Pelas ruas marchando indecisos cordões…
Em várias grandes praças do país, embalados por vários fatores, os distintos movimentos constituídos em torno da má qualidade dos serviços e altas tarifas do transporte público voltaram às ruas ontem, em grande número e com alto astral.
Renato Simões
Contribuíram como fatores importantes para essa ascensão dos movimentos a justiça das reivindicações iniciais (transporte público no Brasil é mesmo caro e ineficiente), a truculência da resposta do poder público e das suas polícias aos atos da semana anterior (que despertarou um clima cívico de defesa do direito à manifestação), a forma descentralizada de mobilização (sem comando único, com forte protagonismo individual e grupal) e a mudança de humores da mídia privada, que passou a disputar os rumos do movimento a partir de uma reavaliação de sua postura inicial (da qual a auto-crítica de Jabor na CBN logo na manhã de segunda foi o mais nauseante e expressivo exemplo).
Da parte do PT e do nosso campo político, não há como registrar a importância da mudança de discurso ao abordar as manifestações, que culminaram com a nota pública de Lula e o pronunciamento de Dilma saudando o direito de manifestação e a justeza das reivindicações. Contribuíram também a iniciativa de Haddad de convocar o Conselho da Cidade a opinar e a abertura de negociações com o Movimento do Passe Livre em São Paulo, bem como a lúcida entrevista de Tarso Genro ao Valor Econômico. Essas manifestações, mais do que um alento para a militância petista incomodada com as primeiras reações oficialistas, foram corretas e adequadas do ponto de vista de uma análise do momento presente desses novos movimentos a ocupar as ruas.
Essa atitude permite que agora passemos ao principal: que resposta dar, como Partido que lidera a coalizão de forças que governam o país, a esses movimentos? Como impedir, como Partido que tem um projeto de transformação social do País, que movimentos como esses canalizem seu vigor para a oposição a este projeto de mudança? Como disputar a hegemonia de um movimento fundamentalmente de jovens, que expressam um ranço anti-partido, anti-governos e anti-política destilados ano após ano pelos meios oficiais da hegemonia neoliberal no país? E como ganhar corações e mentes de uma generosa parcela da juventude que, após anos de inércia, rompe cadeias para voltar às ruas e dispor-se a participar de um movimento coletivo pelo que ela identifica como o melhor para si e para o país?
São imensos desafios para um Partido que ao longo dos anos institucionalizou-se como Partido de governo e que, mesmo tendo nascido e sempre mantido relações importantes com os movimentos sociais, há tempos deixou de ter uma elaboração prioritária sobre o que outrora denominávamos de “frente de massas”.
Contraditoriamente, é a direita que se assanha com a possibilidade de levar para as ruas a disputa inglória que há mais de dez anos trava contra nós. Do comandante-geral da PM de São Paulo a eminentes editorialistas, distintas vozes definiram que um movimento vigoroso e sem comando centralizado nas ruas pode ser espaço propício para agitação de propaganda de uma oposição sem causas e projeto. Falhando em tentativas anteriores de usar o tema da corrupção contra nós no plano institucional e eleitoral, não faltam sugestões implícitas ou explícitas de transformar “novos caras-pintadas” anti-corrupção (do PT, claro, como vendem sua mercadoria) na simpática face da oposição.
É o que buscam, por exemplo, em atos no exterior, em faixas e cartazes carregados por pequenos grupos nas ruas e veiculados pelas redes de TV como se fossem eixos da manifestação, na repercussão que começam a ter depoimentos ainda tímidos de líderes da oposição no Congresso – pouco afeitos a ter de defender movimentos de massa… Ridículos gritos pelo impeachment de Dilma começam a ecoar, e gritos e vaias, como se sabe, podem crescer ou cessar de acordo com outros gritos e palmas.
Assim, estamos diante de um momento em que a juventude está nas ruas, com apoio e participação crescente de outros setores sociais, fenômeno positivo a ser saudado, mas o caráter de suas manifestações está longe de ser definido, fenômeno em disputa a ser disputado (com o perdão do pleonasmo).
O pronunciamento de Dilma reconhece a nacionalização da manifestação e das reivindicações. Estados e municípios não enfrentarão a crise do transporte coletivo sem apoio e indução federal, visto que estão há muito acostumados à precariedade dos serviços e aos interesses privados dos concessionários. na definição das tarifas. Os níveis crescentes de subsídio à tarifa serão insustentáveis para os municípios e estados sem uma política federal neste sentido.No limite, como ante-sala para reformas estruturais ainda a serem feitas, como a reforma urbana, por exemplo, enfrentando a insustentabilidade social e ambiental de nossas cidades. Por isso, uma proposta federal de intervenção neste tema – para além dos positivos gestos já adotados neste sentido, que permitiram aumentos menores que os previstos – teria reflexos muito positivos na política econômica, no combate à inflação, no empoderamento dos outros órgãos da federação e no atendimento a justas reivindicações populares.
Articular a luta institucional com a luta de massas, como dizia o velho e bom V Encontro Nacional do PT, ainda é o melhor caminho para o acúmulo de forças e a disputa por hegemonia socialista na sociedade. Falar é fácil, difícil é fazer. Mas impossível não é!
Renato Simões é secretário nacional de Movimentos Populares do PT.