Ações pela igualdade racial no Brasil são apresentadas em livro
Organizado por Matilde Ribeiro, ex-ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o livro “As Políticas de Igualdade Racial: Reflexões e Perspectivas” oferece contribuições, sob os enfoques político e teórico, à discussão sobre igualdade racial no país. Com artigos escritos por administradores públicos, parlamentares e representantes da sociedade civil de várias regiões do país, a obra traz um levantamento das vozes, ações e ideias envolvidas a implementação das políticas raciais no Brasil.
Prefaciada por Luiz Inácio Lula da Silva, a obra conta com artigos de Maria Aparecida Abreu e Jean Tible, Matilde Ribeiro, Maria Rosalina dos Santos, Antônio Carlos dos Santos – Vovô do Ilê Ayiê, Creuza Oliveira, Benedita Souza da Silva Sampaio, Flávio Jorge Rodrigues da Silva, Denise Antônia de Paulo Pacheco, Vanda Sá Barreto, Paulo Paim, Marcelo Paixão, Larissa Amorim Borges e Claudia Moyorga, Mônica Conrado e Nazaré Rebelo, e Edna Maria Santos Roland.
O livro é publicado pela Editora Fundação Perseu Abramo (EFPA) com o apoio da Fundação Friedrich Ebert e da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT (SNCR/PT), e pode ser adquirido em livrarias e na loja virtual da EFPA.
– Conheça o livro “As Políticas de Igualdade Racial: Reflexões e Perspectivas”
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Leia abaixo a íntegra do prefácio assinado pelo ex-presidente Lula
Este é um livro necessário e oportuno, um livro que precisava ser escrito. Supre uma carência inegável da nossa vida intelectual e política, ao tratar da luta contra o racismo na sociedade brasileira, seus avanços e desafios, com foco num processo que se intensificou muito na última década: a formulação, negociação e implementação das políticas públicas de igualdade racial.
A obra faz o registro vivo e uma análise instigante da luta pela democracia social e racial no país. E o faz de modo plural e aberto, trazendo o ponto de vista da universidade, das organizações populares, do governo, do parlamento e, sobretudo, como não poderia deixar de ser, do próprio movimento negro, protagonista fundamental desse embate. Diversas mãos e vozes resgatam e discutem o esforço coletivo que incorporou definitivamente a questão racial na agenda do país e tornou possível a criação, em 21 de março de 2003, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção e Igualdade Racial (Seppir).
Cabe aqui relembrar o saudoso Florestan Fernandes, incansável pensador e militante libertário que, colocando em evidência a questão racial, nos alertou: “o Brasil tem preconceito de ter preconceito”. Nada melhor para enfrentar o descaso histórico do que tornar visível e inteligível a realidade. As informações e reflexões contidas neste livro desafiam a sociedade brasileira a superar o comodismo do “politicamente correto”, que se afirma não racista mas, na prática, encobre o preconceito e a discriminação.
O reconhecimento de que cabe ao Estado desenvolver políticas de igualdade racial, inclusive por meio de ações afirmativas, não se dá da noite para o dia. Nesse sentido, a interpelação ética e política do movimento negro foi e continua sendo imprescindível. Desses homens e mulheres que há cinco séculos lutam para conquistar um “lugar ao sol” em nossa sociedade e cuja saga pessoal e coletiva oferece aos brasileiros de todas as etnias e de todas as raças a oportunidade de também se emanciparem, livrando-se do preconceito e das condutas discriminadoras.
A igualdade racial é tema que exige persistência na ação e no diálogo, fazendo valer o ditado popular – “ água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. A convicção política é fundamental, mas é preciso também envolver as pessoas a partir do cotidiano e dos episódios concretos, motivando-as para a luta social e institucional.
