Lincoln
7 de fevereiro de 2013 -
Para mim, enquanto político, é imperativo não só ver o filme mas falar sobre ele: um filme histórico e bem feito, dirigido surpreendentemente pelo especialista em ilusionismos cinematográficos de efeitos especiais. Steve Spielberg.
Para mim, enquanto político, é imperativo não só ver o filme mas falar sobre ele: um filme histórico e bem feito, dirigido surpreendentemente pelo especialista em ilusionismos cinematográficos de efeitos especiais. Steve Spielberg.
Mas não só para políticos, o filme Lincoln é importante para a formação cultural das pessoas interessadas em História e em Política, isto é, supostamente, para todas as pessoas adultas responsáveis. É didático, não só pelas imagens que reproduzem um dos episódios mais relevantes da História Ocidental dos últimos séculos mas, também, pelas lições de Política, de como é a Política, de como age um político maior, que mostra com nitidez, através do desempenho notável do ator Daniel Day-Lewis.
Não vou me esparramar em comentários que, ademais de serem supérfluos, poderiam tirar boa parte do gosto do espectador que ainda não viu o filme. Quero me limitar a dois aspectos que fiquei a relembrar e a refletir sobre eles nas horas seguintes ao fim da sessão.
O primeiro se prende à natureza da Política que tem particularidades e sutilezas não muito comumente compreendidas. Refiro-me às complexas relações da Política com a Ética que frequentemente entram em conflito, porque a Política exige resultados e a Ética não os considera, só fala de deveres. É claro que a Política tem que respeitar as imposições da Ética; porém tem que distinguir a Ética dos fins e a Ética dos meios, respeitando a ambas.
Aí se põem os problemas mais difíceis: respeitar ambas. É preciso acrescentar: sempre que possível. A Ética dos fins da Política, a Ética dos seus resultados, muitas vezes encontra, para a sua realização, enormes obstáculos nas exigências da Ética dos meios. E a aprovação da Emenda n° 13 à Constituição Americana, que aboliu a escravidão no país, foi um desses casos exemplares. Tratava-se de conseguir um resultado, um fim, extremamente importante sob o ponto de vista ético, mas os óbices eram intransponíveis se houvesse respeito absoluto pela Ética dos meios, isto é, se a Política não resvalasse para alguns desvios desta Ética, comprando votos da oposição com empregos de muita remuneração e pouco trabalho e mentindo sobre a existência dos emissários do sul que pediam paz.
Podia? Pode? É evidente que há casos em que pode, há limites dentro dos quais a Política pode, sem que haja regras para definir esses casos e esses limites. É certo, absolutamente certo, que não se pode escorregar pela rampa lubrificada do pragmatismo, sob o lema de que os fins justificam os meios, até se chegar à aprovação do político que “rouba mas faz”. Entretanto, na ação política há uma certa margem de permissividade ética nos meios empregados em função dos fins: a percepção desse relativismo e desses limites é uma questão de bom senso e de sensibilidade (sensibilidade ética, principalmente); daí a sutileza e as dificuldades, os embaraços e os riscos da Política. Daí também o seu fascínio.
O verdadeiro julgamento dessas permissões para a ultrapassagem da linha da Ética não é feito pelas instituições do Estado, pelo Poder Judiciário; o julgamento só pode ser feito pelo povo do país, isto é, pela Nação, e pela História. No filme há uma frase antológica (não sei se factual) dita por um dos deputados que mais lutaram pela aprovação da Emenda à sua criada negra, que era também sua companheira de cama: ”Foi aprovada a decisão mais importante do século, na base da corrupção, pelo homem mais puro do País”. A frase vale o filme e dá o que pensar.
O outro aspecto a comentar diz respeito a um cotejo entre os espíritos desses dois grandes países das Américas: nós e eles. Eles aboliram a escravidão 25 antes de nós, o que significa que toda uma geração de negros brasileiros, a mais do que os americanos, sofreu as penas, as crueldades e as humilhações da escravidão.
Entretanto, eles tiveram que passar por uma terrível guerra civil, uma guerra fratricida de mais de quatro anos, que custou um milhão de vidas e mutilações. Foi a guerra que matou mais americanos em toda a história guerreira daquele país. E nós conseguimos o mesmo resultado sem este custo gigantesco, num processo mais lento e jeitoso, ”à brasileira”.
Há quem debite esta enorme diferença a um certo caráter emoliente do povo brasileiro, ou ao que os mais radicais chamam cruamente de falta de caráter. Mas é possível enxergar aí, como em outros episódios, uma certa sabedoria política maior, mais madura, mais desenvolvida, mais feliz, do povo e da Nação Brasileira.
Eu prefiro esta segunda explicação.
*Roberto Saturnino Braga, ex-senador (PT/RJ), é autor de O curso das ideias (editado pela EFPA) e integrou o Conselho Curador da FPA.
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