Especialistas discutem questão indígena em lançamento de livro
Fruto de pesquisa realizada em parceria entre as fundações Rosa Luxemburgo e Perseu Abramo nos anos de 2010 e 2011, o livro Indígenas no Brasil: demandas dos povos e percepções da opinião pública, organizado por Gustavo Venturi e Vilma Bokany, foi lançado nesta terça-feira, 28, em debate na sede da instituição alemã, em São Paulo, com a presença de alguns dos autores deste importante e atual mapeamento da questão indígena no Brasil.
O evento iniciou com saudações de Gerhard Dilger, diretor da Fundação Rosa Luxemburgo, que lembrou da atualidade da temática tratada no livro, Joaquim Soriano, da Fundação Perseu Abramo, que indicou também a iminência de novos lançamentos em outras regiões do país, e Vilma Bokany, do Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, que detalhou as três fases da pesquisa que sustentou a publicação: a primeira etapa contou com entrevistas com 52 lideranças indígenas para avaliar as percepções delas sobre as demandas de seus povos; a segunda pesquisou o que a população brasileira em geral pensa sobre o tema e a terceira fase entrevistou 400 indígenas urbanos. Foram realizados ainda debates e seminários, num rico processo cujo livro agora lançado é apenas um dos produtos.
Logo após, foi formada uma mesa de debates, que foi mediada pela jornalista Daniela Chiaretti, responsável pela cobertura de assuntos socioambientais para o jornal Valor Econômico. Compunham a mesa também os antropólogos Spensy Pimentel e Lucia Rangel, a jornalista Verena Glass, o sociólogo Luis Eduardo Batista e Auxiliadora Leão, que trabalhou na Funai durante a gestão de Márcio Meira, presidente da Fundação e autor de um artigo no livro.
Spensy Pimentel foi o primeiro a falar, e ressaltou que seu artigo, intitulado Violação dos direitos e a luta pela terra Guarani-Kaiowa, foi escrito alguns meses antes da publicação de uma carta escrita por indígenas da comunidade Pyelito Kue. Encarada por alguns setores sensacionalistas como uma declaração de suicídio coletivo, a manifestação na verdade era uma demanda emocionada por justiça e ganhou grande repercussão e apoio no meio urbano, sobretudo nas redes sociais. “Coisa literalmente nunca dantes vista”, apontou Pimentel, que recordou a importância da realização de manifestações de rua em apoio aos guarani terem acontecido em mais de 50 cidades brasileiras.
O artigo de Pimentel parte de um ponto específico dos resultados da pesquisa: aquele que diz que a maioria dos entrevistados concorda com a afirmação que diz que no Brasil há “muita terra para pouco índio”. A partir disso, o antropólogo – que também é jornalista – demonstra como, em geral, a população brasileira é bastante mal informada em relação à questão indígena, não diferenciando por exemplo as especificidades que existem entre os indígenas da região amazônica e os do restante do país. Mais de 98% das terras indígenas demarcadas situam-se na Amazônia, e no entanto 52% dos índios moram em outras regiões, salienta Pimentel, mostrando portanto que “mais da metade da população está morando em apenas 1,5% das terras, e todo discurso ruralista tenta passar por cima disso. Não é possível misturar a situação amazônica com a não amazônica, e as pessoas têm tido a oportunidade de perceber a situação emblemática que ocorre no Mato Grosso do Sul, e não só com os guarani – que são o maior grupo indígena não amazônico. São quase 45 mil pessoas vivendo em cerca de 42 mil hectares, se diz por lá que um boi vive em mais terra do que um guarani sul-mato-grossense”, protestou.
Em seguida, Lucia Rangel, autora, ao lado de Luciana Galante e Cynthia Cardoso, do artigo A presença indígena nas cidades, destacou que “o tema dos índios na cidade é muito espinhoso no Brasil, já que toda nossa política indigenista foi voltada para a tal da integração do índio na sociedade nacional, o que implicaria integrar-se e desaparecer. Mas os valentes índios insistem em existir”. Através de seu Censo, o IBGE já demonstrou a forte presença de indígenas nas cidades, o que segundo Rangel se explica sobretudo pelo problema da terra e gera demandas semelhantes às do restante da população pobre e urbana: educação, saúde, moradia, etc. Além disso, há a reivindicação por reconhecimento, diante da invisibilidade e do preconceito.
“Todas as obras do PAC 2 incidem e impactam comunidades indígenas”
Autora do artigo PAC 2: acelerando as tristezas na Amazônia, Verena Glass concentrou sua exposição na crítica ao modelo representado por empreendimentos hidroelétricos como a usina de Belo Monte. “Esse processo de implantação dessas grandes obras se dá através de estudos e exigência de condicionantes, que seriam feitas para atenuar os efeitos sobre as populações” lembra Glass, “mas o problema que vemos em todas as obras é que elas não são cumpridas, como no caso de Belo Monte, onde apenas cerca de 20% foram cumpridas. A empresa Norte Energia nem terminou o cadastro das populações atingidas!”, complementa. Segundo a jornalista, nesses casos estão constatados não só os grandes impactos sobre as populações indígenas e ribeirinhas como também a total violação dos direitos constitucionais dessas populações, que não são consultadas sobre empreendimentos que incidirão sobre seus cotidianos e tradições.
“Todas as obras do PAC [Plano de Aceleração do Crescimento] 2 incidem e impactam comunidades indígenas, eu cito elas no meu texto” apontou Glass. “Todas elas têm ações contrárias na Justiça e todas são palco de conflitos entre índios e empreendedores, então alguma coisa está errada, o debate é anterior, é sobre a necessidade dessas obras para essa regiões e mesmo para o Brasil. Não existem outras alternativas? O que mais de 60 hidroelétricas na região amazônica vão fazer com esse bioma, nossa maior riqueza?”, concluiu.
Logo após foi a vez da exposição do sociólogo Luis Eduardo Batista, especialista em saúde indígena e autor do artigo Saúde da população indígena, que fecha o livro e foi escrito em conjunto com István van Deursen Varga e Rosana Lima Viana. Batista fez questão de destacar a existência de uma tensão “entre a percepção do branco e a do índio, o fazer do branco e do índio, e isso impacta sobre a saúde dos indígenas”. Segundo ele, “a pesquisa foi riquíssima para pensarmos esse assunto”, pois a sociedade brasileira ainda não está preparada para lidar com as especificidades dos povos originários no que diz respeito à saúde.
Já Auxiliadora Leão retomou a linha de raciocínio de Spensy Pimentel para lembrar da necessária diferenciação que é preciso ser feita entre os indígenas moradores da região amazônica e aqueles que estão em outras regiões do país. “Por um lado temos a questão das terras não demarcadas, e por outro, na Amazônia, onde isso já foi feito, existe a entrada dos grandes projetos e das novas invasões”, resumiu. Em relação ao primeiro ponto, Leão defende que “se não reconhecermos que precisamos dessa demarcação, como ordenamento territorial, não vamos caminhar, essa pra mim é a grande discussão”.
Logo após as exposições iniciais, a mediadora ainda fez algumas perguntas para os participantes, antes do coquetel de lançamento do livro, que foi distribuído gratuitamente. Além de transmitido ao vivo via Internet pela TVFPA, da Fundação Perseu Abramo, o evento foi gravado na íntegra e em breve vídeos serão disponibilizados.
Fonte: Fundação Rosa Luxemburgo/Júlio Delmanto