Oscar Niemeyer, o Nobel brasileiro
Se houvesse o Prêmio Nobel de Arquitetura, certamente, há anos, o Brasil já teria tido o seu primeiro premiado: o nome de Oscar Niemeyer está gravado em letras radiantes pelo mundo a fora, em Nova York, na sede da ONU, em Paris, na sede do PC Francês, em Milão, na sede da Mondadori, em Israel, na Universidade de Haifa, na Argélia, na Universidade de Argel, em São Paulo, no Memorial da América Latina, como estará brevemente no Chile, no museu de Valparaiso, que é um dos seus últimos projetos. Está em muitas outras cidades e, com destaque supremo, está em Brasília, Patrimônio da Humanidade e capítulo marcante da história da arquitetura mundial.
Arquiteto formado no Rio ao curso dos anos trinta, quando surgia no mundo a idéia da funcionalidade, veio poucos anos depois a romper com a filosofia do mestre Le Corbusier, e a optar pela arte, pela emoção mais que a razão, pela beleza plástica mais que a utilidade. Excelente desenhista, criador de formas novas cheias de curvas e encantos, conheceu, conviveu e admirou profundamente o grande Cândido Portinari, brasileiro também reconhecido no mundo pelo seu gênio artístico.
O trabalho com Portinari foi inspirador na obra de Niemeyer, desde os primeiros tempos, dos encontros promovidos Gustavo Capanema, o grande incentivador da cultura nacional. Estavam juntos na concepção e na construção do prédio do Ministério da Educação, quando Lúcio Costa, que chefiava a equipe, aceitou a correção feita por Niemeyer sobre o projeto de Le Corbusier. Logo depois, novamente se juntaram, quando Juscelino, prefeito de Belo Horizonte, os convocou para o projeto da igreja da Pampulha que marcou definitivamente, em 1940, a vida artística do nosso maior arquiteto e os novos rumos da arquitetura brasileira.
Juntos ainda estiveram no grandioso prédio da ONU, onde está o traço inconfundível de Niemeyer e uma das maiores realizações de Portinari, o monumental painel Guerra e Paz. Provavelmente nessa criativa convivência tenha brotado e fortalecido a opção definitiva de Niemeyer pela beleza plástica das formas curvas ao invés da clássica retidão geométrica dos engenheiros utilitaristas. Consequência desta opção, naturalmente, foi o intrincado trabalho que deu aos engenheiros que calcularam as estruturas de suas obras: Joaquim Cardozo foi um dos principais e, nas últimas décadas, só um lhe satisfazia: o engenheiro Sussekind.
Niemeyer e Portinari foram também irmãos de ideais políticos, ambos ligados ao Partido Comunista, o fascínio da época, e Niemeyer se manteve fiel ao ideário socialista até o fim da vida, tendo sido durante muito tempo um forte sustentáculo material das atividades de Luiz Carlos Prestes.
A outra ligação política fundamental da vida de Niemeyer, já referida, foi com Juscelino Kubitschek. Ainda jovem, provavelmente alertado pelo comentário fremente de Capanema, JK captou a força grandiosa do talento do arquiteto, o arrojo do seu espírito que tão bem combinava com o seu próprio, e encomendou-lhe a grande realização que marcou para sempre a sua gestão na prefeitura de Belo Horizonte e sua projeção política, o belo e inovador, o extraordinário conjunto da Pampulha. Foi um ponto de partida para a grandeza de ambos.
E, vinte anos depois, a consagração desta ligação: Brasília. O plano urbanístico de Lúcio Costa foi vencedor de um concurso público, mas os projetos dos prédios principais da nova capital, todos, foram entregues diretamente pelo Presidente ao gênio daquele que, desde tempos idos, era seu mais admirado arquiteto. Brasília, divisa na HIstória do Brasil, ápice das realizações políticas de Juscelino, é também o esplendor da arte de Niemeyer, e a figura do Presidente JK ficou imortalizada no alto do magnífico monumento projetado, anos depois, com toda a emoção, pelo seu velho amigo artista.
Niemeyer tinha posições políticas sempre firmemente ligadas às causas populares, e manifestava suas simpatias, sem preocupações com conseqüências que lhe pudessem prejudicar mercadologicamente. Uma dessa últimas preferências voltou-se para o prefeito de Niterói Jorge Roberto, filho do ex-governador trabalhista Roberto Silveira, profundamente querido pelo povo fluminense, que teve sua vida interrompida por um acidente trágico. O resultado dessa simpatia inequívoca é o magnífico conjunto de obras que deixou em Niterói, no chamado Caminho Niemeyer, onde se eleva ao céu o maravilhoso Museu de Arte Contemporânea, uma das mais belas criações do Arquiteto.
Outro testemunho flagrante desse seu amor às classes populares é a belíssima passarela que doou à comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro.
Afetivo, contava as mágoas da sua idade pelas perdas de amigos que ia tendo, sucessivamente, ao longo da sua longevidade. A compensação dessas perdas tirava do seu trabalho, da criação efervescente que manteve até os últimos dias de sua vida.
Darcy Ribeiro, um desses amigos diletos, que demandou-lhe, junto com Brizola, os projetos dos CIEPs, tão importantes para a família dos trabalhadores do Rio, assim como a Passarela do Samba, expressão da cultura deste povo, Darcy repetia que, num horizonte de duzentos anos, todas as eminentes figuras da sua geração de brasileiros estariam esquecidas, ou relegadas aos livros de História; exceto a de Oscar Niemeyer, que seria eternamente revisitada na beleza das obras que havia criado.
A Presidenta Dilma, na sua sabedoria já reconhecida, disse: “O Brasil perdeu hoje um dos seus gênios; é dia de chorar a sua morte; é dia de saudar a sua vida”.