, Colômbia, Chile, México e Costa Rica, aguçou as críticas contra o MERCOSUL. A Aliança foi apresentada pelos setores conservadores da mídia como o bloco do futuro, das economias mais “dinâmicas” e “integradas ao comércio mundial”. Em contraste, o MERCOSUL foi novamente caracterizado como um bloco moribundo, uma espécie de aliança autárquica, que condena os seus Estados Partes ao atraso e à baixa integração com as “cadeias produtivas globalizadas”.
 
Bom, em primeiro lugar, é preciso afirmar que a Aliança nada mais é que uma jogada de marketing geopolítico que não altera a realidade econômica da América do Sul. O Brasil e o MERCOSUL já têm livre comércio com todos os países da América do Sul, inclusive os que fazem parte da Aliança. As únicas exceções são a Guiana e o Suriname. Com o México, o Brasil tem também dois importantes acordos de preferência comerciais. Além disso, os países da Aliança do Pacífico, por força de acordos firmados no âmbito da ALADI, têm, há bastante tempo, livre comércio entre si. Em outras palavras, a Aliança “chove no molhado”.

Em segundo lugar, o MERCOSUL é um claro sucesso comercial e econômico. Desde a sua criação, em 1991, as exportações intrazona aumentaram 13 vezes. Já as exportações brasileiras para o bloco aumentaram 12 vezes. Nos últimos 9 anos, nosso superávit acumulado com o bloco ascendeu a US$ 45,5 bilhões. Apenas no passado, já considerando a Venezuela, o Brasil obteve um superávit de US$ 7,6 bilhões com o bloco. Além disso, cerca de 90% das nossas exportações para o MERCOSUL são de produtos manufaturados. Para União Europeia, China e Estados Unidos são de 36%, 5% e 50%. Na realidade, o MERCOSUL é o principal destino das exportações da nossa indústria.

Em relação à crítica de que o MERCOSUL impede uma maior participação dos Estados Partes no comércio mundial, é necessário levar em consideração que, entre 2003 e 2011, as exportações extrazona do bloco foram multiplicadas por 4. Em contraste, as exportações mundiais foram multiplicadas por um fator de apenas 2,8. Em outras palavras, as exportações do MERCOSUL cresceram bem mais que o aumento do comércio internacional. Coisa semelhante aconteceu com os investimentos. Hoje em dia, muitas empresas brasileiras têm investimentos e projetos de vulto no MERCOSUL e em toda a América do Sul. O MERCOSUL só não aumenta mais sua participação no comércio mundial porque muitos países desenvolvidos não aceitam, nas negociações, a liberação do comércio agrícola e, por outro lado, propugnam intransigentemente por uma maior abertura do comércio de manufaturados. O MERCOSUL e o Brasil, ao contrário da Aliança, preferem um bom acordo a qualquer acordo.

Ademais, o MERCOSUL, que se espelha no exemplo da UE, vem dando passos largos na criação de instituições supranacionais, como o Parlamento do MERCOSUL, destinado a criar e dar voz à cidadania comum. Áreas de livre comércio, lembre-se, não constroem cidadanias, constroem muros.

Enfim, o MERCOSUL, mesmo com a crise mundial e recentes controvérsias protecionistas, está bem, obrigado. Só não gosta quando seus detratores querem transformá-lo em algo que ele não é, a Alcasul. 

Marcelo Zero é sociólogo e assessor da bancada do PT no Senado Federal.