Em minha vida, a percepção sobre as desigualdades raciais e o racismo foi se instalando aos poucos. À medida que o meu conhecimento da realidade brasileira e a minha consciência política foram se ampliando, meus olhos se abriram também para a gravidade da opressão racial em nosso país. Quando eu era metalúrgico, olhava ao meu redor e via os companheiros negros quase sempre preteridos ou esquecidos na hora de escolher alguém para as funções mais elevadas e de maior salário.
Em 1986, ao me tornar deputado federal, essa questão ganhou ainda maior importância para mim. Na Assembleia Nacional Constituinte, convivendo com Benedita da Silva, Paulo Paim, Carlos Alberto de Oliveira Caó (e também com Abdias do Nascimento, deputado federal entre 1983 e 1986) e outras lideranças, senti-me estimulado ao diálogo com o movimento negro e a somar forças com ele para garantir na nova Constituição Federal os direitos da população negra.
Nas Caravanas da Cidadania percorri as mais diversas regiões do Brasil, conheci de perto quilombos, aldeias indígenas, comunidades ribeirinhas e acampamentos de trabalhadores rurais, assim como inúmeras vilas e favelas das nossas cidades, e posso dizer que aprendi muito sobre a desigualdade social e racial brasileira, e senti fortemente o sofrimento que ela causa.
A partir dessas vivências e de fecundas discussões com os companheiros e as companheiras de militância fui compreendendo melhor a importância de vincular a luta por salários mais dignos e direitos sociais à superação do racismo. Fui incorporando as ideias dos militantes de combate ao racismo do PT e de outras forças progressistas que, junto conosco, elaboraram as plataformas políticas para as minhas quatro candidaturas à Presidência da República.
Na campanha de 2002, elaboramos o programa Brasil Sem Racismo, e, depois de eleito presidente da República, no Governo de Transição, aprofundamos a reflexão sobre os caminhos da política de igualdade racial e optamos pela criação da Seppir. Quando tomei posse, em 1º de janeiro de 2003, ressaltei que a prioridade da gestão seria o enfrentamento à fome e à profunda pobreza existentes no Brasil, em função da má distribuição de riqueza. Mas ressaltei também a importância de corrigir rotas históricas que levam às desigualdades – como as étnicas e raciais, e as de gênero, entre outras.
Por tudo isso, reafirmo a importância de combinar as políticas públicas universais com as ações afirmativas. Dessa forma, é possível efetivar, ao mesmo tempo, direitos econômicos, sociais, culturais e raciais. Desenvolvemos diversas ações nesse sentido: o programa Brasil Quilombola; o Prouni; o incentivo às cotas nas universidades; o programa de Agricultura Familiar, o Pacto de Enfrentamento à Violência contra a Mulher; as iniciativas com as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos, com a juventude negra, entre outras. Cabe destacar a existência dos importantes espaços de formulação conjunta entre sociedade civil e governo que foram as Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial, em 2005 e 2009.
Por outro lado, foi grande e apaixonante a retomada do diálogo e da cooperação com o continente africano. Além de justa reparação histórica, o apoio concreto do Brasil ao desenvolvimento econômico, social e político da África diz respeito à nossa identidade e ao nosso projeto como nação. Visitei mais de vinte países africanos e tive a alegria de estabelecer acordos de educação, saúde, cultura, tecnologia agrícola, investimentos industriais, valorização do meio ambiente, combate à fome e à pobreza, entre outros que inauguraram uma nova e promissora época em nossas relações.
É muito importante registrar a nossa experiência de mobilização social e de governo, bem como refletir sobre os seus avanços e desafios. Nesse sentido, parabenizo as pessoas e instituições que contribuíram para a realização deste livro, com suas análises, energias e emoções, Em especial à companheira Matilde Ribeiro, que teve participação destacada nessa rica trajetória.
Não tenho dúvidas de que esta obra, além de ser um registro vivo, será um valioso instrumento na consolidação da democracia e da justiça social e racial em nosso país.
Luiz Inácio Lula da Silva